segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Em busca da Imortalidade - O Imperador que queria viver para sempre


No ano de 221 a.C, o homem chamado Qin Shi Huang conseguiu atingir aquilo que ninguém havia sido capaz até então. Sua poderosa Dinastia, que não por acaso levava seu nome, conquistou vários estados inimigos que lutavam entre si há séculos. Das cinzas e destruição deixadas por essas batalhas, Qin conseguiu unificar a nação sob um mesmo governo e assim surgiu aquilo que hoje conhecemos como China.

Ao invés de assumir o título de "Rei", ele seria o primeiro a se autoproclamar Imperador. Qin foi o primeiro a se valer desse título, que dali em diante, e ao longo dos próximos 2000 anos seria o nome pelo qual governantes da China chamariam a si mesmos. Sob sua tutela, a China viu uma rápida e imensa expansão, enormes reformas econômicas e políticas, um ambicioso projeto de construção de estradas, bem como o surgimento de grandiosas obras arquitetônicas como o Canal de Lingu e a mundialmente famosa Grande Muralha da China.

Qin se tornou sinônimo de conquista, vitória e consolidação. Um dos maiores governantes de todos os tempos, lembrado e honrado pelos seus grandes feitos.

Ainda assim, apesar de todas suas vitórias, havia um inimigo que o próprio Qin sabia, jamais poderia derrotar: a morte. Dizem as lendas que ele observava com crescente aflição o passar dos anos e em seu âmago temia o fato de estar envelhecendo e caminhando para o inevitável fim. O Imperador observava os cabelos ficarem brancos, as marcas de expressão surgirem e o corpo perder o vigor que sempre o caracterizou. 

Ele via tudo isso, e se desesperava... pois de nada importava ser o homem mais poderoso de seu tempo, se mesmo ele, estava fadado a se tornar poeira.


O Imperador então começou a travar a mais difícil de suas guerras. Seu plano contra o mais implacável dos inimigos do homem envolvia três metas: vencer o tempo, evitar a morte e governar a China para sempre como um Imperador Imortal.

A obsessão de Qin pela Imortalidade é bastante conhecida e um fato largamente documentado por seus assessores e conselheiros. A busca pelo segredo da imortalidade consumia os dias e noites do Imperador que demandava daqueles à sua volta resultados rápidos, pois o tempo estava passando e ele não estava ficando mais jovem. Em um determinado momento o Imperador não comia, não dormia e não conseguia mais governar, tamanha sua preocupação com a morte iminente.

Mas nem tudo estava perdido! Qin Shi Huang estava convencido de que a imortalidade poderia ser alcançada mediante uma mistura de diferentes ervas, plantas e estranhos ingredientes raros que deveriam ser obtidos à todo custo. Qin mandou trazer até seu palácio imperial os melhores médicos, herbalistas, estudiosos, magos, sábios e alquimistas da China. Especialistas eram recrutados à peso de ouro. O Imperador prometia riquezas inimagináveis para quem conseguisse obter a concatenação definitiva que garantisse vida eterna.

Aquela não era a primeira vez que um líder chinês buscava o lendário elixir da imortalidade, mas Qin realmente levava essa busca a um outro patamar.

A busca fez com que Qin drenasse os cofres públicos, patrocinando a criação de hospitais, laboratórios e herbários onde os estudos eram conduzidos por equipes cada vez maiores de especialistas nos intrincados segredos da medicina tradicional chinesa. Mas isso não era o suficiente para o Imperador. Ele não queria apenas ser saudável e continuar jovem, ele desejava jamais ficar doente e jamais envelhecer.      

Para encontrar o que estava buscando tão avidamente, o Imperador enviou seus homens para todos os cantos de seu vasto reino, vasculhando as terras selvagens e vilarejos remotos à procura da chave para a imortalidade. Registros oficiais transcritos em casca de bambu relatam que o governante emitiu inclusive um Decreto Oficial aludindo à sua busca. De fato, esse decreto deixava claro que a busca era prioridade máxima e que se alguém tivesse o conhecimento desejado seria regiamente recompensado, ao passo que, se alguém o ocultasse seria tratado com todo o rigor da lei. 

Pessoas em toda China, dos mais influentes e ricos nobres, até o mais simples curandeiro, se envolveram na corrida para achar a fórmula desejada. Expedições foram organizadas e partiram rumo a terras distantes em busca de ingredientes raros. Alquimistas se trancaram em seus laboratórios dispostos a tentar todas as suas fórmulas. Bibliotecas foram inspecionadas em busca de livros que pudessem fornecer alguma pista. Há inúmeros registros em que médicos e alquimistas pedem humildes desculpas ao Imperador por não terem sido capazes de promover uma solução para sua aflição. Até mesmo algumas vilas suplicavam perdão por não terem conseguido cumprir o desejo imperial. 

Haviam alguns que se esforçavam mais. De tempos em tempos alguém sinalizava com uma esperança, na forma de uma erva, planta ou fungo milagroso extremamente raro, que misturado corretamente traria o efeito almejado. Entretanto, a mais promissora das respostas veio de um mago recluso que vivia na distante e isolada Ilha de Zhifu

Esse mago atendia pelo nome de Xu Fu, e ele tinha uma incrível história a contar. Segundo ele, existia um cabal secreto composto por oito grandes feiticeiros que vivia distante da civilização em uma lendária ilha perdida chamada Penglai. Eles haviam descoberto o segredo da imortalidade  e compartilhavam apenas entre si tal segredo que lhes permitia viver para sempre. De fato, Xu Fu, dizia que esses magos viviam em Penglai há séculos, liderados por um feiticeiro chamado Anqi Sheng, que tinha mais de mil anos de idade. A melhor parte é que Xu Fu sabia como chegar até o santuário secreto.

Qin Shi Huang ouviu a narrativa com enorme interesse e ficou convencido de que Xu Fu sabia do que estava falando. Ele ordenou então que fossem feitos os preparativos para uma viagem até a Ilha de Zhifu. Para convencer os magos a partilhar de seu saber, o imperador estava disposto a oferecer um harém de 6000 concubinas, seus mais belos garanhões, títulos vitalícios e é claro uma parte de seu incrível tesouro.

Xu Fu disse ao Imperador que os magos só aceitariam falar com ele. Assim sendo, ele se juntou a Expedição rumo à misteriosa ilha para que retornasse com o elixir. O Imperador observou a partida de sua orgulhosa Frota e do Mago Xu Fu e os viu sumir no horizonte distante. Tudo o que ele podia fazer agora, era esperar. E ele esperou, e esperou, e esperou mais ainda...


Anos se passaram!

Contam as lendas que Xu Fu e a Frota Imperial jamais retornaram. As hipóteses dizem que eles teriam se perdido em alto mar, que uma tempestade causou um trágico naufrágio ou ainda, que monstros marinhos teriam sido responsáveis pela sua destruição. Há, no entanto, outras possibilidades. Dizem que ao menos um dos navios, justamente a nau capitânia da frota, aquele que levava Xu Fu atingiu seu destino. Mas uma vez na Ilha, os magos não se interessaram pela proposta e simplesmente mandaram o grupo embora de mãos vazias. A resposta foi tratada como uma grave afronta, afinal eles representavam o Imperador. Furiosos demandaram que fossem atendidos, ao que os magos simplesmente se negaram novamente. Ao fim, os homens do Imperador teriam forçado sua entrada na Ilha, sendo repelidos por magias portentosas e criaturas sobrenaturais que os afugentaram. Vencidos e envergonhados, os homens decidiram que não poderiam retornar para casa após seu fracasso e preferiram partir para terras distantes e jamais retornar.

Outra hipótese especulada é que Xu Fu se encontrou com os Magos e que estes ofereceram a ele uma escolha: levar o segredo para o Imperador ou se juntar ao cabal como o nono membro. Diante disso, ele acabou aceitando a proposta de, ele próprio, viver para sempre. O cabal então teria partido da Ilha em que viviam e se refugiado no atual Japão onde deram início a civilização nipônica. 

Seja lá qual for a verdade, os anos passaram e a expedição não retornou, deixando o poderoso Imperador Qin Shi Huang sem o seu precioso elixir da vida eterna.

Amargurado e cada vez mais atormentado pela perspectiva da sua própria mortalidade, o Imperador se tornou especialmente amargo e cruel. Ele suspeitava que o segredo estava sendo escondido dele por seus inimigos e opositores. Qin mandou incendiar vilarejos e matar milhares de pessoas. É claro, tudo isso atraiu ainda mais descontentamento que se refletiu em uma conspiração para assassiná-lo. Depois disso, sua paranoia atingiu um novo patamar e ele se tornou um recluso, raramente deixando seu palácio, desconfiando de todos à sua volta e usando provadores de comida em cada refeição.

O Imperador chegou a despachar duas outras expedições em busca da Ilha de Penglai, mas como apenas Xu Fu sabia sua localização, eles estavam em busca de uma agulha no palheiro. Nenhuma expedição encontrou o lugar e ninguém teve coragem de retornar trazendo as más notícias ao governante. 


À medida que os anos avançavam Qin Shi Huang passou a aceitar tratamentos alternativos. Que não trouxessem imortalidade, ao menos eles deveriam prolongar sua existência. Um desses remédios era uma mistura conhecida como cinabar, basicamente sulfito de mercúrio, que inalado na forma de gás, teoricamente lhe daria muitos anos de vida. No entanto, ele fazia justamente o contrário. Mercúrio é uma substância extremamente prejudicial à saúde e que não deveria jamais ser ingerida ou aspirada. O Imperador começou a ficar cada vez mais fraco e doente, possivelmente insano com a exposição ao mercúrio.

Na mesma época, um vidente fez uma previsão aterrorizante, disse: "Quando uma estrela cadente riscar o céu e se precipitar sobre o reino, o Primeiro Imperador morrerá e sua terra será dividida pela guerra". Qin ficou tão furioso com essa previsão que mandou decapitar o vidente e todos os que ouviram suas palavras. Contudo, o rumor já havia se espalhado pelo reino e todos observavam preocupados os céus. 

Nesse meio tempo, percebendo que sua passagem nesse mundo estava chegando ao inevitável fim, o Imperador decidiu construir um imenso mausoléu subterrâneo, tão grande que poderia servir como sua residência oficial no além. O projeto era grandioso e drenou ainda mais os cofres reais. A obra levou anos, mas quando foi concluída, o Imperador ficou plenamente satisfeito. Se não podia viver para sempre em um corpo físico, ao menos, ele existiria como um espírito numa morada à sua altura. Para proteger sua magnífica obra, ele encomendou a criação de nada menos do que 8000 guerreiros de terracota cada qual diferente entre si, armados e paramentados, eles formariam sua guarda pessoal. Até hoje, o complexo não foi inteiramente explorado.    

Diz a lenda que um meteoro caiu nas proximidades do Rio Amarelo pouco depois da conclusão do mausoléu, e que o Imperador ficou tão aterrorizado que morreu dias mais tarde. Na realidade, sua morte aconteceu em face dos estranhos tratamentos aos quais ele se sujeitou, sobretudo ao uso contínuo de vapor de mercúrio que gradualmente o envenenou. 

Qin Shi Huang, o Primeiro Imperador da China, não tinha mais do que 49 anos quando morreu.

No vácuo deixado pela morte do "Imperador Imortal" houve uma sangrenta Guerra Civil e facções disputaram entre si o que havia restado do Império consolidado. A Guerra dividiu o reino e por muito tempo ele voltou a ficar partido. No fim, o Império Chinês assistiu a formação da Dinastia Han que governaria então o país.

É irônico que a busca pela imortalidade tenha sido um dos fatores que mais contribuiu para a morte do Imperador relativamente jovem. Essa narrativa permanece como uma curiosidade histórica que mais parece uma fábula fantasiosa, contudo, a quantidade de documentos comprovam que tudo, de fato, aconteceu. 

A busca pela imortalidade continua até hoje. Afinal, que homem não gostaria de viver para sempre com saúde plena e perpétuo bem estar? Entretanto, ninguém procurou tanto por isso, nem de maneira tão apaixonada, quanto o Primeiro Imperador da China. Podemos nos perguntar se ele, em algum momento dessa ou da outra vida, se arrependeu de sua busca, mas estas são coisas das quais jamais saberemos. 

Essa permanece como uma história imortal de obsessão e loucura e assim ela será lembrada... 

Pela eternidade! 

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