sábado, 13 de março de 2021

Sem descanso - A estranha jornada da cabeça de Oliver Cromwell


Sem dúvida entre as mais controversas figuras da história britânica existe um lugar de destaque reservado ao impiedoso General e Chefe de Estado, Oliver Cromwell. Ele ficou conhecido por liderar o Exército do Parlamento na Guerra Civil Inglesa, alimentada pelos seus desentendimentos com o Rei Charles I a respeito de reformas que visavam diminuir o poder real. Cromwell era um ferronho anti-monarquista, desejava manter os poderes reais em xeque e em mais de um momento tentou abolir a realeza de uma vez por todas. Ele coordenou os esforços da Revolução, foi um comandante obstinado e chegou a liderar as tropas pessoalmente em sangrentas batalhas contra as forças legalistas.

Quando seu lado emergiu vitorioso da Revolução, seu papel foi fundamental no julgamento real. Em 1649, ele conseguiu algo algo até então jamais ocorrido na Europa, executou um Rei. Em 1653 Cromwell se sagrou Lorde Protetor da Inglaterra, Irlanda e Escócia, negando se tornar, ele próprio, aquilo que tanto detestava: Monarca. Por pouco a coroa não foi parar em sua cabeça, mas ele se manteve fiel aos seus princípios. Sua inevitável morte e a jornada posterior de seus restos mortais (principalmente sua cabeça) se mostrariam um acontecimento tão estranho e cheio de reviravoltas quanto foi sua turbulenta vida    

O triunfo de Oliver Cromwell se encerraria com sua morte no ano de 1658. Ele recebeu um luxuoso funeral, seu corpo foi cuidadosamente embalsamado e então colocado numa câmara de honra na Abadia de Westminster onde ironicamente muitos reis e rainhas foram sepultados ao longo dos séculos. Para os aliados do Lorde Protetor, seu corpo seria pranteado pelos seus seguidores, admirado pelos seus feitos e enaltecido pelas vitórias. Mas não foi o que aconteceu.

Em 1660, os Legalistas que haviam se exilado no exterior retornaram para a Inglaterra e reconquistaram o poder. Carlos II se tornou o novo Rei e não esqueceu a ousadia dos revolucionários; ele desejava vingança a qualquer custo. Aqueles que participaram do julgamento e da execução real foram caçados sem piedade. Os capturados foram arrastados para masmorras e torturados com requintes de crueldade para entregar outros. O rancor do sucessor era tamanho que em alguns casos, parentes, amigos e até empregados dos conspiradores também acabaram presos e executados. A sede de sangue era tanta que mesmo crianças sofreram perseguições, sendo mandadas para o exílio ou em alguns casos jogadas de embarcações para morrerem afogadas. Seu único crime era descender de algum conspirador.


Carlos II, no entanto não se conformava em não poder se vingar do causador de tudo aquilo. Cromwell estava morto e não havia nada que ele pudesse fazer para extrair dele sua vingança. Ou será que havia?

O Rei ordenou que o cadáver de seu desafeto fosse removido de onde havia sido depositado com todas honras. A ordem era remover o corpo e dar a ele o tratamento que um condenado teria. Primeiro o cadáver foi retirado do caixão e atirado no chão. Ele foi amarrado em uma corda e arrastado sendo ofendido, cuspido e vilipendiado pelos cidadãos compelidos a agir dessa maneira por um decreto real. Aquele que se negasse a participar dessa humilhação poderia ser considerado um traidor. Ao chegar a uma praça onde execuções ocorriam, o corpo foi surrado e então enforcado. Ele permaneceu pendurado da manhã até a madrugada, quando foi descido, colocado num patíbulo e decapitado. Mas nem isso foi o bastante! 

Enquanto o corpo era desmembrado e preparado para ser mandado para várias cidades inglesas, a cabeça de Cromwell foi estacada em um poste de carvalho com 12 metros de altura erigido diante de Westminster Hall. Lá serviria como uma macabra lembrança para todos que desafiassem a Monarquia. 

A cabeça permaneceu no mesmo lugar por incríveis 20 anos, uma lembrança mórbida a que muitos reputavam histórias assombrosas. O fantasma decapitado de Cromwell era visto frequentemente, vagando pelos arredores, seus passos ecoando pelos corredores desertos e pelas ruelas adjacentes. Uma lenda muito difundida afirmava que o grande poste atraía raios e que em pelo menos uma ocasião Westminster Hall se incendiou na véspera do aniversário da morte de Cromwell. Havia o perturbador rumor de que se uma pessoa encarasse o crânio em uma noite de lua cheia, estaria fadado a ter uma morte medonha em menos de um mês. Boatos sobre pessoas que haviam sido vítimas dessa maldição se multiplicavam e muitos estavam dispostos a evitar as órbitas vazias da caveira nessas noites enluaradas.   


Mas a verdadeira jornada da cabeça começaria oficialmente em 1685, quando uma violenta tempestade atingiu Londres e derrubou o poste de carvalho fazendo o crânio se soltar do prego e rolar até os pés de um guarda. Esse sentinela, cuja identidade permaneceu desconhecida, decidiu apanhar o objeto macabro e escondê-lo num vão dentro da chaminé de sua casa. Enquanto isso, uma busca pelo crânio era conduzida com uma recompensa sendo oferecida para quem recuperasse o artefato. O guarda, temia ser punido por ter pego o crânio e por isso resolveu guardar segredo. 

Quando estava perto da morte, ele confidenciou a sua filha e genro a responsabilidade pelo sumiço do crânio e o paradeiro deste que ainda se encontrava na lareira. O crânio foi então recuperado e vendido para um colecionador particular. Ele então desapareceu até meados de 1710 quando ressurgiu na coleção de um homem chamado Claudius Du Puy, que possuía em um Gabinete de Curiosidades composto por vários itens mórbidos. O crânio era um de seus objetos mais importantes, o último resquício de Oliver Cromwell. 

Du Puy afirmava que o crânio tinha estranhas propriedades e que uma pessoa podia se comunicar com o espírito de Cromwell que se encontrava preso na peça. Ele havia sido peça central em sessões de contato com os mortos e dizem, até em missas negras. O colecionador faleceu em 1738 e o crânio desapareceu novamente após um assalto a propriedade de Du Puy que estava fechada após a sua morte. 

A Cabeça de Cromwell ficaria desaparecida da história e permaneceria esquecida por muitas décadas. Ninguém sabia onde ela havia ido parar e ninguém realmente parecia se importar, mas em 1780 ela surgiu uma vez mais na coleção particular de Samuel Russel, um ator itinerante que exibia o macabro objeto para quem quisesse pagar algumas moedas para vê-lo. Russel dizia que havia adquirido o crânio de uma pessoa que lhe devia dinheiro e que esta havia contado a ele como ela havia sido roubada da casa de Du Puy. Ele a aceitou como pagamento de uma dívida.  

Enquanto a maioria das pessoas via o crânio como uma mórbida curiosidade, um ourives chamado James Cox viu na peça uma oportunidade de enriquecer. Ele comprou de Russel a peça por cerca de 100 libras (aproximadamente 5600 libras em valores atuais) e tratou de espalhar o rumor de que ela tinha poderes sobrenaturais. Diziam que o objeto revelava visões do passado e do futuro, que falava na mente de seu dono e que conhecia muitos segredos dos bastidores do poder. Um dos rumores mais interessantes envolvia a localização de um grande tesouro que supostamente havia sido coletado por Cromwell em seus dias como Lorde Protetor. Ninguém jamais havia encontrado esse tesouro e acreditava-se que, com a devida persuasão, o crânio poderia ser convencido a revelar seu paradeiro. 


Cox negociou o crânio com dois irmãos conhecidos como Hughes que acreditavam no ocultismo e que imaginavam, seriam capazes de convencer o espírito de Cromwell a revelar a localização de seu tesouro perdido. Os Hughes teriam contratado mediums e espiritualistas para estabelecer comunicação com o espírito, patrocinaram rituais e até se valeram da ajuda de bruxos, mas até onde se sabe, seus planos não foram bem sucedidos. Seja porque o Lorde Protetor se negou a colaborar, ou mais provável, que a história fosse balela, eles morreram na miséria. No final de suas vidas, os irmãos tentaram promover uma exibição do crânio e de outras peças que pertenceram a Cromwell, mas eles não recuperaram seu investimento original.

Os Hughes morreram em datas próximas em meados de 1810 e a cabeça desapareceu num limbo de mistérios uma vez mais.     

Supostamente a filha de um dos irmãos Hughes conseguiu vender a cabeça e essa foi parar então nas mãos de Josiah Henry Wilkinson em 1815. Ele ao menos tratou o objeto com um pouco mais de respeito. Ao invés de exibi-la simplesmente a deixou guardada em uma caixa de madeira com palha e serragem. O estranho objeto passou de geração para geração da família, tratado como uma herança peculiar. 

Enquanto isso,, outras cabeças apareceram, com seus donos afirmando se tratarem da verdadeira cabeça de Oliver Cromwell. Disputas e acusações a respeito de farsantes se aproveitando da história se tornaram algo corriqueiro. Em dado momento, haviam mais de cinco cabeças supostamente pertencentes ao Lorde Protetor espalhadas pela Inglaterra. Finalmente em 1911, uma rigorosa análise feita por cientistas do Instituto Real de Arqueologia examinou as cabeças. A conclusão foi que o item genuíno em poder da Família Wilkinson era o autêntico. O mesmo estudo foi realizado uma segunda vez em 1934, confirmando o laudo original. 


Apenas no ano de 1960 é que a longa odisseia da cabeça de Oliver Cromwell se encerraria de uma vez por todas. Um dos descendentes de Wilkinson, o Dr. Horace Norman Stanley Wilkinson, decidiu dar um descanso decente à cabeça. Em 25 de março de 1960, a cabeça foi colocada em uma caixa de metal e enterrada em local secreto no campus do Sidney Sussex College, em um local conhecido apenas por alguns poucos indivíduos afim de evitar a ação de ladrões de sepulturas. 

E assim, depois de séculos, a cabeça do Lorde Protetor enfim pode descansar.

3 comentários:

  1. Sensacional! Essa história é de arrepiar, eu tava aqui estudando a revolução inglesa e cheguei aqui. Estou 3x mais interessado agora kkkkkk

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    1. Eu também preparando aula, gosto muito de expor curiosidades, mas acho que essa não irei usar kkk

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