quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Livros de Sangue - Os Cinco Melhores Contos da Antologia de horror


"Todo Corpo é um Livro e Sangue, 
quando nos abrem, a impressão é vermelha".
- Clive Barker em Livros de Sangue

Clive Barker é um sujeito que faz de tudo um pouco. 

Autor, roteirista de cinema, dramaturgo, diretor, compositor, artista plástico, quadrinista, pintor e nas horas vagas escreve algumas das melhores histórias de horror das últimas décadas. Ele é o cara da famosa citação de Stephen King: "Eu vi o futuro do terror, e o nome dele é Clive Barker", o que não é pouca coisa, considerando que King, o Papa do gênero, praticamente apontou o dedo para seu sucessor de direito.

Não é pra menos.

Frequentemente quando leio alguma obra assinada pelo Barker eu me pego pensando: "O que diabos esse cara tem na cabeça"?

A imaginação dele, a capacidade criativa, a morbidez e a maneira como ele consegue colocar no papel suas ideias chega a ser assustadora. Eu adoro horror e se meu gosto se tornou mais requintado com o tempo, muito desse apuro adquirido se deve a habilidade que Barker demonstra ao contar suas histórias. E que histórias!

Anteriormente eu já elogiei aqui no MUNDO TENTACULAR o talento desse britânico que escreve sobre o que existe de mais escuro da alma humana com uma casualidade beirando o incômodo. Vou tentar não rasgar elogios como costumo fazer quando falo a respeito dele, me limitando a citar um único exemplo da força de seus textos. Clive Barker é um dos únicos autores que me fizeram ficar sem ar e parar para recobrar o fôlego antes de continuar a leitura. Isso aconteceu quando li pela primeira vez seu romance de estreia "O Jogo da Perdição", desde então um dos meus livros de horror favoritos.

Barker é capaz disso e de muito mais. 


As histórias dele vem imbuídas de um senso estético difícil de descrever, elas são doentias, perversas, cruéis, mas você não consegue colocar o livro de lado, mesmo sabendo que os parágrafos abrasivos dele irão te incomodar por um bom tempo. Ele escreve como ninguém a respeito de maldade, de seres fantasticamente cruéis, de mitos esquecidos e da condição humana. Seus personagens compõem um elenco de horríveis pecadores, transgressores inveterados e torturadores compulsivos. Suas histórias possuem reviravoltas e choques que arrancam o leitor de sua zona de conforto e o arremessam para dentro da narrativa, quase coo uma testemunha das suas horrendas revelações.

Ok, eu disse que não ia rasgar elogios, tarde demais.

A razão de ser desse artigo é falar sobre uma das obras mais conhecidas de Clive Barker, uma que marcou época aqui no Brasil, quando foi publicada pela Civilização Brasileira lá pelo início dos anos 1990. Trata-se de uma antologia de contos escritos por Barker quando ele estava no início de sua carreira. Não é exagero dizer que alguns desses contos ajudaram a lançar seu nome e serviram para consolidá-lo como uma promessa entre os mestres do terror contemporâneos. Obviamente, estou me referindo a coleção Livros de Sangue.

Livros de Sangue é uma coleção de 6 volumes (posteriormente lançada em 3 livros) editada originalmente na Inglaterra e Estados Unidos respectivamente em 1984-1985. Quando o primeiro volume chegou às livrarias, Barker se tornou uma sensação instantânea, recebendo uma penca de prêmios e inúmeros elogios. O sucesso ajudou a catapultá-lo para outras mídias, reunindo uma legião de fãs que consumiram seus filmes, telas, quadrinhos, peças teatrais e tudo mais que ele produziu.


Para quem não teve a chance de conhecer a obra, cabe dizer que Livros de Sangue serviu de inspiração para pelo menos meia dúzia de filmes nos anos seguintes. Alguns muito bons como Candyman, outros nem tanto, como Trem da Carne da Meia Noite e Mestre das Ilusões. Contudo, o grande mérito de Livros de Sangue foi apresentar um estilo único de escrita aterrorizante que talvez um dia venha a ser reconhecido como barkeriano.

Agora, quase 30 anos depois de seu lançamento no Brasil, Livros de Sangue está prestes a retornar em pompa e circunstância, trazido pela celebrada Editora Darkside. Os autênticos fãs do Horror e Fantasia, por muitos anos órfãos de bons títulos e material de qualidade, não precisam de apresentações quando o nome Darkside é mencionado. Nos últimos anos a editora se consolidou como referência, trazendo o que existe de melhor no gênero com uma qualidade notável. Não resta dúvida de que Livros de Sangue seguirá essa mesma premissa, com um apresentação luxuosa, tradução primorosa e o acabamento magnífico que já conhecemos.

Enquanto Livros de Sangue não chega, eis aqui um aperitivo para despertar a sede de sangue dos leitores. Selecionei os seis melhores contos da Antologia e dediquei a cada um deles, algumas palavras, sem é claro incorrer em SPOILERS.



Relaxe então e conheça um pouco da fina iguaria que são esses contos e fique atento, pois o primeiro volume está chegando em breve.

1 - Livro de Sangue (Volume 1 e 6)
  
"Os mortos tem suas estradas".

Essa frase que abre o conto Livro de Sangue, o primeiro da antologia, continua me arrepiando sempre que leio essa história particularmente macabra. O Livro de Sangue não é uma história longa, mas ela serve como uma espécie de fio condutor para as demais tramas, introduzindo de forma soberba o ritmo do que está por vir.

A premissa é bastante instigante e envolve Mary Florescu, uma parapsicóloga que acompanha um jovem medium chamado Simon McNeal que incorpora diferentes espíritos. McNeal é um farsante que se aproveita das crenças alheias e simula visões arrebatadoras nas quais tem contato com espíritos que transmitem seu conhecimento e compartilham segredos. Florescu desconfia que há alguma coisa errada, mas está tão desesperada por acreditar no sobrenatural e apaixonada por seu objeto de estudo que releva todas suas suspeitas. As coisas mudam quando os dois visitam uma casa com longa fama de ser assombrada e acabam desafiando as coisas que lá  residem.

Barker descreve de forma magistral o embate das forças sobrenaturais e a ira dos espíritos quando descobrem que o medium não passa de uma fraude. Decidem então usá-lo como as páginas de um diário macabro no qual suas histórias serão reveladas, o que dá início aos demais contos. A mensagem é clara: Não tente se aproveitar dos mortos em causa própria, a vingança deles será terrível. E o autor relata esse horror sobrenatural de uma maneira aterradora.

O Livro de Sangue abre a antologia e também a encerra, como a história de fechamento "Na Rua Jerusalém", na qual descobrimos o destino final dos personagens.  


2 - O Trem da Carne da Meia Noite (Volume 1)

É possível que muitas pessoas conheçam esse conto através do filme lançado em 2008, estrelado por Vinnie Jones e Bradley Cooper. Mas esqueça essa adaptação apenas mediana de um conto muito mais profundo e assustador.

O Trem da Carne da Meia Noite na sua versão original é incrivelmente assustador.

Um assassino sanguinário chamado Mahogany aterroriza Nova York promovendo um verdadeiro banho de sangue, deixando uma trilha de cadáveres que parecem ligá-lo ao sistema subterrâneo de metrô da cidade. Um sujeito retornando para casa do trabalho pega no sono no metrô da meia-noite e acaba acidentalmente cruzando o caminho do assassino e descobrindo os horríveis motivos para seus crimes.

Essa história é uma das melhores na minha opinião, não apenas por ser um suspense arrepiante de perder o fôlego, mas por ter uma ideia muito bem fundamentada. Ela trata dos segredos de grandes cidades e de coisas que a maioria das pessoas não devem saber a respeito do lugar que escolhem para viver. Há algo positivamente Lovecraftiano nas motivações do assassino que no fim das contas age com um propósito que poderia ser encarado como nobre, até essencial para o benefício da população. Ainda assim, as descrições dos assassinatos e horríveis criaturas fazem com que cada página pareça um pesadelo impresso em vermelho.

É Barker em seu ápice de sanguinolência e bizarrice!


3 - Cabeça Descarnada (Volume 3)

Barker explora os Mitos Ancestrais da Inglaterra ao contar a história de um monstro milenar, um gigante humanoide pertencente a um passado remoto que é acidentalmente despertado de seu longo sono e passa a vagar sem destino por um vilarejo o interior matando e espalhando destruição por onde passa.

Além de contar como ninguém uma situação absurda de terror extremo, Barker coloca no centro da narrativa a figura do monstro desperto, o Rei Cabeça Descarnada, vindo de um tempo distante e lançado num mundo que não mais lhe pertence. A confusão da criatura, seu senso de sobrevivência e surpresa diante do mundo moderno contrapõe o terror que ele próprio desencadeia na população.

Cabeça Descarnada ficou marcado para mim por um trecho especialmente medonho e incrivelmente detalhado no qual o monstro faz uma vítima inocente. É daqueles momentos que você ou fecha o livro enojado com o que acabou de ler, ou respira fundo e vai até o final.

Rawhead Rex (o título original) foi um dos primeiros contos de Barker a ser adaptado para o cinema em uma produção irlandesa bastante modesta nos anos 1980. Esqueça essa versão! A força da história se encontra no texto que explora as motivações do monstro como um tipo de Frankenstein ainda mais monstruoso. E ainda tem espaço para rituais bizarros, tradições antigas e artefatos mágicos. Um clássico!  


4 - O Proibido (Volume 5)

Para quem não sabe, Candyman, o espectro de um homem negro com gancho no lugar de mão e corpo coberto de abelhas era originalmente bastante diferente do que conhecemos no filme. De fato, Barker concebeu a entidade não como uma lenda urbana de Chicago, mas como um horror que habitava as vizinhanças decadentes de uma grande metrópole inglesa. Ele não era Candyman, o Homem Doce, atendia pelo nome de O Proibido, e era muito, muito assustador.

Na história original, Helen, uma estudante de lendas urbanas completando uma tese a respeito de arte das ruas, devota suas pesquisas a desenterrar as histórias por trás de um lendário fantasma. Suas pesquisas fazem com que ela comece a relacionar crimes e mutilações recentes com um terror sem igual que assombra o local. Os moradores desses bairros decadentes que constituem a zona de caça da criatura não duvidam nem por um instante da sua existência, sabem que a entidade vaga por ali, impondo seu reinado de horror. Quanto mais perto Helen vai chegando da verdade, mais próxima ela se aproxima da criatura.

O Proibido foi adaptado de maneira sensacional para a realidade americana, inserindo na lenda diferentes aspectos sociais como pobreza e escravidão que contribuíram para torná-la ainda mais densa e apavorante. Mas a versão original, escrita nos anos 1980, mantém seu choque e originalidade. 

Vale a pena conhecer a origem desse personagem, um dos mais assustadores da longa lista de vilões do autor. 


5 - Na Carne (Volume 5)
 
Na Carne é a significativa exploração de Barker ao Horror Corpóreo.

Mudanças aterradoras, transformações bizarras e uma nova configuração do corpo humano são um dos elementos centrais tratados nesse conto de gelar o sangue. Barker disse em uma entrevista que se inspirou nos primeiros filmes de David Cronemberg (sobretudo The Brood e Videodrome) para escrever esse conto e que seria uma honra se essa história também fosse adaptada pelo diretor. Realmente, o que viria dessa combinação é algo a se imaginar.

No roteiro claustrofóbico de "Na Carne", Cleve um detento numa grande penitenciária recebe um novo companheiro de cela, que admite ter cometido seu crime com o objetivo de ser encarcerado naquela prisão em particular. O sujeito acredita que seu avô, um poderoso feiticeiro, foi enterrado na penitenciária após cumprir pena no mesmo lugar anos atrás e que ele teria levado consigo um segredo desejado. Para obter esse segredo ele precisa invocar o espírito de seu antepassado e convencê-lo a partilhar sua sabedoria, o que no fim das contas acaba saindo muito errado e causando horríveis resultados.

Imagine uma história de terror se passando quase que inteiramente em um cubículo de onde não há escapatória e que vai ficando cada vez mais apertado a medida que o horror transborda. "Na Carne" não por acaso deu nome a uma das Antologias, sendo um dos contos mais comentados e elogiados de Barker. Expostos a um horror indescritível, os prisioneiros vão se transformando em um arremedo de seres humanos a medida que a loucura toma conta deles. 


Bônus: 

Livros de Sangue é composto de 28 contos, incluindo os descritos acima. Como toda antologia de contos, existem altos e baixos, histórias melhores e piores, mas de um modo geral, os contos são muito bem escritos e despertam o interesse do leitor.

Além destes cinco, eu destaco Blues do Sangue de Porco (Volume 1), uma horrível história sobre um centro de menores delinquentes e um estranho culto surgido entre os internos, Pavor (Volume 2), onde a obsessão de um homem pelo medo conduz suas vítimas a um passo além da sanidade mental, As Peles dos Pais (Volume 2), no qual abominações querem se apossar de uma criança gerada entre seres humanos, A Morte Viva (Volume 6), no qual uma mulher desenganada adquire o poder da vida e da morte e A Última Ilusão (Volume 6) em que um detetive particular precisa enfrentar magia verdadeira para salvar sua cliente.

Uma antologia para ler, se arrepiar, mas manter sempre perto.

2 comentários:

  1. Eu colocaria Filhos da Celulose na lista, a história é boa para caramba... E também Human Remains....

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