quinta-feira, 18 de março de 2021

Oito Lendas Urbanas para tirar seu sono


Relatos adaptados por L.P. Giehl 

Nós todos já ouvimos histórias estranhas sobre o lugar onde vivemos. 

Essas histórias são contadas por pessoas mais velhas, compartilhadas na forma de rumores, circulam como boatos espalhados por aqueles que afirmam ter ouvido de mais alguém que por sua vez garante ser tudo verdade. Essas histórias não tem fundamento, não se sustentam a uma análise mais cuidadosa ou simplesmente parecem absurdas demais para se levar à sério. Ainda assim, tais histórias sobrevivem ao tempo, passadas de geração em geração, espelhando nossos medos primitivos, nossas suspeitas a respeito do desconhecido e nossos terrores mais profundos.

São as Lendas Urbanas que brotam espontaneamente e moldam o inconsciente coletivo dos que vivem nas cidades modernas.

Aqui estão oito relatos colhidos em diferentes lugares que mencionam coisas inexplicáveis acontecendo bem perto de onde escolhemos viver.     

1. O Playground do Menino Morto


Na época que eu vivia em Huntsville a casa dos meus pais ficava a uns 150 metros do "Playground do Menino Morto". Durante o dia era apenas um lugar com brinquedos de criança onde os pais deixavam seus filhos enquanto se ocupavam de alguma outra atividade. Mas as crianças tinham muito medo daquele lugar.
 
Entre elas corria um rumor mantido em segredo dos adultos. Diziam que uma criança havia morrido em um acidente nos balanços do playground. O assento de ferro do balanço havia atingido a testa do menino com violência e ele havia morrido na hora. Afundamento do crânio. As crianças não sabiam quem era o menino ou quando a tragédia havia acontecido, mas todos sabiam que era verdade. Ninguém duvidava! 

Falavam que o fantasma do menino ficava ali à noite. Eu sempre tive muito medo do playground quando era criança, sobretudo depois que escurecia. Meu terror era ainda maior porque eu podia ver da janela do meu quarto o playground depois que as sombras desciam sobre ele. Eu tomava cuidado para nunca olhar pela janela depois do anoitecer, principalmente quando o som de um balanço indo e vindo se fazia ouvir. Mais ainda quando um único balanço se movia enquanto os outros permaneciam parados na noite sem vento.
 
Era assim que eu sabia que o menino morto estava brincando no playground.

2. Velha Igreja 


Eu moro a pouco mais de 10 quilômetros de Stull, Kansas. Lá existe uma igreja muito antiga que está lá desde antes da cidade existir. Ninguém sabe exatamente quando a igreja foi construída e nem quem a ergueu. Ela não passa de uma ruína, e ninguém vivo lembra te ter visto o lugar de outra forma além daquele prédio decrépito em escombros. 
 
A maioria das pessoas ignora a Velha Igreja, como ela é geralmente conhecida pelos moradores. As portas e janelas ficavam lacradas com tábuas pregadas. Mas de vez em quando uma dessas tábuas se desprende e acabava atraindo algum vagabundo ou drogado. Também havia crianças que entravam no lugar como resposta a um desafio de coragem. Crianças fazem esse tipo de coisa às vezes!
 
Para todos os efeitos a Igreja está vazia, embora nem todos estejam inclinados a concordar inteiramente com essa afirmação. Dizem que o lugar é assombrado e que nos fundos existe uma escada que conduz para um porão escuro, úmido e cheio de bolor. O lance de escadas tem apenas seis degraus, mas quem foi até a Velha Igreja de Stull, depois do anoitecer, conta uma história diferente. Dizem que meia noite, a escadaria se torna mais longa e que ela não conduz para um porão, e sim para um lugar muito mais sinistro e perigoso. 

Os boatos dão conta que a escada desce até o Inferno e que quem vai até o último degrau consegue ouvir os sons das máquinas diabólicas trabalhando sem parar, torturando as almas dos condenados. É possível sentir um fedor de podridão misturado com fumaça e a impressão é que o lugar é muito mais quente que no alto.
 
Os moradores de Stull dizem que mais de um vagabundo se perdeu ali embaixo. Eu já ouvi histórias de crianças que entraram ali e nunca retornaram, que desceram as escadarias e nunca subiram de volta. Verdade ou mentira, Lenda Urbana ou invenção, eu não desceria essas escadas por nada nesse mundo.
 
Não me considero uma pessoa supersticiosa, mas alguns anos atrás, a Diocese mandou três padres visitarem o local para considerar uma reforma da igreja. Mas algo esquisito aconteceu! Os religiosos, depois de entrarem no prédio e explorar seu interior julgaram que a Igreja não deveria ser reaberta. O que realmente chamou a atenção é que na semana seguinte mandaram lacrar as portas e as janelas com tábuas novas e reforçadas. Até aí tudo bem, mas o esquisito é que nessas tábuas estavam entalhados algumas coisas esquisitas: cruzes e símbolos religiosos. 
 
Eu confesso que não acreditei quando ouvi essa história pela primeira vez, mas certo dia, reuni coragem e fui até lá dar uma olhada. E com meus próprios olhos vi que cada tábua possui aqueles mesmos símbolos que na minha opinião estão lá não para impedir que alguém entre, mas para evitar que alguma coisa saia.

3. A Ponte sobre o Rio Overtoun


Existe uma ponte sobre o pequeno rio chamado Overtoun que limita o distrito de mesmo nome em Aberdeen. Diz a lenda que se alguém deseja cruzar essa ponte após o anoitecer, deve pedir permissão a um troll que vive em baixo dela. A lenda é antiga e bastante difundida entre os habitantes locais, remontando à Idade Média. Para ter a permissão do troll basta parar no começo da ponte e perguntar em voz alta: "Posso atravessar, por favor?"

Se ninguém responder, considera-se que o Troll lhe deu permissão e não lhe fará mal algum. Acontece que nem todas pessoas respeitam esse costume secular.

Coincidência ou não, a ponte é um lugar infame pelo grande número de pessoas que despencam lá do alto, direto nas águas geladas do Overtoun. As autoridades dizem que são suicídios e que não há qualquer relação com a lenda. Mas ainda assim, a maioria das pessoas prefere pedir permissão antes de cruzar a ponte. 

4. A Mulher da Poinciana


Eu e meus colegas estávamos servindo em uma Base americana nas Filipinas e já havíamos ouvido a história várias vezes. Era uma história de fantasmas que mencionava a Mulher da Poinciana, uma árvore bastante comum no país. Segundo a lenda, durante a ocupação japonesa na Segunda Guerra, uma mulher local havia sido estuprada por soldados japoneses. Quando ela descobriu que estava grávida, em desespero se enforcou numa frondosa Poinciana.

Segundo as histórias, o fantasma dela vaga sem destino próximo de bases militares e quartéis. Dizem que era uma mulher jovem, de grande beleza e delicadeza que atraia os soldados com seus encantos. No entanto, aquele que se aproximava vê sua verdadeira aparência: um espectro pálido de olhar enlouquecido, com a boca escancarada de onde pendia a língua e o pescoço partido num ângulo absurdo. A visão, segundo os rumores, havia enlouquecido um bom número de homens. 

É claro, ninguém levava essas histórias à sério, menos ainda, um colega nosso, o Cabo Will Myers.

Myers era uma espécie de conquistador e adorava se gabar de suas façanhas românticas. Quando recebia licença sempre saía em busca de companhia feminina. Uma noite, vimos Myers com uma moça de quem parecia bastante intimo. Na manhã seguinte o soldado Myers não se apresentou no quartel. A Polícia do Exército emitiu um mandato de prisão e começou a procurar por seu paradeiro. Todos ficaram preocupados, Myers estava a pouco mais de 4 semanas de ser transferido e parecia feliz. Não fazia sentido ele abandonar o posto. Todos temiam que algo ruim tivesse acontecido.

No final da tarde uma notícia deixou a todos chocados. O Cabo havia sido encontrado vagando sem destino em uma praia afastada. Um grupo de pescadores informou onde ele estava e os policiais militares foram prendê-lo. O homem estava fora fora de si. Gritava, cuspia e socava quem dele se aproximava de modo que quatro homens tiveram de imobilizá-lo. Dizem que ele foi colocado em uma instituição mental - que é um jeito polido de dizer "manicômio militar".

Ninguém, sabe o que aconteceu com ele ou o que o deixou daquela forma. Mas dizem que nos bolsos de seu uniforme rasgado foram encontradas folhas de uma árvore local.

Nossos superiores disseram que ninguém deveria comentar o caso. Quando dei baixa no serviço, tentei visitar Will Myers na instituição para onde ele havia sido transferido em Manila. Lá contaram que poucos dias depois de ter chegado, o Cabo havia morrido pelas suas próprias mãos: enforcado no galho de uma árvore no pátio interno da instituição. Eu estive lá e ainda me causa arrepios que a tal árvore, na qual seu corpo pendeu sem vida, fosse uma frondosa Poinciana.  

5. O Incêndio no Matadouro


Eu costumava viver perto de Statesboro Georgia e embora minha cidade natal não tivesse muitas lendas urbanas arrepiantes, havia uma história famosa a respeito de um matadouro abandonado numa rua que por sinal era conhecida como Rua do Matadouro. Ele havia sido construído nos anos 1920 e funcionou até meados dos anos 1940.

A lenda dizia que o dono do matadouro, o Sr. Sam Peckar encontrou sua esposa nos braços de seu melhor amigo. Os dois estavam enganando o velho Sam fazia tempo e pretendiam roubar o seu negócio. Furioso com a traição, o dono do matadouro atraiu o casal até o prédio e lá os matou. Para se livrar dos corpos, ele primeiro os esquartejou com um machado e depois os jogou num grande moedor industrial. As más línguas dizem que ele forjou uma viagem da esposa para disfarçar seu desaparecimento. A parte mais fantástica diz respeito a um grande churrasco dos funcionários que foi realizado poucos dias depois do crime. Uma vez que o sr. Peckar nunca havia feito uma festa daquela natureza, com comida livre, muitos suspeitavam da procedência dos hambúrgueres servidos na festividade.

Alguns meses depois, a polícia começou a suspeitar do sumiço da mulher e seu amante. O sujeito aparentemente havia deixado uma carta para ser aberta caso algo acontecesse com ele. A polícia começou a fechar o cerco ao sr. Peckar e quando este teve certeza de que seria apanhado decidiu destruir o matadouro. No porão do matadouro havia produto inflamável que foi usado para causar um enorme incêndio. Vários empregados morreram na ocasião, um incêndio que clamou também a vida do Sr. Peckar.

Depois disso, a polícia começou a ligar os fatos e muitas pessoas que participaram da festa da empresa sentiram um horrível mal estar.

O prédio ainda existe no mesmo lugar: abandonado, sem energia, telefone ou acesso. É uma ruína escurecida e tristonha que as pessoas preferem ignorar. No entanto, dizem que ocasionalmente dele emana um estranho cheiro de churrasco.   

6 - A Noiva


Eu moro em Worthington, Ohio e em nossa cidade casamentos não acontecem no dia 12 de maio.

Nós temos uma Lenda Urbana, conhecida desde o final do século XIX. Supostamente ocorreu um importante casamento que congregou pessoas importantes na cidade e dos arredores. Eram famílias ilustres e ricas que usaram a praça central para a recepção. Por uma série de infelizes eventos, um cavalo que seria o presente do pai do noivo para o casal se soltou e avançou na direção dos nubentes. Houve grande alvoroço, pessoas foram pisoteadas e quando a poeira assentou descobriu-se que a noiva havia sido esmagada pelos cascos do garanhão, morrendo imediatamente.

A cidade em choque lamentou a morte da jovem, mas a vida continua. Anos mais tarde um outro casal realizaria seu casamento na mesma igreja, na mesma praça e no mesmo dia 12 de maio. No fim do casamento, e diante da família e convidados ocorreu uma nova e inexplicável tragédia. Os cavalos que puxavam a carruagem que levava os noivos dispararam, fazendo com que ela tombasse. A noiva morreu uma vez mais. 

Dias depois dessa tragédia, uma prima da falecida noiva mostrou uma carta que havia recebido pouco antes do casamento. Nela a noiva mencionava que vinha tendo pesadelos recorrentes em que via uma mulher vestida de noiva montada em um grande garanhão com as patas sujas de sangue. Esta a advertia a não casar em 12 de maio. Ela decidiu desconsiderar o aviso.

Desde então, nenhum casamento em Worthington acontece nessa data.

7 - O Assoviador


Na Venezuela existe uma Lenda Urbana envolvendo um espectro conhecido como o "El Silbón", que significa "O Assoviador". 

Esse fantasma maligno é típico das planícies e pradarias na região de Llanos. Diz a lenda que em vida  ele foi um vaqueiro, como os que conduzem o gado do interior para as grandes cidades, indivíduos conhecidos como llaneros. Uma das características desses vaqueiros é que eles usam assovios para comandar os animais e fazer com que eles os sigam.

Certa vez um rebanho foi atacado por bandidos e estes capturaram os llaneros. Levaram os prisioneiros até um lugar deserto onde os mataram, seus corpos então foram descartados em um poço seco. Um desses vaqueiros assassinados, um homem famoso pela sua obstinação não aceitou o próprio destino. O desejo de vingança reanimou seu corpo que apodrecia no fundo do poço e ele se ergueu com sede de sangue.

Dizem que esse espectro parece um esqueleto vestindo os farrapos do traje típico de um llanero - colete, calças de couro e chapéu de aba larga que esconde sua face cadavérica. Em uma mão ele leva um chicote, na outra, um ferro de marcar gado. O fantasma persegue pessoas sozinhas na região de Llanos, confundindo estes pobres coitados que cruzam seu caminho com os bandoleiros responsáveis pela sua morte.

O apelido "Assoviador" pelo qual o espectro vingativo é conhecido se deve ao fato dele assoviar como se estivesse comandando o gado. Segundo rumores, aqueles que ouvem o longo silvo emitido por ele não conseguem se mover e ficam paralisados de medo. A criatura então se aproxima e usa o ferro em brasa para marcar a vítima antes de matá-la com vigorosas chicotadas que deixam as costelas expostas. 

Na região de Llanos as pessoas evitam assoviar, sobretudo à noite. Aqueles que ouvem um assovio típico dos condutores de gado sabem que é melhor correr, pois podem estar sendo perseguidos pelo Assoviador.

8. A Pavorosa


No folclore britânico existe um tipo de bicho papão muito antigo que os pais sempre usaram como incentivo para os filhos se comportarem. Seu nome é Black Annis, mas também a chamam de Black Agnes, ou simplesmente de Pavorosa. 
 
Ela é imaginada como uma mulher muito velha, enrugada e feia. Com longos cabelos brancos feito giz escorrendo do topo do escalpo seboso. Seu nariz nodoso é comprido, seus olhos sempre cobertos de remela e a boca repleta de fileiras de dentes afiados como os de um tubarão. A Pavorosa tem a pele azulada coberta de feridas causadas pelos arranhões que ela mesma produz, visto que suas unhas são feitas de metal. É claro, esse bicho papão adora comer crianças. Quando ela escolhe uma criança, ela vai até ela.
 
Eu cresci em Leicestershire ouvindo histórias sobre a Pavorosa. Mas diferente da maioria das crianças, eu sabia exatamente onde ela vivia e tinha um medo mortal de passar na frente de sua residência. Eu não lembro de alguma outra criança dizer que era aquele o covil da Pavorosa ou como vim a saber disso, mas não tinha dúvidas: aquele endereço tenebroso era onde ela vivia. 
 
O casebre caindo aos pedaços ficava nos limites da cidade, um lugar tristonho, envolto numa aura tão pesada que eu sequer conseguia respirar ao olhar na sua direção. Para minha infelicidade, eu passava diante daquele lugar quando ia para o colégio no ônibus da escola. Eu torcia para que o ônibus não parasse no sinal que ficava bem diante da casa. Quando isso acontecia, eu olhava para o outro lado. 
 
No dia em que tudo aconteceu, o ônibus parou bem diante da Casa da Pavorosa. Eu tinha um colega chamado Robbie que sempre sentava ao meu lado. Como sempre, ele conversava animadamente, brincava e ria, mas de repente Robbie parou de falar. Eu olhei para ele e percebi que algo estava errado: ele estava paralisado, seus olhos vidrados voltados na direção da casa. Sua boca ficou meio aberta num esgar e sua expressão era confusa, típica de quem via algo que não deveria estar ali. Algo dentro de mim não permitia que eu me voltasse, pois eu sabia que, se o fizesse, veria algo... pavoroso. 

Levou longos segundos até o veículo se mover. Nesse meio tempo, uma lágrima rolou pela bochecha de Robbie e uma mancha escura de urina se formou no calção do seu uniforme. Quando chegamos ao colégio Robbie foi levado aos gritos para a enfermaria e dali para casa. Eu nunca esqueci aquilo. 

O fato é que Robbie nunca mais voltou ao colégio. Nós não soubemos detalhes do que aconteceu. Os pais por vezes escondem de seus filhos aquilo que eles próprios são incapazes de entender. Eles sabem que mesmo com toda sua dedicação e cuidado, as crianças podem ser expostas ao horrores do mundo. Lembro que as aulas foram suspensas por alguns dias e que os pais foram chamados para reuniões no colégio. Também lembro que, depois disso, minha mãe passou a me levar para o colégio pessoalmente. Fazia eu descer do carro bem perto do portão de entrada e não ia embora até ter certeza que eu havia entrado. Normas de segurança se tornaram corriqueiras em nossa vizinhança.

Tempos depois eu soube, através de crianças mais velhas, o que havia acontecido com Robbie. Ele não saia mais de casa. Quando tentavam força-lo a sair, ele gritava em desespero e dizia que alguma coisa viria pegá-lo. Devem ter pensado que ele havia enlouquecido, mas então, Robbie realmente desapareceu sem deixar rastro. Sumiu do próprio quarto na calada da noite. As crianças se dividiam a respeito de quem poderia ter levado Robbie, há afinal inúmeros monstros que povoam a imaginação infantil. Os pais preferem crer em um sequestrador, um louco, um maníaco... algo de carne e osso. 

Quanto a mim? Bem, eu sabia muito bem o que havia levado Robbie. Eu sabia que ele havia visto algo naquele dia. E algo o havia visto também.

Dizem que quando a Pavorosa escolhe uma criança vai até ela.

E eu sei que ela veio para o Robbie.

*     *     *

Bons sonhos...


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