sexta-feira, 21 de julho de 2023

Destruidor de Mundos - A vida e os feitos de Oppenheimer


Poucas pessoas tiveram uma existência tão controversa quanto o brilhante físico teórico Robert Oppenheimer. Afinal, depois que as armas de destruição em massa idealizadas por ele foram lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente, a humanidade nunca mais foi a mesma. Pode-se dizer que nossas definições de horror e medo foram atualizadas junto com nossa capacidade de destruição amplificada a níveis jamais imaginados.

Mas é justo culpar Oppenheimer por isso?

Alguns defendem que a invenção mortal dele pode ter evitado novas guerras mundiais, uma vez que os lados de um conflito em grande escala temiam usar tais armas e condenar nosso planeta à completa aniquilação. Uma guerra sem vencedores! A imposição desse "Equilíbrio do Terror" poderia ter permitido à humanidade avançar rumo ao futuro, apesar dos percalços e do caminho tortuoso.

Seja lá qual for a opinião, a vida de Oppenheimer é tão contraditória quanto a sua maior invenção. O filme, Oppenheimer, lançado esse final de semana, oferece um panorama de sua biografia e permite descobrir um pouco mais sobre quem foi o homem responsável por um dos momentos mais importantes do século XX. Sua vida, obviamente, rende um grande filme, com tons de drama e de épico e, exagerando um pouco, de mitologia.

Durante a Segunda Guerra Mundial, J. Robert Oppenheimer foi escalado para liderar uma equipe de cientistas encarregados de criar uma arma que alteraria o curso da guerra. Ela iria oferecer a solução para o conflito que os analistas previam ainda consumiria incontáveis vidas e duraria muito tempo, já que o Japão Imperial não sinalizava com a rendição, embora estivesse à beira da ruína. O objetivo era abreviar a Guerra de uma vez por todas, colocar um termo nela. De quebra, a criação de uma arma devastadora colocaria os Estados Unidos numa posição privilegiada, como a nação emergente mais poderosa do mundo.


O resultado do projeto capitaneado por Oppenheimer foi além do esperado. O que eles construíram mudou o mundo para sempre, deu forma ao mapa geopolítico do século XX e continua repercutindo ao longo do século XXI. É como uma ameaça constante que nos assombra sempre que surgem crises e momentos de impasse. Recentemente, quando Vladmir Putin comentou sobre o possível uso de seu arsenal nuclear no conflito da Rússia com a Ucrânia, muitos lembraram do passado. Por algum tempo o fantasma da Guerra Nuclear esteve apaziguado, mas ele parece ter despertado.

Mas quem foi o homem conhecido como o "Pai da Bomba Atômica"?

Oppenheimer foi um notável físico teórico cujo excepcional brilhantismo científico se tornou claro quando ele ainda era criança. Embora sua carreira tenha sido muito elogiada, seu relacionamento com o governo e os militares americanos estava longe de ser tranquilo ao longo de todo curso. De um lado o cientista sabia que precisava do governo para desenvolver suas ideias, do outro ele temia que uso seria dado às suas descobertas.

Nascido na cidade de Nova York em 22 de abril de 1904, filho de imigrantes judeus alemães, Oppenheimer era um cientista natural. Um amor precoce por minerais o levou a se corresponder com o New York Mineralogical Club, que ficou tão impressionado com seus escritos que o convidaram para dar uma palestra, sem saber que ele tinha apenas nove anos na época.


Ele frequentou a Universidade de Harvard onde se graduou em química em 1922. Embora tenha se formado como o primeiro da classe, três anos depois, o amor pela física levou o jovem Oppenheimer a seguir um caminho científico diferente. Viajando para Cambridge, no Reino Unido, ele deu início ao seu trabalho de pós-graduação em física. Trabalhou no Laboratório Cavendish com o vencedor do Prêmio Nobel J.J. Thomson - o homem que detectou o elétron. O devastador poder do átomo exercia sobre o jovem cientista enorme fascínio - ele enxergava ali a possibilidade de enormes realizações com o controle de uma inesgotável fonte de energia, mas ele também via algo incrivelmente perigoso.   

Um ano depois, Oppenheimer estava na Alemanha estudando na Universidade de Göttingen, um dos principais centros mundiais de estudo científico. Ele havia sido convidado por Max Born, o diretor do Instituto de Física Teórica, e logo estava se misturando com futuros cientistas de renome mundial. Durante seu tempo na Alemanha, ele publicou muitos artigos que contribuíram para a recém-desenvolvida teoria quântica. Um trabalho notável foi a aproximação de Born-Oppenheimer para funções de onda moleculares, uma importante contribuição para a teoria molecular quântica que lhe concedeu fama no mundo científico.

Em 1927, Oppenheimer recebeu seu doutorado e assumiu cargos de professor na Universidade da Califórnia, em Berkeley, e no Instituto de Tecnologia da Califórnia. Ele passou os 13 anos seguintes viajando entre as duas escolas, conduzindo pesquisas importantes em vários campos científicos, incluindo física nuclear, teoria quântica de campos e astrofísica. Oppenheimer e outro de seus alunos, Hartland Snyder, produziram um artigo em 1939 que previu a existência de buracos negros. Embora tenha sido indicado ao Prêmio Nobel três vezes, ele nunca ganhou nenhum.

Seu despertar politico se deu na década de 1930 quando ainda estava estudando na Europa. Vivendo na Alemanha, ele percebeu as ambições de Hitler quanto a dominar o mundo e estabelecer uma nova ordem mundial. Os nazistas claramente apoiavam programas que visavam integrar ciência e tecnologia no esforço militar. Estava claro para ele que a Alemanha estava na dianteira para desenvolver a primeira arma nuclear do mundo. 


Quando a guerra estourou na Europa em setembro de 1939, os Estados Unidos assistiram ao desenrolar do conflito com receio. Oppenheimer defendia a entrada dos Estados Unidos na Guerra. Também afirmava que o país precisava estar preparado para disputar as guerras do futuro, que seriam decididas não por exércitos, tanques ou esquadras, mas por armas mais potentes que todas as outras reunidas. Ele produziu um memorando no qual reforçava a necessidade de iniciar um Programa de estudos nucleares - o germe do Projeto pelo qual ele ganharia fama.

Em 1940, Oppenheimer casou-se com Katherine 'Kitty' Puening, uma estudante radical de Berkeley e ex-membro do Partido Comunista. O casal teve seu primeiro filho, Peter, em 1941, e o segundo, Katherine, nasceu três anos depois.

No ano de 1942, o General Leslie Groves convidou Oppenheimer para uma reunião secreta. Os Estados Unidos haviam acabado de adentrar o conflito, mas havia o receio de que a Guerra se estendesse por muito tempo e que o resultado poderia pender para o outro lado. Mais do que isso, temiam que a Alemanha já estivesse próxima do sucesso com seu próprio Programa Nuclear. Os serviços de Inteligência ofereciam informes alarmantes à respeito de instalações em que a Energia Atômica era estudada na Alemanha, Suécia e Finlândia. Neste último, estações estavam bastante adiantadas na criação de água pesada, elemento necessário para a criação da bomba. Após essa primeira reunião, Groves se convenceu de que os Estados Unidos precisavam se mobilizar o quanto antes.     

Sua primeira ação foi tornar Oppenheimer o diretor científico de um programa ultrassecreto para desenvolvimento da bomba atômica - o Projeto Manhattan. Oppenheimer recebeu carta branca para selecionar sua equipe e criar uma sede em que o Projeto seria implementado. Decidiram por Los Alamos, no Novo México, uma área no meio do deserto, isolada e afastada de tudo e de todos. Seguindo as diretrizes de Oppenheimer o Exército começou a construir uma série de laboratórios, salas de testes e residências para hospedar uma pequena população formada por cientistas, militares e suas famílias.


As maiores mentes científicas da América e Europa no campo da física foram trazidas para Los Alamos e instruídas sobre o projeto. Eles seriam incumbidos de criar uma bomba como nenhuma outra que o mundo tinha visto. A equipe de Oppenheimer formada à princípio por uma centena de indivíduos cresceu à medida que o projeto se desenvolvia, incluindo alguns milhares. Todos, no entanto estavam sob sua direção em um esforço como nunca havia sido realizado até então. Os grupos de pesquisa foram divididos, com diferentes times devotados a particularidades do projeto. Aproximadamente dois bilhões de dólares foram investidos no projeto, uma verba tão vultuosa e secreta que nem mesmo os Congressistas sabiam de sua existência. Apenas alguns poucos políticos tinham real conhecimento do que se estava fazendo e qual o propósito das Instalações. Embora Oppenheimer tivesse pouca experiência no gerenciamento de projetos, quanto mais, dessa magnitude, ele aprendeu rapidamente como tirar de sua equipe o máximo de resultado.

Foram necessários três anos de intenso trabalho para que a equipe desenvolvesse o protótipo da bomba atômica, chamada de dispositivo. Os próprios cientistas tinham dúvidas sobre qual seria o resultado da detonação e temiam que ela pudesse trazer um desfecho inesperado. O teste "Trinity" foi realizado em 16 de julho de 1945 em Alamogordo, Novo México, onde um ansioso Oppenheimer assistiu de seu bunker de controle à primeira explosão nuclear do mundo.

Após o brilhante flash de luz que ofuscou o sol, a explosão equivalente a 21 mil toneladas de TNT fez erguer no solo do deserto uma enorme coluna de fogo que catapultou para a estratosfera detritos e poeira, formando aquilo que viria a ser conhecido como cogumelo nuclear. Os tremores da explosão foram sentidos a mais de 160 quilômetros. A arma se provou devastadora, liberando uma quantidade de energia até maior do que a esperada quando o átomo foi rompido. Observou-se que Oppenheimer soltou um grande suspiro de alívio; sua equipe havia conseguido. Eles haviam dado a luz a algo tão terrível quanto inacreditável. Suas primeiras palavras foram: "Acho que funcionou". Mais tarde, ele lembrou que o momento que definiu a história trouxe à mente palavras de um texto hindu sagrado:

“Sabíamos que o mundo não seria o mesmo. Algumas pessoas riram, algumas pessoas choraram. A maioria das pessoas ficou em silêncio. Lembrei-me da linha da escritura hindu, o Bhagavad Gita, 'Agora eu me tornei a Morte, o destruidor de mundos'. Suponho que todos pensávamos isso, de uma forma ou de outra".


Com o fim da Guerra na Europa, os americanos discutiam entre si como proceder agora que tinham em suas mãos a arma para acabar com todas as armas. Havia dúvidas quanto ao uso da bomba atômica em populações civis no Japão, mas ao mesmo tempo, sabia-se que apenas uma ação expressiva poderia resultar em total rendição. Além disso, havia o desejo de demonstrar o poder conquistado pelos Estados Unidos, sobretudo para a União Soviética. Possíveis alvos foram identificados: enquanto alguns desejavam um bombardeio em Tóquio, outros defendiam que a bomba fosse lançada em uma localização neutra, onde os efeitos seriam registrados mas com menos vítimas. No fim, os generais decidiram estabelecer como alvo uma cidade portuária que era importante centro industrial para o Japão - Hiroshima

Menos de um mês depois, os Estados Unidos lançavam a primeira bomba que causou uma devastação sem precedentes sobre a população civil. A cidade foi quase que inteiramente vaporizada. O Japão não se deu por vencido e não sinalizou com a esperada rendição, o que deu margem a uma segunda detonação, dessa vez, sobre Nagasaki. Finalmente, esse ataque fez com que o Imperador Hirohito capitulasse, encerrando de uma vez por todas a Segunda Guerra Mundial. 

Dizem que Oppenheimer ficou perturbado porque a bomba teve de ser usada duas vezes, acreditando que a segunda explosão era desnecessária. Poucos dias depois, ele foi recebido na Casa Branca pelo Presidente Harry Truman. Na ocasião o cientista expressou sua repulsa por Nagasaki, dizendo ao presidente que sentia que havia "sangue em suas mãos". O presidente teve pouca paciência para a postura de Oppenheimer e declarou a seus assessores após a reunião: "Nunca mais quero ver aquele filho da puta neste escritório".

Após a guerra, Oppenheimer tornou-se um nome familiar e apareceu nas capas das revistas Life e Time ganhando fama como um dos responsáveis diretos pelo fim do conflito. Em 1947, tornou-se presidente do Comitê Consultivo Geral da Comissão de Energia Atômica. Durante seu tempo lá, Oppenheimer se opôs ao desenvolvimento da Bomba de Hidrogênio, consideravelmente mais poderosa, uma posição que o colocou na linha de fogo daqueles que queriam assumir uma posição firme contra a crescente ameaça soviética.

Em um primeiro momento, Oppenheimer defendeu a criação da Bomba Atômica como uma necessidade, sobretudo por conta da disputa contra os nazistas e da guerra vigente. Era uma questão de "nós ou eles". Com o fim da Guerra, ele começou a se preocupar com a corrida armamentista, dessa vez contra os russos que também contemplavam o poder destrutivo das armas de destruição e desejavam obtê-lo para si. Oppenheimer profetizou que seria questão de tempo até que outras nações desenvolvessem a mesma tecnologia e que disso nasceria uma Guerra Fria. Ele também se amparava nas célebres palavras de Albert Einstein sobre o uso da bomba atômica em uma eventual Terceira Guerra Mundial: "Não sei qual será o resultado de uma guerra nuclear, mas sei que a seguinte, será travada com paus e pedras". 


Não demorou muito para que os soviéticos conseguissem desenvolver sua própria bomba atômica e todas as previsões de Oppenheimer se concretizassem. O mundo se viu refém de um delicado equilíbrio de poder estabelecido entre as superpotências. Uma crise ou um agravamento político poderia ocasionar o fim da humanidade. 

Denunciado como simpatizante do comunismo, Oppenheimer foi removido de seu cargo na AEC em 1954 e destituído de todas as autorizações de segurança, perdendo efetivamente sua influência política. A mudança chocou a comunidade científica e levou quase uma década até que as reparações fossem feitas. Em 1963, o presidente John F. Kennedy concedeu a Oppenheimer o Prêmio Enrico Fermi, embora o presidente Lyndon B. Johnson só o tenha formalizado após o assassinato de JFK. O prêmio não foi apenas um gesto de desculpas, mas também uma reabilitação política para o famoso cientista, contudo a real retratação veio bem mais tarde, em 2022 quando o governo o eximiu de todas acusações reputadas a ele.

Em seus últimos anos, Oppenheimer continuou a fazer lobby pelo controle internacional de armas nucleares e energia atômica. Sua meta era reduzir os arsenais de armas de destruição em massa, regulamentar seu uso através de leis internacionais e terminar com os testes. Em 18 de fevereiro de 1967, o "Destruidor de Mundos" morreu de câncer na garganta em Princeton, Nova Jersey, apenas um ano após se aposentar.

Da explosão da primeira bomba atômica no teste Trinity, passando pela detonação em Hiroshima e Nagasaki, estima-se que um total de 2053 explosões nucleares foram realizadas em nosso planeta. São sete os países que dispõem de arsenal nuclear hoje em dia, além de Estados Unidos e Rússia, a China, Grã-Bretanha, França, Índia e Paquistão possuem artefatos nucleares. A Bomba Atômica de Oppenheimer se mostraria um dispositivo "simples" quando comparada aos artefatos nucleares que surgiram depois - para se ter uma ideia, a bomba de Nagasaki atingiu 20 kilotons, um estalinho quando comparada a Tsar Bomba, que tinha potência de 50 Megatons.

"A genialidade humana brilha mais intensamente quando o assunto é a destruição de nossos semelhantes", diria um filósofo. De fato, é surpreendente que tenham se passado quase 80 anos desde que uma dessas armas foi detonada sobre uma população pela última vez. Gostaria de dizer que foi o bom senso que prevaleceu, mas é mais provável que tenhamos tido sorte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário