Imagine uma coisa não-humana compelida a vagar eternamente. Um monstro que embora pareça um ser humano, não é. Uma abominação que não está viva, existindo em uma fronteira indefinida entre vida e morte, condenada a perambular pela escuridão sem um destino certo. Forçada a se alimentar da vida alheia deixando um rastro de vítimas inocentes.
A maioria das pessoas não teria dúvida em dizer que essas palavras se referem aos vampiros.
Mas estariam errados... estamos falando dos Draughr.
O Draughr também é um tipo de morto-vivo, mas embora ele tenha uma série de peculiaridades em comum com as lendas dos vampiros clássicos, ele é algo diferente desses monstros sedentos de sangue. Uma variação que contribuiu para a lenda e emprestou características que seriam séculos mais tarde incorporadas ao mito como conhecemos hoje.
Para conhecer a origem do Draughr é preciso voltar no tempo, cerca de 1200 anos e visitar a Escandinávia, uma terra de grandes belezas naturais, mas também de frio, neve e escuridão. Na Idade Média, a terra natal dos nórdicos era um lugar duro, violento e cheio de superstições, muitas das quais enraizadas na sociedade e tratadas como verdade incontestável. O riquíssimo folclore desses povos contemplava um sem número de deuses, entidades, seres sobrenaturais e monstros, a maioria deles incrivelmente assustadores. E quando a escuridão chegava, tudo o que restava era atiçar o fogo e esperar que as coisas horríveis lá fora, ficassem longe.
Também conhecidos como Aptr-Gangr (que pode ser traduzido como "aquele que anda depois de morto"), o Draughr, era um espírito particularmente temido.
Segundo a crença eles eram espíritos especialmente malignos e sanguinários. Indivíduos que levavam uma existência marcada por assassinato, sadismo, crueldade e perversão tinham grandes chances de ao morrer retornar como esses espíritos impuros. A entidade normalmente assombra campos de batalha abandonados e lugares que testemunharam uma grande mortandade. A criatura é atraída pelo fedor dos cadáveres em decomposição, pelo sangue derramado e pelo lamento dos feridos. Uma vez encontrando corpos suficientemente inteiros, ele se apossava dele, entrando pela boca e pelas feridas abertas. Uma vez no interior do cadáver semi-apodrecido, o espírito começava a reanimá-lo, fechando feridas e regenerando os tecidos. A presença do espírito podia ser percebida através de fios de névoas se erguendo de um cadáver insepulto. Por essa razão, a maioria dos campos de batalha eram limpos no máximo em uma semana e os cadáveres dos combatentes mortos, incinerados em grandes piras funerárias. Se não fosse possível queimar um cadáver, estes deveriam ser enterrados no solo na horizontal. Se um corpo fosse colocado ainda que discretamente em um ângulo, isso já poderia ser um risco.
Enfim, se o cadáver não recebesse o devido tratamento, e fosse possuído por um desses espíritos, ele estaria fadado a se erguer como um pesadelo morto-vivo: um Draughr.
Segundo a lenda, o Draughr possuía força sobre-humana, equivalente a cinco guerreiros. Em algumas lendas o cadáver também crescia e se tornava uma espécie de gigante com quase três metros de altura. O fedor pútrido reminiscente de um matadouro os acompanhava onde quer que fossem, e podia ser detectado à distância revelando a presença da criatura, o que podia salvar a vida dos que cruzavam seu caminho. Apesar de sua aparência grotesca, os Draughr eram maquiavélicos e agiam quase sempre acobertados pelo véu da noite, espreitando à distância suas presas. Por usar o manto da noite em seu benefício, alguns acreditavam que eles eram repelidos pela luz do sol, mas tal coisa não era necessariamente verdade. O monstro podia andar durante o dia, embora isso o deixasse enfraquecido.
Uma vez tendo escolhido seu alvo, o Duarghr se aproximava para atacar. O grande problema é que eles não se contentavam com uma única morte. Quando faziam sua primeira vítima, eram tomados de um frenesi assassino incontrolável que os compelia a seguir matando quantas pessoas estivessem ao seu alcance. Famílias, por vezes, vilarejos inteiros podiam ser massacrados por um Draughr. Homens, mulheres e crianças eram vítimas em potencial, mesmo bebês eram mortos, engolidos inteiros como uvas.
Sendo um morto vivo, a criatura realmente não carecia de alimento, mas mesmo assim ele encontrava enorme satisfação em beber sangue. Seu método favorito consistia em fazer um talho na jugular da vítima, virá-la do avesso e sorver o sangue ainda fresco pelo pescoço. Essa parte da lenda pode ter contribuído diretamente para o mito do vampiro com sede de sangue, contudo, o Draughr não se contentava com isso. As lendas descrevem a natureza canibal desses monstros, interessados em morder e mastigar grandes pedaços de suas vítimas, como se fossem lobos ferozes. Um cenário visitado pelo Draughr é uma visão atordoante de perversidade hedionda. Outro método muito conhecido de matar envolve esmagar a cabeça de suas vítimas, apertando as têmporas até a cabeça estourar como um melão.
Um Draughr habita o corpo escolhido por meses, por vezes até anos, tempo o suficiente para promover horríveis chacinas. Entre uma matança e outra, o Draughr se dedica a construir um covil, que pode ser uma caverna, gruta ou ruína abandonada. Nestes lugares a criatura reúne valiosos tesouros e riquezas avidamente coletadas de suas vítimas, em especial joias e objetos de metal. O esconderijo de um Draughr esconde uma riqueza considerável.
Eventualmente, quando o corpo estava muito mutilado e apodrecido, o espírito voluntariamente escolhia abandonar o corpo e procurar por um outro que preenchesse suas especificações, Dessa forma, um mesmo Draughr podia existir por séculos, mantendo o mesmo covil e as memórias de seus maus atos. Uma particularidade curiosa é que um Draughr podia escolher ocupar um cadáver e deixar que animais selvagens dele se alimentassem, contaminando as feras com sua maldade. Dessa maneira, animais como lobos, ursos ou mesmo aves de rapina podiam se tornar armas nas mãos do espírito possessor.
Mas existiam formas de lidar com esse monstro.
Decapitar, queimar o corpo por inteiro e lançar as cinzas no mar ou então mutilar o cadáver arrancando pernas e braços, eram métodos válidos de destruir o Draughr para sempre. Uma forma peculiar de acabar com a ameaça envolvia usar uma tesoura feita de prata que era cravada no peito do cadáver ocupado pelo espírito junto com galhos de árvores sagradas. Se tal coisa fosse feita da maneira certa, o espírito ficaria preso no corpo e poderia ser enterrado ficando paralisado até que a tesoura fosse removida. De fato, algumas lendas diziam que um Draughr podia ser compelido à servidão por aquele que prometesse remover a tesoura de prata, devolvendo-lhe a vida. Na falta de um consenso sobre o melhor método, talvez fosse o caso de tentar todas as formas, apenas para ter certeza.
Eliminar o Draughr não era tarefa fácil e apenas os maiores heróis das sagas pareciam ter alguma chance de sucesso. E mesmo eles, precisavam usar todas suas habilidades para derrotá-los uma vez que os Draughr além da força e resistência sobre-humanas, tinham à sua disposição poderes. O mais impressionante deles sendo a capacidade de ficar invisíveis e se transformar em feras. Eles também podiam invocar nevoeiros e causar doenças apenas com um olhar.
As lendas foram carregadas pelos mercadores e guerreiros nórdicos e se espalharam por toda Europa. É possível que elas tenham sido a base para vários mitos relacionados ao vampirismo clássico. Na mitologia de muitos povos, os mortos-vivos são a representação máxima do egoísmo, daqueles que escolhem continuar existindo mesmo depois que seu prazo na terra deveria ter se encerrado. Assim como o vampiro, o Draughr é um monstro aterrorizante cuja maldade impacta a existência de todos que tem contato com ele.
E da mesma forma que o Vampiro, você detestaria acreditar que eles existiam.
Toop!
ResponderExcluirEsses seres me lembraram a mini-série da Marvel "Thor: Vikings"
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