quarta-feira, 24 de março de 2021

RPG do Mês: Guia do Investigador de Chamado de Cthulhu


Esses dias eu estava revisando algumas resenhas antigas e percebi uma falha imperdoavel. Desde o lançamento da sétima edição de Chamado de Cthulhu (daqui em diante CdC 7), eu havia deixado a resenha de um dos livros principais de fora, justamente o Guia do Investigador, espécie de irmão do Livro do Guardião.

Bem, por ocasião da pré-venda da versão em português do Guia do Jogador, anunciado pela Editora New Order esse é o momento ideal para reparar essa falta e colocar no ar a Resenha sobre esse livro. 

Então, sem perder tempo, vamos direto ao que interessa.

O mais importante que se precisa saber a respeito do Guia do Investigador de Chamado de Cthulhu é que ele não é um Livro de Regras. Esse papel pertence ao já citado Livro do Guardião, um tremendo tomo onde estão contidos todos os detalhes sobre regras e as diretrizes de jogo. Como o título sugere, o Guia do Investigador é voltado inteiramente aos jogadores. Para os que não são totalmente familiarizados com CdC (e a terminologia dos jogos com temática Lovecraftiana) um Investigador é o protagonista dessas histórias de Horror Cósmico. Estes personagens são um bocado diferentes dos heróis de RPG com que estamos habituados. Para começar eles não são exatamente heróis, no sentido da palavra. Estão mais para indivíduos curiosos e inquisitivos que buscam um conhecimento proibido, sedutor e perigoso - o Mythos de Cthulhu. Vagando por bibliotecas, ruínas e sítios arqueológicos, visitando países exóticos e fazendo contato com povos esquecidos, estes indivíduos acabam descobrindo a existência de um mundo secreto. E essa revelação vem acompanhada de perigos na forma de cultos, feiticeiros e monstruosidades. A carreira dos investigadores por vezes é curta, abreviada por circunstâncias aterrorizantes: pelo terror, pela loucura e pelas implacáveis criaturas e entidades que compõem essa mitologia em particular.



O Guia do Investigador concede uma fartura de detalhes e opções aos jogadores para melhor compreender quem serão os personagens que eles irão interpretar. Como surge um investigador? Como eles lidam com suas pesquisas? Como podem ter uma chance de sobreviver às terríveis experiências? Mais do que um livro de referência incrivelmente rico e maravilhosamente detalhado, o Guia permite aprofundar a interpretação, dá conselhos muito bem vindos e lança bases para compreender a ambientação na qual os personagens estão inseridos.

Os veteranos de CdC devem saber que versões desse mesmo manual foram lançadas para as edições anteriores, sendo que o primeiro deles data de 1990. Mas jamais o Guia do Investigador foi tão completo e teve um formato tão primoroso. Ao longo de 280 páginas encerradas em capa dura, coloridas e fartamente ilustradas, desfilam informações divididas em dez capítulos. A seguir, veremos o que o livro oferece capítulo a capítulo.

O Capítulo Um é uma "Introdução". Ele explica o básico a respeito do que é RPG e como transcorre uma partida de nosso hobby. Também fornece um exemplo de uma sessão de jogo que destaca as principais mudanças trazidas na nova edição. Não há alterações profundas entre a sexta e sétima edições, a maioria destas, são na verdade atualizações de elementos que estavam um tanto fora do contexto. De um modo geral, CdC 7 foi modernizado para atrair uma nova geração de jogadores, sem no entanto, fugir da proposta original a ponto de desagradar os antigos fãs. De muitas maneiras, o perfeito equilíbrio entre esses dois fatores foi vital para o sucesso alcançado pela sétima edição (a mais vendida desde a criação do jogo).



A Introdução é curta e lembra aos iniciantes do que eles irão precisar para jogar. Embora muitas pessoas torçam o nariz para esse tipo de conteúdo - afinal quem compra um livro de RPG geralmente já jogou ao menos uma sessão - o texto é útil para quem está chegando em nosso hobby cheio de dúvidas e questionamentos. O texto é bem escrito e não machuca ninguém ele estar lá como uma espécie de boas vindas aos recém chegados.

O Capítulo Dois tem como título "Horror de Dunwich". Ele é uma reimpressão de um dos mais conhecidos e elogiados contos de H.P. Lovecraft. Para recém chegados ele funciona como uma ótima introdução do que os investigadores irão encontrar em um típico cenário de CdC. É curioso, mas muitos iniciantes que desembarcam no RPG conhecem pouco ou praticamente nada a respeito do autor que inspirou sua criação. 

Conhecer a obra de H.P. Lovecraft não é um pré-requisito obrigatório para jogar CdC 7, mas com certeza ter acesso às suas histórias principais irá ajudar a entender qual a proposta do jogo. E nada mais justo do que apresentar "O Horror de Dunwich" como porta de entrada para o Universo do Mythos. De muitas maneiras esse conto guarda semelhança com o roteiro de uma aventura de RPG. Ele se encaixa bem na dinâmica de um cenário, com elementos bem definidos de como os personagens são atraídos para o mistério, como eles começam a investigar e como se dá o clímax, no qual eles precisam utilizar o que aprenderam para confrontar a terrível ameaça que se forma ao longo da trama. E se a presença desse conto aqui ajudar a gerar uma curiosidade a respeito do restante da obra de Lovecraft, tanto melhor.



O conteúdo do Capítulo Três está mais do que claro em seu título: "Criando Investigadores". Aqui o jogador é apresentado a um resumo completo de como construir seus personagens e torná-los únicos dentro da proposta do jogo. Desde o rolamento de dados e distribuição de pontos na lista de habilidades, até os toques finais que definem a "alma" do investigador através de seu Background, o capítulo é extremamente didático, sem jamais ser cansativo. Ele oferece um passo a passo que é perfeito para quem está começando, explicando o significado por trás de cada Atributo e o que os números significam. 

Eu sempre gostei de RPGs em que os personagens não se definem simplesmente por um número escrito em um pedaço de papel, a Ficha, e sim pelo que estes números representam na prática. O que torna um personagem forte ou fraco? Ágil ou inepto? Bonito ou feio? Culto ou ignorante? O texto se encarrega de explicar os pormenores de cada um dos oito atributos básicos e como eles serão usados no transcorrer de uma sessão. Novamente tudo é muito bem explicado, com direito a uma fartura de exemplos.

O Capítulo de Criação de Investigadores reprisa o método presente no Livro do Guardião, mas fornece detalhes adicionais e fala diretamente ao jogador. Também oferece regras opcionais que podem ser empregadas para facilitar o processo e permitem montar personagens mais rapidamente. Se você precisa de um investigador o mais rápido possível, poderá montar um em poucos minutos, seguindo as Referências Rápidas.


O Capítulo Quatro é um dos mais interessantes do livro no sentido que amplia enormemente o leque de ocupações para seus investigadores. Se o Livro do Guardião oferece uma ou duas dúzias de ocupações para os personagens, o Guia do Investigador expande essas opções para mais de uma centena. As "Ocupações" podem ser compreendidas de forma grosseira, como as "classes" dos personagens, aquilo no qual eles depositam a maior parte de seu treinamento, conhecimento e habilidades. A lista inclui do tradicional investigador Arqueólogo e Diletante, até profissões menos prováveis como Missionário, Perito Criminal, Fotojornalista e Espião.

Cada uma das novas ocupações é discutida e apresentada com parâmetros para serem usados que já fornecem as Habilidades Relacionadas, o Nível de Crédito, os Contatos sugeridos e os Atributos que irão gerar os pontos para distribuir. As diversas opções ocupacionais permitem que os jogadores interpretem o que bem entender, e se por algum motivo, alguém der pela ausência de uma ocupação há dicas para criar novas ocupações conforme a necessidade.

A lista define ocupações clássicas que funcionam perfeitamente num típico cenário de investigação e Horror Lovecraftiano. A maioria destas ocupações podem ser achadas no Livro do Guardião, mas aqui eles são analisados de forma mais criteriosa em um parágrafo ou dois. Se você quer, por exemplo, interpretar um Militar, encontrará as informações no Livro Básico, mas se quiser algo mais específico, como um aviador, marinheiro ou fuzileiro naval, aqui achará todos os detalhes pertinentes.


O Capítulo Cinco cobre as Habilidades e tem como título... bem, "Habilidades". Aqui você encontrará uma lista de todas as habilidades presentes na Ficha do Investigador (embora você sempre possa incluir novas se necessário). O capítulo se dedica a explicar o que significa cada habilidade, como ela pode ser usada e em que circunstâncias elas serão empregadas. Em um jogo onde as habilidades dos personagens desempenham um papel fundamental, o capítulo se mostra de enorme importância.

Muitas habilidades continuaram presentes na transição para a sétima edição, outras no entanto se fundiram em blocos, enquanto algumas simplesmente desapareceram. O jogador encontrará um repertório mais enxuto de habilidades, encompassando uma grande quantidade de perícias genéricas. Eu gostei como as habilidades de combate, antes quebradas em diferentes modalidades de ataque, foram agrupadas em uma mesma ação: "Lutar". Da mesma maneira, as habilidades que envolvem ciências foram aglutinadas permitindo que o jogador escreva aquelas que domina. Refletindo as regras clássicas, cada investigador possui uma base inicial, permitindo que o personagem use o senso comum para tentar ser bem sucedido num teste, mesmo que não domine o assunto. 

Uma das novidades a respeito da sétima edição diz respeito a "Forçar os Testes" e tentar, uma vez mais, obter uma informação ou ser bem sucedido em uma ação, arriscando para isso, recair num fracasso com severas consequências. As entradas oferecem ao jogador métodos de extrair o máximo possível de cada habilidade e fazer com que elas se tornem realmente amplas. 


Caixas de texto ao longo desse capítulo fornecem uma visão de como a habilidade era encarada no período clássico da ambientação, os anos 1920. Temos por exemplo, uma visão geral de como as habilidades "Dirigir" ou "Medicina" eram encaradas cem anos atrás: o que existia, o que se sabia e como um profissional que dominava esse conhecimento técnico se comportava no período. Uma verdadeira "mão na roda" para ajudar o jogador a inserir seu personagem na época. A aplicação da habilidade correta, no devido momento, poderá se refletir no sucesso de uma investigação ou no fracasso da mesma. Lendo esse capítulo, o jogador sem dúvida aumentará seu repertório de truques e empregará suas habilidades da forma mais adequada.                     

O Capítulo Seis tem o nome "Organizações de Investigadores" e trata exatamente disso. Um belo fluffy para os jogadores filiarem seus personagens em sociedades, grupos, fraternidades, clubes e outras associações que se dedicam a investigar o Mythos. Muitos jogadores e mestres iniciantes encontram dificuldades em juntar os personagens e fazer com que eles trabalhem como uma equipe no início de uma campanha. Esse capítulo ajuda justamente nisso, abrindo a filiação de grupos para os personagens. Além dos grupos prontos, alguns bem interessantes, outros nem tanto, o capítulo dá exemplos de como criar uma equipe de investigadores unificados, ao invés de um bando de desajustados que acaba se unindo pelas circunstâncias. Os conceitos são bem apresentados e os exemplos vão de companheiros de armas a membros de um mesmo espetáculo circense.

O capítulo também oferece alguns personagens prontos para serem usados pelos jogadores ou como NPCs em suas campanhas. É interessante, ainda que nem tudo tenha apelo ou se encaixe na sua mesa de jogo. É um capítulo divertido e vai dar algumas boas ideias.


"Vida como Investigador" é o título do Capítulo 7 e na minha opinião é o que tem a proposta mais atraente. Os tópicos discutem pormenores dos cenários: como transcorre uma investigação, quais são os objetivos, onde informações podem ser colhidas, como fazer planejamento e como processar as pistas encontradas para chegar a conclusão do mistério. É um capítulo muito divertido de ler e que explica aos iniciantes detalhes sobre a dinâmica de uma investigação: consultas a bibliotecas, arquivos públicos, jornais, cemitérios e outras fontes de pistas em potencial...  Também dá sugestões sobre como lidar com testemunhas, como extrair delas as informações desejadas e como estabelecer contatos que serão imprescindíveis para chegar ao fundo do caso.

Um importante fator discutido envolve a formulação de planos, já que qualquer plano (mesmo um mediano) tende a ser melhor do que plano nenhum. Em cenários investigativos as pistas raramente vem até os jogadores, eles precisam se concentrar em escavar as informações e estabelecer metas para encontrá-las. E uma vez descobrindo o bastante, é preciso determinar como lidar com a oposição. O capítulo trata de diferentes métodos, do emprego de armamento, magias, explosivos, disfarces e outras formas de atingir os objetivos. Mesmo o mais calejado dos jogadores, veterano de muitas investigações, irá se beneficiar com essas informações e dicas.

O Capítulo 8 é outra excelente adição à ambientação por tratar dos "Turbulentos anos 20". Tudo que você sempre quis saber a respeito da época em que se passa o jogo está ali, distribuído em tópicos para facilitar a consulta. Trata-se de uma visão histórica do período, cobrindo uma variedade de aspectos como questões sociais, tecnologia, economia entre outros assuntos pertinentes. Em uma palavra: Fantástico!


Se você estiver se perguntando se um equipamento existia em determinado período, que tipos de carros ou armas estavam disponíveis, quais os jornais em circulação, quanto custava  uma passagem de trem Boston-Nova York, tudo isso, você vai encontrar aqui. A pesquisa histórica foi bastante abrangente e com certeza tanto os Investigadores, quanto o Guardião, irão se beneficiar ao ler esse capítulo antes de começar a jogar. O trecho com as biografias de celebridades e pessoas importantes no período também concede uma visão ímpar de uma época que ajudou a definir o mundo moderno. Dentre os indivíduos presentes estão aventureiros, artistas, atletas, homens de negócios, criminosos, ocultistas e outras celebridades da década de 1920. O Capítulo é extremamente útil e com certeza concede um colorido todo especial à campanha, sobretudo aos Mestres que gostam de investir no realismo.
              
O Capítulo Nove reúne uma vasta gama de "Conselhos para os Jogadores”. São uma série de tópicos que ajudam a promover um jogo melhor e dentro da proposta original. Como lidar com desentendimentos com o Guardião, a diferença entre o conhecimento do personagem e o conhecimento do jogador, como estabelecer o tom e assim por diante. Existem também alguns lembretes divertidos, como "Não confie em armas" e como usar Testes de Idéia/ Conhecimento podem ajudar grupos que se encontram perdidos na investigação e não sabem o que fazer em seguida.

Talvez a parte mais importante do capítulo envolva como interpretar a Perda de Sanidade e a lenta (ou Deus nos livre, rápida) descida rumo à completa loucura que vem de mãos dadas com os Mythos de Cthulhu. As dicas são válidas para afastar o estereótipo de "personagens malucos" que muitos jogadores acabam incorporando e que soam ridículo em alguns momentos. A meu ver, os tópicos sobre insanidade neste capítulo são leitura obrigatória até mesmo para os veteranos, porque esse é um problema comum mesmo entre os jogadores mais experientes.


E finalmente, o derradeiro Capítulo 10 elenca numerosas "Referências" com uma longa cronologia de acontecimentos histórico entre os anos de 1890 e 2012. Fatos Relevantes, Conquistas, Guerras, Acidentes, Tragédias, Descobertas, Invenções e outros acontecimentos que marcaram esse período de tempo. 

A seguir, temos uma Lista Completa de Equipamentos, Itens e Armas muito útil para suprir os jogadores com tudo aquilo que eles precisarão antes de sair à campo e iniciar suas investigações. Temos seis longas páginas de estatísticas de armas e armamentos de diferentes épocas. Regras para adaptar seus personagens de prévias edições e modelos de fichas para o período clássico e os dias atuais encerram o capítulo. 

Ufa! 

Como se pode ver, é muito material e informação nessas páginas. A diagramação da Chaosium funciona bem, o livro é muito bem produzido e as ilustrações são belíssimas, com destaque para aquelas que introduzem os capítulos.

Embora o livro não seja estritamente obrigatório, os entusiastas de Chamado de Cthulhu acharão o Guia do Investigador um acréscimo interessante e útil para sua mesa. É um livro de referência que fornece recursos para abrilhantar a Ambientação. Além disso, as muitas sugestões e dicas fazem com que ele possa ser usado em outros jogos se passando no início do século XX. Da mesma maneira, os tópicos sobre como gerenciar uma aventura investigativa e administrar uma campanha, também serão válidos para outros jogos.

Eu considero uma ótima aquisição.

O Guia do Investigador de Chamado de Cthulhu pode ser comprado na página oficial da Editora New Order, no link abaixo:



E aqui vocês podem assistir um vídeo com o tradutor do Guia do Jogador, Renan Barcelos que fala um pouco a respeito do livro.


O Renan tem um canal onde fala de literatura e quadrinhos, se quiserem olhar, só ir no link: LINK: Um Fracasso de Público

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