sexta-feira, 13 de março de 2020

A Lenda de Candyman - Um clássico do Terror está de volta


"Eu vim para você... sua dúvida me chamou, sua descrença me atraiu. Seja minha vítima e dê prosseguimento a lenda. Alimente o rumor".

Nos anos 1990 um filme de terror se tornou um inesperado sucesso de público e crítica.

Candyman

Eu assisti esse filme no cinema quando era adolescente, meio sem saber o que esperar dele e sem conhecer nada da história. Acho que presumi que seria um filme de terror "inofensivo", do tipo que costumava assistir com meus amigos depois da aula. Não tenho vergonha nenhuma de admitir que sai do cinema apavorado!

Candyman não era um filminho bobo, não era um mero passatempo e estava muito longe de ser um "inocente".

Baseado no conto "O Proibido" (The Forbidden), escrito pelo autor britânico Clive Barker (sobre quem já falamos bastante qui no Mundo Tentacular), Candyman pegava uma ideia extremamente original e a embalava na forma de uma Lenda Urbana tornando-se incrivelmente assustadora. 

Porém o princípio de um espírito podendo ser convocado através da repetição de seu nome diante de um espelho não é novidade. Que criança não se apavorou com a brincadeira da "Maria Sangrenta". No colégio onde estudei, teve uma febre desse mito, que se misturou com a lenda da "loira do banheiro", apavorando a molecada por um bom tempo. Após repetir o nome três vezes diante de um espelho, a conexão supostamente era estabelecida e um fantasma responderia, vindo sabe-se lá de onde para encontrar quem o chamou. Pode parecer bobagem, mas vai por mim, não eram muitas as crianças que tinham coragem de ir até o fim na brincadeira. 


Histórias desse tipo são fascinantes, pois embora mesmo as crianças imaginem que provavelmente tudo aquilo não passa de bobagem, sempre persiste uma pequena dúvida... e se não for? 

Vamos falar primeiro do conto "O Proibido" que tem uma premissa similar. Esta funciona excepcionalmente bem, encaixando-se na ideia de lenda urbana, um folclore moderno nascido nas metrópoles, que serve como fio condutor de toda a história. Ainda que curto (apenas 102 páginas), o conto de Barker consegue ser impactante, com uma crueza que não permite qualquer tipo de sutileza. Ele vai direto ao ponto e quando você percebe já está tendo arrepios involuntários.

Barker tem um estilo que causa esse efeito... suas palavras conseguem entrar por baixo da pele do leitor e ficam ali por um bom tempo, como uma urticária que quanto mais você coça, mais irá coçar. E mesmo sabendo disso, você quer mais é enfiar as unhas nela até sangrar. 

A trama é simples. Uma assombração habita uma vizinhança decadente de Londres e vive de devorar o medo de suas vítimas. Ela é atraída para punir todos aqueles que duvidam de sua existência. O fato do espectro vingativo trazer um gancho no lugar da mão deixa tudo ainda mais interessante.

Para quem não leu, eu recomendo muito essa história. Ela saiu como um dos contos que compunham a antologia Livros de Sangue, mas foi editada recentemente na forma de um livro fininho pela Darkside. É daquelas pequenas jóias de terror que precisam ser conhecidas pelos que se dizem fãs do gênero.


Já o filme, lançado em 1992, guarda com ele semelhanças, mas tem algumas diferenças marcantes. 

Na versão filmada, o decadente subúrbio londrino de Butt´s Court dá lugar ao claustrofóbico ambiente de Cabrini-Green, um dos muitos projetos habitacionais para pessoas pobres de Chicago. Em comum a aura dilapidada e miserável das duas comunidades. No filme, o Proibido ganha o apelido de Candyman (o Homem Doce). Alvo da ambição de uma graduanda chamada Helen Lyle (Virginia Madsen) que planeja escrever uma tese a respeito de lendas urbanas. Seguindo a trilha de rumores cochichados ela descobre que os habitantes de Cabrini-Green escondem um terrível segredo. Quanto mais fundo cava, mais bizarros se tornam os relatos e eventualmente ela acaba conjurando o fantasma (Tony Todd) em pessoa. Helen então se envolve em uma série de assassinatos e vai mergulhando em uma espiral de sangue e morte com direito a doses generosas de gore. 

Embora o nome do vilão esteja no título do filme, Virginia Madsen carrega a história de forma espetacular. É daquelas atuações que transmitem o pânico da personagem, com quem você acaba se identificando, para o espectador. Não demora e você acaba se perguntando: "O que eu faria se estivesse numa situação dessas"?

Quando assisti Candyman eu me encontrei mais de uma vez me remexendo na poltrona ou tapando os olhos para me proteger do sangue que perigava espirrar da tela. A atuação de Tony Todd era nada menos que aterrorizante. A voz grave, a maldade e a presença imponente se combinavam para criar um dos mais memoráveis monstros do terror moderno.

Quem não assistiu Candyman não sabe o que está perdendo. Corra para ver!


Curiosamente eu li "O Proibido" muitos anos depois de assistir Candyman e embora os dois tenham similaridades, reside nas diferenças o ponto mais interessante. Quem assistiu o filme "Hellraiser" e leu o livro que o inspirou "Hellbound Heart" (ambos de Clive Barker) entenderá a que me refiro. Todos os elementos da estrutura da história estão presentes, mas soam diferentes, ainda que um complemente o outro. No fim, para desfrutar por completo da experiência que é Candyman, o ideal seria ler o conto e depois assistir o filme deixando que as coisas se encaixem naturalmente.

Listei algumas diferenças entre o conto e o filme, esteja avisado de que se você não conhece nada a respeito delas, haverão muitos SPOILERS.

A primeira e mais marcante diferença, entre conto e filme, parece ser a mais óbvia. A assombração que aparece no conto "O Proibido" além de não ser chamada em momento algum de Candyman, tem uma aparência completamente diferente. O fantasma que assombra Londres é descrito como um sujeito branco, com cabelos loiros e uma pele incrivelmente pálida. Na versão americana ele é um homem negro beirando os dois metros de altura.

O filme teve a sacada de introduzir na trama um elemento adicional muito presente nos filmes de terror contemporâneos. O Horror motivado pelo racismo que é explorado nas obras de Jordan Peele ("Corra"). O Candyman do filme é um negro que viveu na época da escravidão e que graças a sua genialidade se tornou rico e bem sucedido, algo que a sociedade racista não podia suportar. Para piorar, ele acaba se envolvendo romanticamente com uma mulher branca, o que não seria de forma nenhuma tolerado. Candyman é severamente punido e da crueldade de seu martírio acaba emergindo o fantasma vingativo que assombra a vizinhança onde ocorreu seu linchamento.

Ao introduzir um elemento de racismo na origem do personagem, o filme concede ao personagem uma nova dimensão. Ele deixa de ser um simples fantasma malvado e se torna uma alma amargurada, disposta a se vingar e provocar nas suas vítimas o mesmo sofrimento que lhe provocaram. O Candyman inglês não tem sua história contada, não se sabe exatamente quem é ele ou porque ele acabou se transformando em um espírito vingativo.


Deixando essas mudanças de lado, as demais características do personagem, tais como a caixa torácica infestada por abelhas e o gancho no lugar da mão são mantidas. As roupas, no entanto, são bem diferentes. No conto, a criatura parece vestir remendos de trajes velhos, um paleto comprido e calças puídas. Já no filme, Candyman se veste com um belo terno de época e um tipo de sobretudo de pele. A imagem conjurada em ambos os casos é poderosa, um fantasma realmente assustador.

Outra diferença nas versões reside nas vítimas do fantasma. No livro, temos uma criança chamada Kerry, enquanto no filme há um bebê chamado Anthony e um menino chamado Jake. No livro, a vítima não escapa com vida, sendo o desfecho mais cruel e soturno. O corpo da criança é empilhado na fogueira acesa no final, no filme Anthony escapa com vida depois de ser sequestrado e colocado entre o material que será incendiado.

Parece bem claro que muitas das mudanças feitas no roteiro foram para melhor. 

Não tenho dúvidas de que se "O Proibido" fosse filmado da maneira que foi escrito, ele perderia muito do impacto que ganhou com a inserção dos elementos raciais que integram o roteiro do filme. Candyman parece ser um material mais bem pensado e com detalhes que o tornaram mais profundo em suas implicações. Ainda assim, o conto é excelente e vale a pena conferir.

Mas porque diabos estamos falando de Candyman?


Bem, por um simples motivo!

Como vem se tornando recorrente, as produtoras de Hollywood parecem interessadas em reciclar ideias que deram certo. Com isso, filmes clássicos vem sendo adaptados e refilmados para serem apresentados a um novo público. Não vou entrar no mérito se isso se deve a uma falta crônica de ideias ou se é apenas preguiça dos roteiristas, mas é fato que o resultado desses remakes, na maioria das vezes, deixaram muito a desejar. Clássicos como A Hora do Pesadelo, A Hora do Espanto, Evil Dead, Poltergeist entre outros não funcionaram em suas novas versões...

Se esse novo Candyman vai ou não funcionar, é cedo para dizer, mas há pelo menos alguns sinais de que possa haver uma luz no fim do túnel e que essa produção conseguirá ser diferente dos citados acima.

Para começar, o novo Candyman não é um reboot como imaginado e sim uma sequência direta do filme de 1992. A história parece seguir os acontecimentos do filme original com a transformação de Cabrini-Green em uma vizinhança requintada que pretende enterrar seu sangrento passado como se fosse uma fábula que jamais aconteceu.

O astro do filme é Yahya Abdul-Mateen II (o Manta Negra em Aquaman) que vive o personagem Anthony, ninguém menos que o bebê que foi sequestrado no filme original. A atriz Vanessa Williams, na época uma iniciante volta ao papel da mãe de Anthony, Anne-Marie. Ainda que Virginia Madsen não esteja ligada ao filme, sua personagem Helen Lyle está (vivida por Cassie Kramer) e aparentemente tem uma participação importante na trama. Isso levanta uma série de questões já que Helen teoricamente teria morrido ao salvar Anthony e se transformado também em um fantasma vingativo.


A forma como o novo Candyman vem sendo apresentado também nos faz imaginar que o personagem receberá uma nova roupagem. Sua imagem parece surgir apenas em sombras e no reflexo de espelhos, o que é bem interessante. Embora Tony Todd esteja presente no filme, sua participação parece ser apenas uma homenagem. Ele não retorna no papel de Candyman, ainda que tenha sido convidado, preferiu "passar o manto" (ou seria gancho) adiante.

Outro elemento interessante é que Jordan Peele está associado ao filme como Produtor. Ele ressaltou repetidas vezes em entrevistas que seu interesse principal é manter os elementos de tensão racial e social que estavam presentes no filme original. É natural imaginar a presença de Peele nesse filme e ele foi claro ao afirmar que embora não esteja dirigindo, sua opinião foi levada em consideração durante as filmagens. Nia daCosta foi a diretora escolhida para a tarefa, ela tem em seu currículo o elogiado drama Little Woods, Candyman será sua primeira produção de peso e a expectativa é grande.

Vamos ficar atentos a esse filme e esperar que ele consiga quebrar essa "tradição" de filmes ruins baseados em clássicos.

Candyman tem estreia prevista para Junho de 2020

Abaixo o Trailer da versão original e da nova.

Candyman - Trailer 1992 (em versão extraída de VHS)


Candyman - Trailer 2020

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