domingo, 16 de agosto de 2020

Lilith - Demônio Ancestral, Divindade Profana ou Deusa Feminina


Em algumas fontes, ela é descrita como um Demônio, em outras como um Ícone que se converteu em uma das mais obscuras divindades pagãs. Mas quem é Lilith? Reconhecida como um dos espíritos femininos mais antigos do mundo, as raízes de sua lenda remontam ao famoso épico de Gilgamesh. Contudo, ela também é descrita na Bíblia e no Talmud judaico.

Na tradição judaica, Lilith é um dos demônios mais notórios, mas em algumas outras fontes, ela aparece como a mulher original, criada por Deus para ser a companheira de Adão. De acordo com essa lenda, Deus formou Lilith como gêmea de Adão, os dois ligados originalmente pelas costas e separados posteriormente. A grande diferença é que ao invés de usar o mesmo barro de Adão, Deus utilizou lama que havia sido contaminada pelo sangue de anjos caídos. Portanto, quando esculpiu a forma e soprou nela vida, ela tinha uma origem espúria. Tradicionalmente Lilith, que significa "Noite", nasceu com a mesma obstinação dos anjos que se rebelaram contra o Criador e que foram exilados. Ela está relacionada com atributos conectados com a sensualidade, liberdade e revolta. 

O terror também é uma das províncias governadas por Lilith. Em mais de uma representação, ela é tratada como uma criatura dotada de enorme crueldade. Enquanto Adão lamenta a morte de animais, Lilith se diverte afogando pequenas criaturas. Ela também critica o amante, o chamando de fraco e simplório quando ele é piedoso para com os outros seres ou respeitoso para com o Criador.

A primeira menção a Lilith aparece na civilização da antiga Suméria, onde ela é tratada como "lilitu", um espírito feminino efêmero, ligado ao vento noturno. Lilith é posteriormente mencionada no Tablete XII do Épico Gilgamesh, o mais famoso poema da Mesopotâmia datando de 2100 anos antes de Cristo. Um tablete sobre ela foi acrescentado ao texto original em meados de 600 aC, com uma tradução assíria e acadiana. Lilith é apresentada como uma entidade mágica, cujos pés estão enraizados no chão e os braços se tornaram galhos de árvore. Ela é descrita como um tipo de demônio, mas historiadores contemporâneos a tratam mais como uma divindade da mitologia suméria. Ao mesmo tempo, ela é citada em textos judaicos do mesmo período, como uma criatura da escuridão e um ser que "pertence às trevas". Nesses textos, sua existência está relacionada também a magia e feitiçaria, sendo ela uma patronesse de bruxas e feiticeiros.

No Talmud Babilônico, Lilith é retratada como um espírito obscuro com um incontrolável e perigoso apetite sexual. Ela encanta seus amantes com uma voz suave e dança sensual, os seduzindo com promessas de luxúria e os mais libidinosos atos sexuais. Segundo a lenda, ela usa o esperma dos seus amantes para fertilizar seu ventre impuro que dá vida a mil abominações. Dela nasce apenas horror na forma de seres medonhos conhecidos como lilim. Segundo o texto, Lilith daria a luz à centenas de demônios, paridos "sem dor ou desconforto". Ela seria a Mãe das Deformidades, de filhos degenerados e loucos, compelidos a se tornarem déspotas e genocidas. Ela, no entanto zelava por todos, amamentando e amando especialmente os mais hediondos, tratando-os como seus preferidos. Nenhum dos seus filhos, contudo, era preterido ou desprezado.

Lilith também era conhecida na cultura dos hititas, egípcios, gregos, israelitas e romanos. Mais tarde, a lenda migraria para o norte da Europa, sendo incorporada a mitologia germânica e nórdica como uma força do caos, sexualidade e misticismo. Aqueles concebidos em determinadas noites sem lua ou que possuíam características específicas - cabelos muito escuros ou olhos esverdeados, por exemplo, eram tratados como indivíduos nascidos sob os auspícios de Lilith. Estes, segundo rumores, desenvolviam capacidades mágicas ou eram donos de uma sexualidade à flor da pele. As lendas gregas mencionavam os filhos de Lilith como seres pálidos e com aversão à luz do sol, que se escondiam durante o dia e saíam apenas à noite para satisfazer seus desejos. Alguns drenavam sangue dos seios de virgens e do umbigo de bebês. Não por acaso, estas lendas contribuíram para o surgimento das primeiras histórias de vampirismo.  
Lilith aparece na Bíblia, no Livro de Isaías 34:14, que descreve a desolação do Eden. Lilith é tratada como um espírito impuro e perigoso. De acordo com o texto ela foi a primeira esposa de Adão, e tendo sido criada simultaneamente, demandou igual tratamento. Quando Deus percebeu os atributos perversos de Lilith ele começa a preferir Adão, o que cria um profundo ressentimento. Lilith se recusa a se deitar abaixo de Adão durante o ato sexual e furiosa com o Criador profere Seu nome antes de fugir para o Mar Vermelho. Deus envia então três anjos, Sanvi, Sansanvi e Semangelaf, para devolve-la ao Eden, mas Lilith se recusa e é então abandonada a própria sorte. Quando ela descobre que Deus criou uma segunda esposa para Adão chamada Eva, ela lança sobre esta uma maldição que faz com que o ato de parir se torne extremamente doloroso.


Após a Queda do Eden, os filhos de Adão e Eva se espalham pelo mundo e alguns destes encontraram Lilith. Vários dos varões foram seduzidos por Lilith e da união deles nascera seres abomináveis. O próprio Adão acaba reencontrando Lilith que o visita à noite para satisfazer seus desejos carnais durante o sono. Com a semente de Adão, Lilith dá a luz a demônios poderosos fadados a se tornarem Príncipes do Inferno. 

Lilith se tornou depois de muitos séculos a Rainha de Zemargad, um Reino no Deserto, onde seus filhos ergueram um palácio no qual ela reinava absoluta. Lá ela recebia amantes e consortes, que vinham de todos os cantos da terra e das profundezas para fertilizá-la. A cada dia, Lilith dava a luz a 100 lilim que se converteram na população de seus domínios nefastos. Suas filhas se convertem nas suas mais devotadas seguidoras, aprendendo com ela feitiçaria e sedução. Segundo o folclore, Lilith eventualmente se tornou a noiva de Samael (em algumas tradições, o próprio Demônio) e passou a reinar no Inferno. Os dois se tornam a contraparte espúria de Adão e Eva, uma forma de ridicularizar a concepção divina de homem e mulher num Paraíso terreno. 

Lilith é retratada tradicionalmente como uma mulher de rara beleza, por vezes, com a parte de baixo do corpo feita de fogo que não produz calor. Ela espreita na entrada de portões, cavernas e quartos de dormir, onde espera encontrar algum homem solitário ou uma criança que não está sendo protegida. Lilith carrega "ornamentos de vaidade", recorrendo a maquiagem, pentes e espelhos para realçar sua beleza magnética. 

Um documento a descreve nos seguintes termos:

"Seus cabelos longos escorrem sobre as costas como uma cascata de mechas ruivas. A face é branca e angular, com bochechas rosadas e orelhas delicadas com seis brincos de pérolas. Sua boca possui dentes brancos e perfeitos. Sua língua é afiada como uma espada e suas palavras suaves como óleo, ora capazes de ferir, ora de adular. Seus lábios são vermelhos como uma rosa e doces como o mais puro mel. Ela veste trajes esvoaçantes de cor escarlate, adornado com jóias e costurado com fio de ouro, mas geralmente surge nua para realçar sua faceta tentadora".

Lilith (1892) by John Collier in Southport Atkinson Art Gallery.

O Zohar descreve Lilith como uma figura feminina com corpo de serpente ou uma mulher envolta por uma enorme serpente peçonhenta tratada como seu animal de estimação. Ela seria o aspecto feminino de Leviathan, a Serpente do Paraíso. É ela quem tenta Eva com o fruto proibido e portanto instiga a Queda do Paraíso. O Zohar também confere a ela o nome "Rainha dos Gritos", afirmando que seus brados estridentes (semelhantes a guinchos) causam extremo terror naqueles que a escutam. Esse som aterrorizante também domina as feras e instiga o lado animal da natureza humana. Homens se atiram aos seus pés, dispostos a destroçar uns aos outros em busca de sua atenção.

Na tradição judaica, amuletos e bacias de metal eram usadas para proteger jovens mães e recém nascidos contra Lilith. Crianças do sexo masculino ficavam vulneráveis a ela por uma semana após o nascimento, as do sexo feminino por três. Por vezes, símbolos devotados ao Paraíso, Adão e Eva eram desenhados nas paredes de quartos antes destes receberem recém-nascidos.

Nas últimas décadas, Lilith foi redescoberta e se tornou um símbolo de liberdade para muitos grupos feministas contemporâneos. Em face de um desejo por igualdade, mulheres buscaram símbolos que refletissem o poder feminino. Nos anos 1950, seguidores de algumas tradições paganistas adotaram Lilith como Deusa e passaram a adorá-la como uma poderosa força feminina.   


Esse apelo moderno foi realçado por artistas que a tomaram como musa. Lilith se tornou um tema popular na arte e na literatura por volta do Período Renascentista, quando Michelangelo a retratou com um corpo metade de mulher, metade de serpente. Ele a colocou num galho da Árvore do Conhecimento, como uma forma de alerta para o saber que pode se tornar perigo. Com o tempo, Lilith se tornou mais e mais atraente e capturou a imaginação de artistas como Dante Gabriel Rosetti que atribuiu a ela a imagem da "mulher perfeita e mais atraente de todos os tempos". Visões mais recentes atribuem a ela o aspecto de uma mulher independente e livre, que desafia as convenções e age de acordo com sua própria vontade.

Retratos menos romantizados apareceram na prosa do romancista James Joyce, que atribuía a Lilith o posto de Padroeira dos Abortos. Foi o mesmo Joyce, no entanto, quem a elevou ao nível de símbolo máximo da igualdade sexual para mulheres do século XX. De fato, sua imagem é hoje em dia muito mais associada a liberdade feminina do que com a sua origem mitológica. Pesquisadores discutem se realmente ela foi criada como criatura demoníaca, ou se foi "demonizada" para evitar que ela se tornasse um símbolo.

5 comentários:

  1. Eu aposto na segunda opção, Lilith foi demonizada como muitas outras divindades no tempo em que os Hebreus eram escravos na BabiLônia!
    Mas, segundo Marcelinho Del Debbio, Lilith foi uma espécie de Hércules de saia que viajou ao submundo pra resgatar Marduk, o "macho" dela!

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    1. Conte mais, isso esta interessante. Eu esperava ver muitos cananitas de "Vampiro a Mascara" aqui.

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  2. Interessante como muitas características dela ora lembram fadas, ora demônios

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  3. A história de Lilith é mais fascinante que a da submissa Eva

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  4. O feminino representa uma ameaça a macho que se acha o dominador. Isto para as civilizaçoes antigas eta insuportavel. Por isso a demonização do feminino.na figura de Lilith , refirçando por outro lado que a mulher deve ser suissa ao homem. Isso perdura ate hoje em todas as religioes e no Tradicionalismo. E pior que muitas mulheres até que se dizem modernas e feministas refoçam esse preconceito. Cabe as novas geracoes fazer uma ruptura desse preconceito e desconstruir essa demonizacaoe mentalidade.

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