terça-feira, 30 de março de 2021

Bonecas do Luto - Uma macabra forma de lidar com a tristeza


Como aconteceu em todas culturas, a Era Vitoriana foi marcada por suas próprias ideias e costumes particulares. Reconhecido como o período em que a Rainha Vitória reinou soberana sobre a Grã-Bretanha, entre 1837 e 1901, a era trouxe, entre outras coisas, novas práticas e formas de honrar os mortos. 

Embora a morte em tempos mais rígidos fosse considerada como uma punição impingida aos vivos, os Vitorianos tiveram uma mudança de atitude e se abriram a aspectos religiosos, morais e sociais que os fizeram compreender o "fim" sob outro ponto de vista. Eles se tornaram mais tolerantes e sua atitude geral passou a romantizar a morte e a necessidade de lidar com ela através de demonstrações de respeito e tristeza. Prestar homenagens se converteu na conduta adequada para os parentes enlutados que pranteavam seus mortos estimados. As pessoas passaram a vestir roupas sóbrias, a realizar cerimônias em suas casas, convidar parentes e amigos, além de utilizar jazigos reservados para seus familiares falecidos. Até então, os funerais se resumiam a um breve serviço religioso e o enterro propriamente dito. A maioria dos costumes que hoje reconhecemos como básicos no que diz respeito ao luto, surgiram nessa época e permanecem conosco desde então.

Foi esse ambiente que estimulou o surgimento de um dos mais bizarros costumes fúnebres, o de criar Bonecas de Luto. 


As Bonecas de Luto são definitivamente algo do passado, mas totalmente verdadeiras. Elas começaram a desaparecer na virada para o século XX, ainda que o costume tenha sido praticado por mais algum tempo. Uma vez que costumes funerários tendem a mudar, se adaptar e evoluir com o tempo, as Bonecas de Luto passaram a ser vistas como um anacronismo que felizmente caiu em desuso.

Mas do que estamos falando exatamente?

Populares no Período Vitoriano, quando a mortalidade infantil ainda era muito alta, Bonecas de Luto, Bonecas de Lamento ou ainda Bálsamo da Tristeza, eram modeladas com base em um bebê ou criança que tivesse falecido recentemente. Elas eram uma espécie de ferramenta para que as pessoas pudessem lidar com a sensação de perda experimentada. A ideia é que a Boneca serviria para aliviar a tristeza da perda como uma lembrança do falecido. Outro objetivo prático era fazer com que parentes pudessem ter uma ideia da aparência da criança falecida, visto que em muitas ocasiões sequer chegavam a conhecê-la. 

Extremamente realistas, as Bonecas de Luto eram criadas por artesãos profissionais para ressaltar detalhes do recém falecido. Essas efígies, por vezes em tamanho natural, tinham seus pequenos corpos feitos com cera, esculpidas em madeira ou ainda com couro. O tamanho deveria ser condizente com o falecido. Por vezes, bexigas de animais preenchidas com água quente podiam ser acondicionadas dentro delas para que o corpo emitisse calor. 


O rosto era cuidadosamente trabalhado, geralmente pintado em louça, e os artistas se esmeravam para transmitir um senso de vivacidade com expressões e olhos muito realistas. Finalmente, as Bonecas eram vestidas com roupas usadas pela criança e recebiam mechas de seus cabelos. No fim, elas pareciam perfeitas imagens das crianças mortas. As bonecas geralmente tinham uma expressão serena e de satisfação como se a morte tivesse transcorrido de forma tranquila. O custo para produzir essas bonecas variava, com os modelos mais simples sendo obviamente mais baratas, mas com as mais complexas custando verdadeiras fortunas. O grau de detalhe empregado ditava os valores. 

As famílias atingidas pelo luto mandavam fazer essas efígies e as deixavam em exposição durante o funeral e ao longo do enterro de seus filhos. Elas eram tradicionalmente colocadas sobre o caixão onde o cadáver repousava ou em uma cadeira próxima a ele. Por vezes, berços ou mesmo cestas podiam ser usadas com o mesmo fim de exposição, isso quando o falecido era um recém nascido. Era tradição que os parentes mais próximos  beijassem a boneca ou que tocassem a testa dela como um sinal definitivo de carinho. Outro costume curioso era que músicas, geralmente hinos ou mesmo canções de ninar, podiam ser cantadas pelos presentes.

Após a cerimônia fúnebre, as Bonecas de Luto eram levadas para casa, preenchidas com ervas aromáticas e perfumadas. Segundo o costume, quando o odor das ervas se esvaecesse, o que levava entre 5 e 10 dias, o luto poderia ser recolhido. As bonecas então eram entregues a um coveiro que as depositava em um espaço reservado na mesma sepultura que a criança.


Entretanto, nem sempre era isso que acontecia! 

Em raras circunstâncias, membros da família que levavam a Boneca de Luto para casa, decidiam ficar com elas indefinidamente. Nesses casos, elas eram colocadas nos quartos onde a criança dormia como uma lembrança perpetua, ainda que sinistra da tristeza manifestada por todos. Há muitos registros de pais e mães ao longo do século XIX que preservavam as bonecas por meses ou mesmo décadas, mudando-as de posição, trocando suas roupas e tratando delas como se estivessem vivas e representassem uma parte ainda conservada de seus filhos perdidos.

O costume era especialmente comum entre as famílias mais abastadas do Império Britânico. A Família de Lorde e Lady Holster, importantes nobres de Suffolk tinham não apenas uma, mas três Bonecas de Luto em sua propriedade, cada qual representando uma de suas crianças perdidas durante uma epidemia de cólera. Lady Melborough, outra importante senhora do período, lidava com seu luto cuidando de uma Boneca que representava o pequeno Frederich, seu filho morto aos 21 dias de vida.   

Outras crianças sobreviventes podiam receber as Bonecas de Luto e a enorme responsabilidade de cuidar delas, não como brinquedos, mas como representações de seus irmãos falecidos. Essas bonecas eram toleradas em cerimônias religiosas e em igrejas.

Embora aos nosso olhos pareça algo bizarro, a sociedade vitoriana não via o costume como macabro ou de gosto duvidoso. Tais demonstrações de tristeza eram toleradas pela maioria das pessoas que viam as Bonecas de Luto como uma expressão particular do pesar. 


As Bonecas de Luto tiveram seu auge entre os anos de 1830 e 1860, mas começaram a sumir quando outros costumes tipicamente vitorianos preencheram seu lugar. A criação de jóias funerárias, impressão de panfletos fúnebres e de broches para guardar fios de cabelos do falecido como recordação se tornaram bastante populares.

O método mais conhecido de preservar a memória de um falecido, foi o de fazer imagens funerárias, uma prática que ganhou espaço com o advento da fotografia. Os parentes mais próximos contratavam fotógrafos especializados em retratar os mortos e que se esforçavam para dar a eles uma ilusão de vida.

Não é de se estranhar que as Bonecas de Luto tenham se convertido na inspiração para diversas histórias e lendas a respeito de fantasmas e assombrações. Para muitos, bonecas são naturalmente assustadoras e várias das superstições que persistem até os dias atuais a respeito delas, vem desse período. A literatura fantástica tratou de associar à bonecas certa reputação, como se elas fossem causadoras de efeitos fantasmagóricos e catalizadoras de atividade sobrenatural. Hoje em dia, algumas Bonecas de Luto, criadas para expurgar a tristeza, estão entre os objetos mais assombrados.

sexta-feira, 26 de março de 2021

Mistério ao Mar - A conspiração para destruir o SS Morro Castle


Na década de 30, o transatlântico norte-americano de 150 metros chamado SS Morro Castle era o máximo do luxo nos Sete Mares.

Entre 1930 e 1934, o Morro Castle realizou várias viagens na linha entre Cuba e Nova York, atraindo uma constante clientela, mesmo nos duros anos da Grande Depressão. Seus ricos passageiros aproveitavam a viagem por águas internacionais para burlar a Proibição que estava em vigor no período. À bordo do navio jogo e bebida eram perfeitamente legais e a travessia até Cuba seguia em ritmo de festa sem hora para acabar. O navio tinha uma folha de serviço limpa, oferecia acomodações de alto luxo, era rápido, fazendo a linha em pouco menos de 60 horas, e contava com a procura de homens de negócios americanos e cubanos, além de turistas de todas idades. 

Mas tudo isso estaria para mudar, e o opulento SS Morro Castle, estaria destinado a se transformar em um grande mistério.

Em 8 de setembro de 1934, o navio partiu do Porto de Havana conforme o previsto numa viagem de retorno para sua casa em Nova York. Era uma viagem de rotina, embora o capitão da embarcação, o experiente Robert Wilmott, que havia feito a travessia incontáveis vezes, falecera na noite anterior, vítima de um ataque cardíaco. O Capitão foi substituído às pressas pelo seu Primeiro Oficial, William Warms. A despeito disso, a partida ocorreu sem nenhum contratempo, sem que ninguém pudesse prever a trágica sequência de eventos que estava prestes a se desenrolar. 

Tudo começou com uma tempestade de vento forte, seguido de um inexplicável incêndio que começou no compartimento de carga no deck inferior. O fogo foi alimentado pelos ventos, que ajudaram as chamas a se espalhar sem controle e causar um apagão em todo navio. Com a embarcação imersa na escuridão, com fogo e fumaça tomando conta de tudo, foi inevitável conter o pânico à bordo. A Guarda Costeira foi acionada para realizar a operação de resgate, mas os ventos e as ondas dificultaram a ajuda. Para piorar, o novo comandante mostrou-se incrivelmente incapaz de lidar com uma situação de crise. Ele cometeu erros fatais, como por exemplo, manter os motores em funcionamento e seguir a rota traçada, ao invés de rumar para a costa. O maior erro, no entanto, foi demorar excessivamente para emitir o sinal de socorro que só foi lançado 38 minutos após o início do incêndio. A essa altura, o Morro Castle já estava perdido.


Tornando as coisas ainda piores a tripulação do navio, em geral, era formada por pessoal inexperiente, muitos deles meramente desesperados por qualquer trabalho em meio a Grande Depressão. Muitos, jamais haviam trabalhado em alto mar. Medidas de precaução e de segurança não eram regulamentadas. As portas corta fogo eram de madeira, os alarmes de incêndio falhos e muitas mangueiras haviam sido removidas para não atrapalhar os passageiros. Quanto aos botes salva vidas, eles haviam recebido uma grossa demão de tinta semanas antes e estavam grudados de tal forma que solta-los era uma enorme dificuldade. Os treinos contra incêndio com a tripulação, obrigatórios desde o início do século, não haviam sido realizados e o pessoal de bordo sequer sabia como montar as mangueiras. Pior ainda, os coletes tinham amarras complicadas e muitos não sabiam como vestir o traje. Alguns se equivocaram de tal forma que ao invés de ajudar, os coletes acabaram provocando afogamento.

O Capitão Willmott tinha ordens expressas de agradar aos passageiros e tornar a viagem o mais prazerosa possível, por conta disso resolveu ignorar o protocolo que previa orientar os passageiros em caso de emergência durante a viagem.

No fim das contas, o navio inteiro era uma armadilha mortal. Os móveis e interiores eram decorados com madeira e o verniz os deixavam altamente inflamáveis. Segundo historiadores, em cada viagem, o pessoal de manutenção aplicava camadas de verniz para deixar os interiores em perfeito estado de conservação e brilho. Contudo, essas camadas extras serviram para alastrar o fogo e deixá-lo incontrolável. Foram tantas coisas erradas que desafiavam explicação, que tudo mais parecia uma trágica comédia de erros.


Em poucos minutos, o inferno tomou conta do Morro Castle. Os momentos finais da tragédia foram marcados pelo horror e caos, quando a situação se tornou um "cada um por si". Passageiros discutiam com tripulantes, os últimos salva vidas eram disputados com violência, pessoas foram pisoteadas enquanto outras saltaram para as águas geladas preferindo morrer afogadas ao invés de sufocar ou queimar.
   
Quando tudo terminou, os corpos de 137 passageiros e tripulantes, dos 549, possivelmente mais, estavam boiando nas águas turbulentas. O esqueleto chamuscado do grande navio foi arrastado até os bancos de areia de Asbury Park em Nova Jersey, de onde ele seria rebocado como uma enorme carcaça para ser desmantelado em águas rasas.  A visão da imensa embarcação na praia causava uma estranha sensação de perda e estranheza. As pessoas vinham de longe para ver o Leviatã enquanto ele lentamente se desmanchava.

Alguns estavam interessados em registrar com fotografias, mas outros queriam levar um pedaço do navio como lembrança de sua tragédia. A maré era tão baixa que as pessoas conseguiam andar até a estrutura do navio para tocá-lo, enquanto outros pagavam para se aproximar em botes alugados.

Eventualmente o navio foi rebocado e desmontado por equipes que removiam metal para ser reaproveitado. O navio ficou seis meses no ancoradouro. Os moradores locais se queixaram do fluxo de curiosos que vinham ver. Mas o que realmente causava incômodo era um carregamento de peles não tratadas que ficaram em um dos compartimentos de carga. A mistura das peles com água salgada causou um fedor de putrefação insuportável. Parecia que o navio era um gigantesco cadáver apodrecendo.


Enquanto isso, uma investigação foi iniciada para definir exatamente o que havia acontecido à bordo Morro Castle naquela noite fatídica. Teria sido um acidente ou alguém deveria ser culpado pela enorme tragédia?

Um dos pontos que geravam controvérsia era a súbita morte do Capitão, falecido na véspera da fatídica viagem. Parecia estranho que o Capitão Robert Willmott tivesse caído morto, vítima de um ataque cardíaco, especialmente pouco depois de realizar um exame físico que atestou sua saúde perfeita e nenhum histórico de problema cardíaco. Para tornar tudo ainda mais suspeito, o corpo de Willmott que deveria ser levado para os Estados Unidos para uma autópsia, jamais chegou ao seu destino. Muito se especulou a respeito do que aconteceu, mas a verdade é que não se sabe. O cadáver que deveria ser despachado, nunca o foi, e supostamente, por um erro grosseiro de documentação em Havana, ele acabou sendo enterrado como indigente.

Como uma falha dessas pode ter acontecido? Alguns suspeitam que uma autópsia revelaria a presença de alguma substância que causou a morte de Willmott. A suspeita se intensificou quando o nome de um tripulante, o Operador de Rádio George White Rogers começou a ser citado repetidas vezes.

No início, Rogers era tratado como um herói. Ele tomou a iniciativa de enviar o sinal de socorro, ainda que o Capitão tivesse ordenado que ele aguardasse. Sua ação provavelmente havia salvado muitas vidas. Ele parecia ser um dos mocinhos, mas para os investigadores contratados, havia indícios de algo estranho. Para começar, Rogers foi uma das últimas pessoas a ver o Capitão Willmott com vida. Isso não quer dizer muita coisa, mas quando o histórico do operador foi examinado, descobriram muitos indícios. A ficha criminal dele era extensa, mas de alguma forma ele conseguiu ocultar seu passado da companhia marítima. Rogers não era apenas um ladrão e assassino condenado, mas também já havia sido preso por sabotagem e por ameaças de terrorismo contra um antigo empregador. Ele chegou a formular um plano para incendiar um cargueiro em que trabalhava e só não levou adiante por ter sido denunciado por um comparsa preso antes.

As pessoas próximas a Rogers o classificavam como um sujeito estranho, irascível e propenso à violência. Muito inteligente segundo análises de perfil realizadas no exército, ele se graduou em engenharia como um dos primeiros de sua turma. No entanto, ele era famoso entre os colegas por arranjar brigas, beber e por ser extremamente vingativo. Em certa ocasião teria enviado a um professor com quem discutiu uma bomba. O comportamento dele seria condizente com o que chamamos hoje de sociopata.


A suspeita era que Rogers poderia ter envenenado Willmott e que teria provocado o incêndio criminoso, mas os investigadores não conseguiram encontrar provas e evidências, além das especulações. Ele não chegou sequer a ser processado pelos incidentes. Entretanto, curiosamente, ele viria a ser preso alguns anos mais tarde pela tentativa de assassinato de um policial. Na ocasião, Rogers construiu uma bomba com a qual pretendia matar o tenente Vincent Doyle. Ironicamente, Doyle era um colega de Rogers, já que este estava trabalhando para a polícia. Em meio a uma até então inocente conversa a respeito do incidente Morro Castle, Rogers teria se gabado de que poderia ter causado a tragédia usando acelerantes, compostos químicos e outros métodos típicos de sabotagem. Doyle começou a desconfiar do colega e que ele poderia ser o responsável pelo ocorrido. Rogers percebeu que havia se incriminado e preparou uma bomba que chegou a detonar no escritório de Doyle, mas que miraculosamente não o matou. No fim das contas, o Tenente conseguiu apontar quem teria colocado o explosivo e Rogers admitiu sua culpa, sendo condenado a 10 anos de prisão.

A pena foi cancelada para que Rogers servisse na Segunda Guerra, como engenheiro de explosivos (!) ensinando alunos a detonar pontes, construir bombas improvisadas e, entre outras coisas, sabotar navios. Uma de suas aulas teóricas envolvia detalhes de como provocar incêndios incontroláveis usando acelerantes. No fim da guerra, Rogers foi preso novamente por explodir a casa de um vizinho, matando duas pessoas. Ele morreu enquanto cumpria pena na Prisão estadual de Trenton. Todos os registros a respeito dele desapareceram pouco depois, supostamente por Rogers ter participado de operações secretas durante a Guerra. Alguns afirmavam que ele foi responsável por destruir quilômetros de estradas de ferro e pontes na Europa ainda sob domínio nazista. Infelizmente, ninguém sabe ao certo o que ele fez nos tempos da Guerra pois sua folha de serviços sumiu.

Quanto a culpa pela tragédia do Morro Castle, o Capitão suplente Warms, o Chefe Engenheiro Eban Abbott, e o Gerente da Linha e vice-president Henry Cabaud foram julgados e presos sob acusação de negligência criminosa. Eles foram condenados e mandados para a cadeia, mas não demorou até que recursos aliviaram a sentença e eles acabaram liberados. Algumas pessoas começaram então a suspeitar que havia uma conspiração interessada em acobertar os acontecimentos.   


Uma das suspeitas mais curiosas envolve acordos entre os governos dos Estados Unidos e de Cuba, na época aliados. Acredita-se que poderia haver um acordo para utilizar o SS Morro Castle para o transporte secreto de armas e munições. Segundo rumores, os Estados Unidos estavam financiando a entrega de armamentos para o governo da ilha enfrentar guerrilheiros desde o início do século. Mais sério ainda, as armas seriam despachadas para várias outras nações na América Central e Caribe. Haviam leis vigentes que proibiam a venda de armas, sobretudo porque os americanos estavam praticamente dando as armas de graça aos seus vizinhos. 

Para alguns, Rogers teria sido contratado por militares insatisfeitos com os acordos, para provocar a destruição do Morro Castle e acabar com a distribuição de armas. A suspeita de que Rogers era uma espécie de espião, treinado em técnicas de sabotagem sempre foi cogitada. Uma pena que ele tenha morrido na prisão, sobretudo, depois de conversar com um repórter investigativo que planejava escrever um livro sobre suas atividades. A morte de Rogers jamais foi explicada, ele foi encontrado enforcado no chuveiro da prisão. Ninguém sabe quem o matou ou por qual motivo. O repórter que entrevistou Rogers também teria morrido em um estranho acidente rodoviário, embora não haja muitas informações a respeito. Eles teriam sido silenciados por conspiradores interessados em manter segredo sobre suas ações ilegais?

Até os dias atuais, os registros a respeito da tragédia do Morro Castle permanecem secretos e não podem ser consultados pelo público. É outro mistério que chama a atenção: Por qual motivo registros sobre o acidente de um navio civil seriam arquivados sob ordens militares? Os registros deveriam ter sido liberados em 1987, mas uma emenda decidiu manter os arquivos lacrados até 2030, quase um século após os acontecimentos. O que os arquivos secretos contém e o que a investigação apurou?


Quem estaria disposto a esconder a verdade? Considerando o tamanho da tragédia e a comoção causada na época, seria justificável manter tudo por baixo dos planos, mas passados tantos anos, qual seria a razão para persistir o sigilo? Teria sido a conspiração algo tão grave e desprezível à ponto do segredo permanecer por tanto tempo? Setores do governo teriam ordenado a destruição do navio, ao custo da vida de inocentes, para esconder algum esquema?

Passados tantos anos, as respostas para essas perguntas, se é que existem, continuam nos arquivos lacrados. Contudo, não será de se surpreender que, ao chegar na data especificada para liberação das informações, estas sejam uma vez mais negadas. O incêndio do SS Morro Castle permanece como um mistério sem solução e tudo indica, assim permanecerá por muito tempo.     

quarta-feira, 24 de março de 2021

RPG do Mês: Guia do Investigador de Chamado de Cthulhu


Esses dias eu estava revisando algumas resenhas antigas e percebi uma falha imperdoavel. Desde o lançamento da sétima edição de Chamado de Cthulhu (daqui em diante CdC 7), eu havia deixado a resenha de um dos livros principais de fora, justamente o Guia do Investigador, espécie de irmão do Livro do Guardião.

Bem, por ocasião da pré-venda da versão em português do Guia do Jogador, anunciado pela Editora New Order esse é o momento ideal para reparar essa falta e colocar no ar a Resenha sobre esse livro. 

Então, sem perder tempo, vamos direto ao que interessa.

O mais importante que se precisa saber a respeito do Guia do Investigador de Chamado de Cthulhu é que ele não é um Livro de Regras. Esse papel pertence ao já citado Livro do Guardião, um tremendo tomo onde estão contidos todos os detalhes sobre regras e as diretrizes de jogo. Como o título sugere, o Guia do Investigador é voltado inteiramente aos jogadores. Para os que não são totalmente familiarizados com CdC (e a terminologia dos jogos com temática Lovecraftiana) um Investigador é o protagonista dessas histórias de Horror Cósmico. Estes personagens são um bocado diferentes dos heróis de RPG com que estamos habituados. Para começar eles não são exatamente heróis, no sentido da palavra. Estão mais para indivíduos curiosos e inquisitivos que buscam um conhecimento proibido, sedutor e perigoso - o Mythos de Cthulhu. Vagando por bibliotecas, ruínas e sítios arqueológicos, visitando países exóticos e fazendo contato com povos esquecidos, estes indivíduos acabam descobrindo a existência de um mundo secreto. E essa revelação vem acompanhada de perigos na forma de cultos, feiticeiros e monstruosidades. A carreira dos investigadores por vezes é curta, abreviada por circunstâncias aterrorizantes: pelo terror, pela loucura e pelas implacáveis criaturas e entidades que compõem essa mitologia em particular.



O Guia do Investigador concede uma fartura de detalhes e opções aos jogadores para melhor compreender quem serão os personagens que eles irão interpretar. Como surge um investigador? Como eles lidam com suas pesquisas? Como podem ter uma chance de sobreviver às terríveis experiências? Mais do que um livro de referência incrivelmente rico e maravilhosamente detalhado, o Guia permite aprofundar a interpretação, dá conselhos muito bem vindos e lança bases para compreender a ambientação na qual os personagens estão inseridos.

Os veteranos de CdC devem saber que versões desse mesmo manual foram lançadas para as edições anteriores, sendo que o primeiro deles data de 1990. Mas jamais o Guia do Investigador foi tão completo e teve um formato tão primoroso. Ao longo de 280 páginas encerradas em capa dura, coloridas e fartamente ilustradas, desfilam informações divididas em dez capítulos. A seguir, veremos o que o livro oferece capítulo a capítulo.

O Capítulo Um é uma "Introdução". Ele explica o básico a respeito do que é RPG e como transcorre uma partida de nosso hobby. Também fornece um exemplo de uma sessão de jogo que destaca as principais mudanças trazidas na nova edição. Não há alterações profundas entre a sexta e sétima edições, a maioria destas, são na verdade atualizações de elementos que estavam um tanto fora do contexto. De um modo geral, CdC 7 foi modernizado para atrair uma nova geração de jogadores, sem no entanto, fugir da proposta original a ponto de desagradar os antigos fãs. De muitas maneiras, o perfeito equilíbrio entre esses dois fatores foi vital para o sucesso alcançado pela sétima edição (a mais vendida desde a criação do jogo).



A Introdução é curta e lembra aos iniciantes do que eles irão precisar para jogar. Embora muitas pessoas torçam o nariz para esse tipo de conteúdo - afinal quem compra um livro de RPG geralmente já jogou ao menos uma sessão - o texto é útil para quem está chegando em nosso hobby cheio de dúvidas e questionamentos. O texto é bem escrito e não machuca ninguém ele estar lá como uma espécie de boas vindas aos recém chegados.

O Capítulo Dois tem como título "Horror de Dunwich". Ele é uma reimpressão de um dos mais conhecidos e elogiados contos de H.P. Lovecraft. Para recém chegados ele funciona como uma ótima introdução do que os investigadores irão encontrar em um típico cenário de CdC. É curioso, mas muitos iniciantes que desembarcam no RPG conhecem pouco ou praticamente nada a respeito do autor que inspirou sua criação. 

Conhecer a obra de H.P. Lovecraft não é um pré-requisito obrigatório para jogar CdC 7, mas com certeza ter acesso às suas histórias principais irá ajudar a entender qual a proposta do jogo. E nada mais justo do que apresentar "O Horror de Dunwich" como porta de entrada para o Universo do Mythos. De muitas maneiras esse conto guarda semelhança com o roteiro de uma aventura de RPG. Ele se encaixa bem na dinâmica de um cenário, com elementos bem definidos de como os personagens são atraídos para o mistério, como eles começam a investigar e como se dá o clímax, no qual eles precisam utilizar o que aprenderam para confrontar a terrível ameaça que se forma ao longo da trama. E se a presença desse conto aqui ajudar a gerar uma curiosidade a respeito do restante da obra de Lovecraft, tanto melhor.



O conteúdo do Capítulo Três está mais do que claro em seu título: "Criando Investigadores". Aqui o jogador é apresentado a um resumo completo de como construir seus personagens e torná-los únicos dentro da proposta do jogo. Desde o rolamento de dados e distribuição de pontos na lista de habilidades, até os toques finais que definem a "alma" do investigador através de seu Background, o capítulo é extremamente didático, sem jamais ser cansativo. Ele oferece um passo a passo que é perfeito para quem está começando, explicando o significado por trás de cada Atributo e o que os números significam. 

Eu sempre gostei de RPGs em que os personagens não se definem simplesmente por um número escrito em um pedaço de papel, a Ficha, e sim pelo que estes números representam na prática. O que torna um personagem forte ou fraco? Ágil ou inepto? Bonito ou feio? Culto ou ignorante? O texto se encarrega de explicar os pormenores de cada um dos oito atributos básicos e como eles serão usados no transcorrer de uma sessão. Novamente tudo é muito bem explicado, com direito a uma fartura de exemplos.

O Capítulo de Criação de Investigadores reprisa o método presente no Livro do Guardião, mas fornece detalhes adicionais e fala diretamente ao jogador. Também oferece regras opcionais que podem ser empregadas para facilitar o processo e permitem montar personagens mais rapidamente. Se você precisa de um investigador o mais rápido possível, poderá montar um em poucos minutos, seguindo as Referências Rápidas.


O Capítulo Quatro é um dos mais interessantes do livro no sentido que amplia enormemente o leque de ocupações para seus investigadores. Se o Livro do Guardião oferece uma ou duas dúzias de ocupações para os personagens, o Guia do Investigador expande essas opções para mais de uma centena. As "Ocupações" podem ser compreendidas de forma grosseira, como as "classes" dos personagens, aquilo no qual eles depositam a maior parte de seu treinamento, conhecimento e habilidades. A lista inclui do tradicional investigador Arqueólogo e Diletante, até profissões menos prováveis como Missionário, Perito Criminal, Fotojornalista e Espião.

Cada uma das novas ocupações é discutida e apresentada com parâmetros para serem usados que já fornecem as Habilidades Relacionadas, o Nível de Crédito, os Contatos sugeridos e os Atributos que irão gerar os pontos para distribuir. As diversas opções ocupacionais permitem que os jogadores interpretem o que bem entender, e se por algum motivo, alguém der pela ausência de uma ocupação há dicas para criar novas ocupações conforme a necessidade.

A lista define ocupações clássicas que funcionam perfeitamente num típico cenário de investigação e Horror Lovecraftiano. A maioria destas ocupações podem ser achadas no Livro do Guardião, mas aqui eles são analisados de forma mais criteriosa em um parágrafo ou dois. Se você quer, por exemplo, interpretar um Militar, encontrará as informações no Livro Básico, mas se quiser algo mais específico, como um aviador, marinheiro ou fuzileiro naval, aqui achará todos os detalhes pertinentes.


O Capítulo Cinco cobre as Habilidades e tem como título... bem, "Habilidades". Aqui você encontrará uma lista de todas as habilidades presentes na Ficha do Investigador (embora você sempre possa incluir novas se necessário). O capítulo se dedica a explicar o que significa cada habilidade, como ela pode ser usada e em que circunstâncias elas serão empregadas. Em um jogo onde as habilidades dos personagens desempenham um papel fundamental, o capítulo se mostra de enorme importância.

Muitas habilidades continuaram presentes na transição para a sétima edição, outras no entanto se fundiram em blocos, enquanto algumas simplesmente desapareceram. O jogador encontrará um repertório mais enxuto de habilidades, encompassando uma grande quantidade de perícias genéricas. Eu gostei como as habilidades de combate, antes quebradas em diferentes modalidades de ataque, foram agrupadas em uma mesma ação: "Lutar". Da mesma maneira, as habilidades que envolvem ciências foram aglutinadas permitindo que o jogador escreva aquelas que domina. Refletindo as regras clássicas, cada investigador possui uma base inicial, permitindo que o personagem use o senso comum para tentar ser bem sucedido num teste, mesmo que não domine o assunto. 

Uma das novidades a respeito da sétima edição diz respeito a "Forçar os Testes" e tentar, uma vez mais, obter uma informação ou ser bem sucedido em uma ação, arriscando para isso, recair num fracasso com severas consequências. As entradas oferecem ao jogador métodos de extrair o máximo possível de cada habilidade e fazer com que elas se tornem realmente amplas. 


Caixas de texto ao longo desse capítulo fornecem uma visão de como a habilidade era encarada no período clássico da ambientação, os anos 1920. Temos por exemplo, uma visão geral de como as habilidades "Dirigir" ou "Medicina" eram encaradas cem anos atrás: o que existia, o que se sabia e como um profissional que dominava esse conhecimento técnico se comportava no período. Uma verdadeira "mão na roda" para ajudar o jogador a inserir seu personagem na época. A aplicação da habilidade correta, no devido momento, poderá se refletir no sucesso de uma investigação ou no fracasso da mesma. Lendo esse capítulo, o jogador sem dúvida aumentará seu repertório de truques e empregará suas habilidades da forma mais adequada.                     

O Capítulo Seis tem o nome "Organizações de Investigadores" e trata exatamente disso. Um belo fluffy para os jogadores filiarem seus personagens em sociedades, grupos, fraternidades, clubes e outras associações que se dedicam a investigar o Mythos. Muitos jogadores e mestres iniciantes encontram dificuldades em juntar os personagens e fazer com que eles trabalhem como uma equipe no início de uma campanha. Esse capítulo ajuda justamente nisso, abrindo a filiação de grupos para os personagens. Além dos grupos prontos, alguns bem interessantes, outros nem tanto, o capítulo dá exemplos de como criar uma equipe de investigadores unificados, ao invés de um bando de desajustados que acaba se unindo pelas circunstâncias. Os conceitos são bem apresentados e os exemplos vão de companheiros de armas a membros de um mesmo espetáculo circense.

O capítulo também oferece alguns personagens prontos para serem usados pelos jogadores ou como NPCs em suas campanhas. É interessante, ainda que nem tudo tenha apelo ou se encaixe na sua mesa de jogo. É um capítulo divertido e vai dar algumas boas ideias.


"Vida como Investigador" é o título do Capítulo 7 e na minha opinião é o que tem a proposta mais atraente. Os tópicos discutem pormenores dos cenários: como transcorre uma investigação, quais são os objetivos, onde informações podem ser colhidas, como fazer planejamento e como processar as pistas encontradas para chegar a conclusão do mistério. É um capítulo muito divertido de ler e que explica aos iniciantes detalhes sobre a dinâmica de uma investigação: consultas a bibliotecas, arquivos públicos, jornais, cemitérios e outras fontes de pistas em potencial...  Também dá sugestões sobre como lidar com testemunhas, como extrair delas as informações desejadas e como estabelecer contatos que serão imprescindíveis para chegar ao fundo do caso.

Um importante fator discutido envolve a formulação de planos, já que qualquer plano (mesmo um mediano) tende a ser melhor do que plano nenhum. Em cenários investigativos as pistas raramente vem até os jogadores, eles precisam se concentrar em escavar as informações e estabelecer metas para encontrá-las. E uma vez descobrindo o bastante, é preciso determinar como lidar com a oposição. O capítulo trata de diferentes métodos, do emprego de armamento, magias, explosivos, disfarces e outras formas de atingir os objetivos. Mesmo o mais calejado dos jogadores, veterano de muitas investigações, irá se beneficiar com essas informações e dicas.

O Capítulo 8 é outra excelente adição à ambientação por tratar dos "Turbulentos anos 20". Tudo que você sempre quis saber a respeito da época em que se passa o jogo está ali, distribuído em tópicos para facilitar a consulta. Trata-se de uma visão histórica do período, cobrindo uma variedade de aspectos como questões sociais, tecnologia, economia entre outros assuntos pertinentes. Em uma palavra: Fantástico!


Se você estiver se perguntando se um equipamento existia em determinado período, que tipos de carros ou armas estavam disponíveis, quais os jornais em circulação, quanto custava  uma passagem de trem Boston-Nova York, tudo isso, você vai encontrar aqui. A pesquisa histórica foi bastante abrangente e com certeza tanto os Investigadores, quanto o Guardião, irão se beneficiar ao ler esse capítulo antes de começar a jogar. O trecho com as biografias de celebridades e pessoas importantes no período também concede uma visão ímpar de uma época que ajudou a definir o mundo moderno. Dentre os indivíduos presentes estão aventureiros, artistas, atletas, homens de negócios, criminosos, ocultistas e outras celebridades da década de 1920. O Capítulo é extremamente útil e com certeza concede um colorido todo especial à campanha, sobretudo aos Mestres que gostam de investir no realismo.
              
O Capítulo Nove reúne uma vasta gama de "Conselhos para os Jogadores”. São uma série de tópicos que ajudam a promover um jogo melhor e dentro da proposta original. Como lidar com desentendimentos com o Guardião, a diferença entre o conhecimento do personagem e o conhecimento do jogador, como estabelecer o tom e assim por diante. Existem também alguns lembretes divertidos, como "Não confie em armas" e como usar Testes de Idéia/ Conhecimento podem ajudar grupos que se encontram perdidos na investigação e não sabem o que fazer em seguida.

Talvez a parte mais importante do capítulo envolva como interpretar a Perda de Sanidade e a lenta (ou Deus nos livre, rápida) descida rumo à completa loucura que vem de mãos dadas com os Mythos de Cthulhu. As dicas são válidas para afastar o estereótipo de "personagens malucos" que muitos jogadores acabam incorporando e que soam ridículo em alguns momentos. A meu ver, os tópicos sobre insanidade neste capítulo são leitura obrigatória até mesmo para os veteranos, porque esse é um problema comum mesmo entre os jogadores mais experientes.


E finalmente, o derradeiro Capítulo 10 elenca numerosas "Referências" com uma longa cronologia de acontecimentos histórico entre os anos de 1890 e 2012. Fatos Relevantes, Conquistas, Guerras, Acidentes, Tragédias, Descobertas, Invenções e outros acontecimentos que marcaram esse período de tempo. 

A seguir, temos uma Lista Completa de Equipamentos, Itens e Armas muito útil para suprir os jogadores com tudo aquilo que eles precisarão antes de sair à campo e iniciar suas investigações. Temos seis longas páginas de estatísticas de armas e armamentos de diferentes épocas. Regras para adaptar seus personagens de prévias edições e modelos de fichas para o período clássico e os dias atuais encerram o capítulo. 

Ufa! 

Como se pode ver, é muito material e informação nessas páginas. A diagramação da Chaosium funciona bem, o livro é muito bem produzido e as ilustrações são belíssimas, com destaque para aquelas que introduzem os capítulos.

Embora o livro não seja estritamente obrigatório, os entusiastas de Chamado de Cthulhu acharão o Guia do Investigador um acréscimo interessante e útil para sua mesa. É um livro de referência que fornece recursos para abrilhantar a Ambientação. Além disso, as muitas sugestões e dicas fazem com que ele possa ser usado em outros jogos se passando no início do século XX. Da mesma maneira, os tópicos sobre como gerenciar uma aventura investigativa e administrar uma campanha, também serão válidos para outros jogos.

Eu considero uma ótima aquisição.

O Guia do Investigador de Chamado de Cthulhu pode ser comprado na página oficial da Editora New Order, no link abaixo:



E aqui vocês podem assistir um vídeo com o tradutor do Guia do Jogador, Renan Barcelos que fala um pouco a respeito do livro.


O Renan tem um canal onde fala de literatura e quadrinhos, se quiserem olhar, só ir no link: LINK: Um Fracasso de Público

domingo, 21 de março de 2021

Mestres Metafísicos - Um bizarro culto dos anos 1930 e seu Bebê Imortal


Imortalidade tem sido uma busca incessante do homem desde o início dos tempos. Não faltam exemplos de pessoas ao longo da história que afirmaram ter encontrado uma maneira (geralmente estranha) de alcançá-la.

Nossa bizarra história começa com um homem chamado James Bernard Schafer. Nascido em 1896, ele era bem educado, rico e com graduação como médico PhD. Infelizmente era também membro ativo da Ku Klux Klan. Além disso, estava ligado a estudos do paranormal, esoterismo e ocultismo. Na década de 1920, Schafer começou a chamar a atenção das pessoas ao criar uma organização chamada Fraternidade Real dos Mestres Metafísicos, um grupo com um estranho ditado que resumia sua área de atuação: "Nosso trabalho é ajudar pessoas a ajudar a si mesmas".

Embora a Organização fosse voltada para "ajudar", ela estava muito mais para um tipo de culto. E foi com a criação desse grupo que Schafer realmente começou a se desviar na direção de coisas bizarras, levando a um caminho sem volta através de práticas místicas, comportamento perigoso e um plano que visava criar uma criança que viveria para sempre.

Nessa época, Schafer chamava a si mesmo de "O Mensageiro", e estava fazendo algumas alegações improváveis. Ele dizia ter poderes sobrenaturais, sendo capaz de ler mentes, curar doenças e o mais espetacular, "desmaterializar" objetos e pessoas que escolhesse. Schafer desfilava na sede do grupo com um terno branco imaculado, vestindo óculos escuros e tendo um sorriso misterioso. Os demais membros esperavam que ele fizesse constantes revelações, e ele os respondia com discursos motivacionais enigmáticos. Para qualquer pessoa ouvindo seus conselhos, aquilo claramente não passava de bobagem, mas Schafer conseguia soar razoável. Pior, ele era convincente e persuasivo!

A Organização foi se tornando então cada vez mais misteriosa, apresentando crenças e rituais secretos exclusivos para os iniciados. As aulas e seminários aconteciam em sedes da Organização que começou a se espalhar rapidamente, conquistando popularidade. Revelar sua doutrina era estritamente proibido e aqueles que desafiavam as regras do culto, podiam ser repreendidos ou até banidos. 

James Schafer, médico e psiquiatra de sucesso

Uma das doutrinas centrais dos Mestres Metafísicos envolvia a crença de que doenças, problemas mentais e a própria morte nada mais eram do que estados de fraqueza que poderiam ser afastados através de um condicionamento mediúnico. Os membros aprendiam uma técnica secreta, supostamente criada no Oriente e ensinada a Schafer, que lhes permitia "destruir pensamentos negativos". Essencialmente eles acreditavam que um estado de meditação profunda lhes permitia apagar tudo aquilo que era indesejável na existência humana. Com a meditação adequada, era possível mergulhar em sua própria psique e extirpar lembranças desagradáveis, manipular memórias, curar qualquer doença conhecida pela humanidade e para os mestres, viver eternamente. Os "pensamentos negativos" eram expulsos através desse método de destruição  e como resultado era possível atingir incríveis resultados.

Schafer, ou melhor, o Mensageiro, afirmava que em seu transe era capaz de voltar no tempo, habitando o corpo de suas prévias encarnações, ascender a um nível de consciência que lhe permitia falar com os mortos, enxergar o invisível e até comungar com seres superiores, Deuses de esferas distantes. Havia, no entanto, algumas regras a serem seguidas para que a frequência mediúnica ideal fosse atingida: nada de álcool, café ou cigarros. Castidade e obediência estrita aos preceitos estabelecidos. A doutrina também impunha uma dieta vegetariana que condenava o uso de sal e de uma vasta quantidade de alimentos. A comida disponível para os membros do culto tinha de ser produzida especificamente pelos "Preparadores" que trabalhavam para os Mestres Metafísicos. O alimento processado e vendido aos membros, aprovado pela Ordem, tinha todas as substâncias necessárias para limpar o corpo das toxinas negativas. A substância semelhante a leite em pó supostamente era criada por um método conhecido apenas pelos Mestres. Se a pessoa não gostasse daquilo, podia também jejuar até quase morrer de fome. Isso também funcionava!

Os membros se reuniam ao menos uma vez por semana nas sedes chamadas de Templos Metafísicos ou Casas de Transformação. Nessas ocasiões aprendiam técnicas de meditação, transe, expansão da mente, lançar-se no passado remoto, no futuro distante e finalmente a destruição dos pensamentos negativos. É possível que muitos dos rituais ocorressem com pessoas em um avançado estado de desnutrição e desidratação, que poderiam ser assim mais facilmente manipuladas. É possível ainda que os Mestres fizessem uso de drogas para manipular o comportamento e até de hipnose. Fato é que muitos dos membros da Ordem alegavam viajar através do tempo e espaço, conhecendo lugares distantes e viver em eras passadas. Entre os testemunhos haviam aqueles que diziam ter visitado o Egito dos Faraós, a Corte de Elizabeth I, os tempos da Revolução Americana e a Idade Média. Um dos objetivos da Ordem era mapear todo o conhecimento e redigir um grande tratado de conhecimento e saber sobre a humanidade, uma Enciclopédia que relataria a história através de testemunho direto.

Todos os interessados em participar eram bem vindos na Fraternidade Real dos Mestres Metafísicos, mas o preço para receber o aprendizado era de 250 dólares para a primeira aula (algo em torno de 4 mil dólares em valores atuais). Dali em diante, doações eram bem vindas, algo chamado "oferta de amor", que podia tomar a forma de dinheiro vivo, objetos de valor e até mesmo a propriedade de imóveis. Foi com esse esquema que a Ordem conseguiu expandir seus templos e se tornar uma espécie de rentável máquina de fazer dinheiro. 

Schafer e seu plano mais ambicioso

Muitos podem se perguntar como alegações tão bizarras feitas por alguém excêntrico como James Schafer podiam soar convincentes, mas esse é o perigo dos cultos. Seus líderes prometem mundos e fundos, que estão ao alcance dos que se dedicarem de corpo e alma à sua proposta. As pessoas, de certa forma, querem acreditar naquelas promessas e se dedicam de corpo e alma a elas. Se por acaso não atingem o efeito desejado, são convencidas de que não se dedicaram o bastante.

Foi com essa proposta que Schafer arregimentou uma legião de membros que eram separados em três graduações: Estudantes, Adeptos e Mestres Metafísicos. Em meados de 1930, a Ordem contava com milhares de seguidores dispostos a sustentar as necessidades do Culto. Mais incrível ainda, a medida que os membros iam se destacando, Schafer os convencia a trabalhar de graça para a Ordem como "professores". Através de uma "Rede Cósmica" eles eram levados a acreditar que podiam espalhar os ensinamentos para novos alunos. Não havia "salário" ou qualquer compensação por esse serviço, nada além de outro dogma convenientemente chamado de "passar a mensagem adiante". Anualmente ocorriam festivais em que cada candidato a Mestre Metafísico precisava doutrinar ao menos uma centena de novos membros afim de se graduar. E os proponentes conseguiam muito mais!

Através de doações e "certificados da irmandade", que custavam 100 dólares, a Ordem obteve muito dinheiro até que eventualmente em 1938, Schafer pode comprar um opulento terreno de 24 acres vizinho da Propriedade do milionário William Kissam Vanderbilt em Long Island. Lá ele criou o primeiro retiro da Ordem chamado de "Paraíso da Paz". O grupo também adquiriu o Teatro Adelphi em Nova York, mudando seu nome para "Centro Radiante", realizando lá seminários toda semana. 

Schafer até buscou isenção fiscal alegando ser um "Líder Religioso", ocasião em que se gabou de ter mais de 100 mil seguidores em todos os Estados Unidos e partes da Europa. As atividades da Ordem a essa altura já haviam se tornado conhecidas e atraíam a atenção da imprensa que tentava desmascarar sua verdadeira face. A revista Time chamou os Mestres Metafísicos de "uma mistura bizarra de Rosacruz, Ciência Cristã, Ficção Científica e Culto de auto aperfeiçoamento" que se valia de métodos perigosos para ludibriar seus membros. Havia suspeita de que membros eram impedidos de deixar as sedes e templos, além do uso corriqueiro de coquetéis de drogas para condicionamento mental.


Mas quando aparentemente não parece ser possível tornar tudo ainda mais estranho, surge um detalhe que colocaria os Mestres Metafísicos entre os cultos mais estranhos de que se tem notícia. Como sempre, a ideia partiu de James Schafer e envolvia criar uma Criança Messiânica Imortal.

Em 1939, Schafer deu início a seu bizarro experimento tornando-se o Guardião Legal de uma bebê de três meses chamada Jean Gauntt. A mãe de Jean permitiu que a Ordem assumisse todos os aspectos educacionais da criança para que desse a ela uma vida que ela mesma, uma pessoa pobre, seria capaz de oferecer. Longe de ser um gesto de boa vontade, o plano do Mensageiro era criar a criança através do Método Metafísico, uma forma de criação que faria da "Bebê Jean" uma espécie de Messias para a Ordem. Ela jamais conheceria dúvidas, teria acesso a todo conhecimento e para todos os efeitos, jamais conheceria doenças, visto que seria virtualmente imortal. A Bebê Jean seria a real herdeira da Fraternidade dos Mestres Metafísicos e sua redentora para a eternidade. Era uma maneira de explicar convenientemente porque Schafer, o Mensageiro em pessoa, continuava envelhecendo. Na sua concepção, ele havia obtido o saber tarde demais, e apenas a preparação de uma criança desde a sua tenra idade, geraria o Messias almejado.

Para os iniciados, Schafer dizia que Jean seria responsável por "abrir a mente da humanidade", "revelar as verdades mais profundas" e "destruir de uma vez por todas os pensamentos negativos". Ela seria capaz de abrir o canal dos homens com suas encarnações através das eras, estabelecendo o vínculo de cada pessoa com suas múltiplas encarnações, fazendo com que os membros pudessem compartilhar seu saber e viver eternamente, quando e onde, bem entendessem.

Scahfer teria dito em uma entrevista concedida em 1940:

"Não posso imaginar maior dádiva para a humanidade do que a que estou oferecendo. Essa criança irá triunfar sobre a morte. Um bebê é como uma tela em branco, ela aprenderá as doutrinas e naturalmente irá se desenvolver até o ápice, tornando-se o indivíduo mais importante de todos os tempos". 


A Bebê Jean foi transferida para a Sede do Paraíso da Paz onde ficaria sob a atenção solene dos Mestres Metafísicos, os únicos que tinham permissão para ficar com ela. A criança receberia a "Dieta da Eternidade" e absorveria o saber através das palavras dos Mestres 24 horas por dia. Ela seria treinada em técnicas mentais que removeriam de seu corpo e mente qualquer sinal de doença. Para os membros do culto, a Bebê Jean era a representação de suas esperanças e de tudo que a ordem propagava. Sua imagem era vendida para os novos membros como uma verdadeira redentora. 

Nas reuniões, os Mestres apresentavam um relatório dos avanços obtidos. A Bebê supostamente aprendera a falar com apenas 4 meses, era capaz de raciocinar como um adulto, mostrava pleno discernimento da sua condição superior e em pouco tempo estaria pronta para se dirigir aos seguidores. Extra oficialmente corriam rumores ainda mais bizarros: a Bebê era capaz de ler a mente das pessoas, de argumentar como um filósofo treinado, flutuar no ar, mover objetos sem as mãos e de se projetar mentalmente no passado e futuro.

Contudo, apesar de todas as aspirações, o experimento de James Schafer, o Mensageiro dos Metafísicos duraria apenas 15 meses. 

Em dezembro de 1940,a  mãe verdadeira da Bebê Jean mudou de ideia a respeito do papel de sua criança como Messias, exigindo que ela lhe fosse devolvida. A mãe estava sendo impedida de ter contato com a criança e ela alegava que as promessas feitas pela Ordem não estavam sendo seguidas. Auxiliada por um grupo de advogados contratados e pagos por setores da mídia, em especial jornais, a mãe conseguiu levar o caso até a Corte de Justiça. 

Num tumultuado julgamento, vários ex-membros da Ordem foram trazidos para prestar depoimento, relatando quais eram as bizarras crenças e doutrinas da ordem. As revelações acabaram causando enormes estragos à credibilidade do culto e arranhando sua base de seguidores. Pela primeira vez a ordem perdia membros à olhos vistos, junto com recursos financeiros que começavam a minguar. O Juiz pediu que a Bebê Jean fosse levada ao julgamento e os seguidores puderam ver pela primeira vez o bebê messias. Ficaram decepcionados ao constatar que se tratava de um bebê como qualquer outro, sem nenhum sinal da sua suposta inteligência superior. 

Bebê Jean e sua mãe unidas novamente

Entretanto, o testemunho que derrubou de vez a Ordem dos Metafísicos foi o do próprio James Schafer em pessoa, que chamado a falar em juízo acabou caindo em contradição em numerosos pontos. Ele foi tratado como uma fraude e como o pior dos golpistas, sendo em seguida acionado por milhares de pessoas que se diziam lesadas pelos seus esquemas. Por fim, os processos resultaram em sua condenação por sucessivos desfalques e roubo. Ele foi enviado para a Prisão de Sing Sing em 1942. 

Quando Shaefer foi liberado da prisão, ele abriu uma escola por correspondência para prosseguir em seus ensinamentos e também deu início a uma revista sobre a Metafísica. Ele continuou tendo um padrão de vida elevado, embora jamais comparável ao que ele desfrutou anteriormente. Em 1955, ele e sua esposa foram encontrados mortos na garagem de sua casa. Eles deixaram o motor do carro ligado e morreram por envenenamento causado por monóxido de carbono, deixaram uma simples nota de suicídio.

A Bebê Jean cresceu e teve uma vida relativamente normal. Ela eventualmente soube de sua estranha criação, quando era apenas um bebê destinado a se tornar o "messias da humanidade", contudo, como seria de se esperar não tinha qualquer recordação disso. Ela faleceu aos 74 anos após uma vida corriqueira na qual casou, trabalhou e teve filhos.

Surpreendentemente o Culto dos Mestres Metafísicos ressurgiu e desapareceu ao longo dos últimos 50 anos. Suas ideias estranhas foram propagadas, alteradas e reconfiguradas repetidas vezes, contudo ele não conseguiu o mesmo grau de aceitação ou de seguidores que teve nas décadas de 30 e 40. Hoje ele é apenas uma curiosa nota de rodapé histórica da qual poucos ouviram falar. Mas um dia ele foi o centro da vida de muitas pessoas.

quinta-feira, 18 de março de 2021

Oito Lendas Urbanas para tirar seu sono


Relatos adaptados por L.P. Giehl 

Nós todos já ouvimos histórias estranhas sobre o lugar onde vivemos. 

Essas histórias são contadas por pessoas mais velhas, compartilhadas na forma de rumores, circulam como boatos espalhados por aqueles que afirmam ter ouvido de mais alguém que por sua vez garante ser tudo verdade. Essas histórias não tem fundamento, não se sustentam a uma análise mais cuidadosa ou simplesmente parecem absurdas demais para se levar à sério. Ainda assim, tais histórias sobrevivem ao tempo, passadas de geração em geração, espelhando nossos medos primitivos, nossas suspeitas a respeito do desconhecido e nossos terrores mais profundos.

São as Lendas Urbanas que brotam espontaneamente e moldam o inconsciente coletivo dos que vivem nas cidades modernas.

Aqui estão oito relatos colhidos em diferentes lugares que mencionam coisas inexplicáveis acontecendo bem perto de onde escolhemos viver.     

1. O Playground do Menino Morto


Na época que eu vivia em Huntsville a casa dos meus pais ficava a uns 150 metros do "Playground do Menino Morto". Durante o dia era apenas um lugar com brinquedos de criança onde os pais deixavam seus filhos enquanto se ocupavam de alguma outra atividade. Mas as crianças tinham muito medo daquele lugar.
 
Entre elas corria um rumor mantido em segredo dos adultos. Diziam que uma criança havia morrido em um acidente nos balanços do playground. O assento de ferro do balanço havia atingido a testa do menino com violência e ele havia morrido na hora. Afundamento do crânio. As crianças não sabiam quem era o menino ou quando a tragédia havia acontecido, mas todos sabiam que era verdade. Ninguém duvidava! 

Falavam que o fantasma do menino ficava ali à noite. Eu sempre tive muito medo do playground quando era criança, sobretudo depois que escurecia. Meu terror era ainda maior porque eu podia ver da janela do meu quarto o playground depois que as sombras desciam sobre ele. Eu tomava cuidado para nunca olhar pela janela depois do anoitecer, principalmente quando o som de um balanço indo e vindo se fazia ouvir. Mais ainda quando um único balanço se movia enquanto os outros permaneciam parados na noite sem vento.
 
Era assim que eu sabia que o menino morto estava brincando no playground.

2. Velha Igreja 


Eu moro a pouco mais de 10 quilômetros de Stull, Kansas. Lá existe uma igreja muito antiga que está lá desde antes da cidade existir. Ninguém sabe exatamente quando a igreja foi construída e nem quem a ergueu. Ela não passa de uma ruína, e ninguém vivo lembra te ter visto o lugar de outra forma além daquele prédio decrépito em escombros. 
 
A maioria das pessoas ignora a Velha Igreja, como ela é geralmente conhecida pelos moradores. As portas e janelas ficavam lacradas com tábuas pregadas. Mas de vez em quando uma dessas tábuas se desprende e acabava atraindo algum vagabundo ou drogado. Também havia crianças que entravam no lugar como resposta a um desafio de coragem. Crianças fazem esse tipo de coisa às vezes!
 
Para todos os efeitos a Igreja está vazia, embora nem todos estejam inclinados a concordar inteiramente com essa afirmação. Dizem que o lugar é assombrado e que nos fundos existe uma escada que conduz para um porão escuro, úmido e cheio de bolor. O lance de escadas tem apenas seis degraus, mas quem foi até a Velha Igreja de Stull, depois do anoitecer, conta uma história diferente. Dizem que meia noite, a escadaria se torna mais longa e que ela não conduz para um porão, e sim para um lugar muito mais sinistro e perigoso. 

Os boatos dão conta que a escada desce até o Inferno e que quem vai até o último degrau consegue ouvir os sons das máquinas diabólicas trabalhando sem parar, torturando as almas dos condenados. É possível sentir um fedor de podridão misturado com fumaça e a impressão é que o lugar é muito mais quente que no alto.
 
Os moradores de Stull dizem que mais de um vagabundo se perdeu ali embaixo. Eu já ouvi histórias de crianças que entraram ali e nunca retornaram, que desceram as escadarias e nunca subiram de volta. Verdade ou mentira, Lenda Urbana ou invenção, eu não desceria essas escadas por nada nesse mundo.
 
Não me considero uma pessoa supersticiosa, mas alguns anos atrás, a Diocese mandou três padres visitarem o local para considerar uma reforma da igreja. Mas algo esquisito aconteceu! Os religiosos, depois de entrarem no prédio e explorar seu interior julgaram que a Igreja não deveria ser reaberta. O que realmente chamou a atenção é que na semana seguinte mandaram lacrar as portas e as janelas com tábuas novas e reforçadas. Até aí tudo bem, mas o esquisito é que nessas tábuas estavam entalhados algumas coisas esquisitas: cruzes e símbolos religiosos. 
 
Eu confesso que não acreditei quando ouvi essa história pela primeira vez, mas certo dia, reuni coragem e fui até lá dar uma olhada. E com meus próprios olhos vi que cada tábua possui aqueles mesmos símbolos que na minha opinião estão lá não para impedir que alguém entre, mas para evitar que alguma coisa saia.

3. A Ponte sobre o Rio Overtoun


Existe uma ponte sobre o pequeno rio chamado Overtoun que limita o distrito de mesmo nome em Aberdeen. Diz a lenda que se alguém deseja cruzar essa ponte após o anoitecer, deve pedir permissão a um troll que vive em baixo dela. A lenda é antiga e bastante difundida entre os habitantes locais, remontando à Idade Média. Para ter a permissão do troll basta parar no começo da ponte e perguntar em voz alta: "Posso atravessar, por favor?"

Se ninguém responder, considera-se que o Troll lhe deu permissão e não lhe fará mal algum. Acontece que nem todas pessoas respeitam esse costume secular.

Coincidência ou não, a ponte é um lugar infame pelo grande número de pessoas que despencam lá do alto, direto nas águas geladas do Overtoun. As autoridades dizem que são suicídios e que não há qualquer relação com a lenda. Mas ainda assim, a maioria das pessoas prefere pedir permissão antes de cruzar a ponte. 

4. A Mulher da Poinciana


Eu e meus colegas estávamos servindo em uma Base americana nas Filipinas e já havíamos ouvido a história várias vezes. Era uma história de fantasmas que mencionava a Mulher da Poinciana, uma árvore bastante comum no país. Segundo a lenda, durante a ocupação japonesa na Segunda Guerra, uma mulher local havia sido estuprada por soldados japoneses. Quando ela descobriu que estava grávida, em desespero se enforcou numa frondosa Poinciana.

Segundo as histórias, o fantasma dela vaga sem destino próximo de bases militares e quartéis. Dizem que era uma mulher jovem, de grande beleza e delicadeza que atraia os soldados com seus encantos. No entanto, aquele que se aproximava vê sua verdadeira aparência: um espectro pálido de olhar enlouquecido, com a boca escancarada de onde pendia a língua e o pescoço partido num ângulo absurdo. A visão, segundo os rumores, havia enlouquecido um bom número de homens. 

É claro, ninguém levava essas histórias à sério, menos ainda, um colega nosso, o Cabo Will Myers.

Myers era uma espécie de conquistador e adorava se gabar de suas façanhas românticas. Quando recebia licença sempre saía em busca de companhia feminina. Uma noite, vimos Myers com uma moça de quem parecia bastante intimo. Na manhã seguinte o soldado Myers não se apresentou no quartel. A Polícia do Exército emitiu um mandato de prisão e começou a procurar por seu paradeiro. Todos ficaram preocupados, Myers estava a pouco mais de 4 semanas de ser transferido e parecia feliz. Não fazia sentido ele abandonar o posto. Todos temiam que algo ruim tivesse acontecido.

No final da tarde uma notícia deixou a todos chocados. O Cabo havia sido encontrado vagando sem destino em uma praia afastada. Um grupo de pescadores informou onde ele estava e os policiais militares foram prendê-lo. O homem estava fora fora de si. Gritava, cuspia e socava quem dele se aproximava de modo que quatro homens tiveram de imobilizá-lo. Dizem que ele foi colocado em uma instituição mental - que é um jeito polido de dizer "manicômio militar".

Ninguém, sabe o que aconteceu com ele ou o que o deixou daquela forma. Mas dizem que nos bolsos de seu uniforme rasgado foram encontradas folhas de uma árvore local.

Nossos superiores disseram que ninguém deveria comentar o caso. Quando dei baixa no serviço, tentei visitar Will Myers na instituição para onde ele havia sido transferido em Manila. Lá contaram que poucos dias depois de ter chegado, o Cabo havia morrido pelas suas próprias mãos: enforcado no galho de uma árvore no pátio interno da instituição. Eu estive lá e ainda me causa arrepios que a tal árvore, na qual seu corpo pendeu sem vida, fosse uma frondosa Poinciana.  

5. O Incêndio no Matadouro


Eu costumava viver perto de Statesboro Georgia e embora minha cidade natal não tivesse muitas lendas urbanas arrepiantes, havia uma história famosa a respeito de um matadouro abandonado numa rua que por sinal era conhecida como Rua do Matadouro. Ele havia sido construído nos anos 1920 e funcionou até meados dos anos 1940.

A lenda dizia que o dono do matadouro, o Sr. Sam Peckar encontrou sua esposa nos braços de seu melhor amigo. Os dois estavam enganando o velho Sam fazia tempo e pretendiam roubar o seu negócio. Furioso com a traição, o dono do matadouro atraiu o casal até o prédio e lá os matou. Para se livrar dos corpos, ele primeiro os esquartejou com um machado e depois os jogou num grande moedor industrial. As más línguas dizem que ele forjou uma viagem da esposa para disfarçar seu desaparecimento. A parte mais fantástica diz respeito a um grande churrasco dos funcionários que foi realizado poucos dias depois do crime. Uma vez que o sr. Peckar nunca havia feito uma festa daquela natureza, com comida livre, muitos suspeitavam da procedência dos hambúrgueres servidos na festividade.

Alguns meses depois, a polícia começou a suspeitar do sumiço da mulher e seu amante. O sujeito aparentemente havia deixado uma carta para ser aberta caso algo acontecesse com ele. A polícia começou a fechar o cerco ao sr. Peckar e quando este teve certeza de que seria apanhado decidiu destruir o matadouro. No porão do matadouro havia produto inflamável que foi usado para causar um enorme incêndio. Vários empregados morreram na ocasião, um incêndio que clamou também a vida do Sr. Peckar.

Depois disso, a polícia começou a ligar os fatos e muitas pessoas que participaram da festa da empresa sentiram um horrível mal estar.

O prédio ainda existe no mesmo lugar: abandonado, sem energia, telefone ou acesso. É uma ruína escurecida e tristonha que as pessoas preferem ignorar. No entanto, dizem que ocasionalmente dele emana um estranho cheiro de churrasco.   

6 - A Noiva


Eu moro em Worthington, Ohio e em nossa cidade casamentos não acontecem no dia 12 de maio.

Nós temos uma Lenda Urbana, conhecida desde o final do século XIX. Supostamente ocorreu um importante casamento que congregou pessoas importantes na cidade e dos arredores. Eram famílias ilustres e ricas que usaram a praça central para a recepção. Por uma série de infelizes eventos, um cavalo que seria o presente do pai do noivo para o casal se soltou e avançou na direção dos nubentes. Houve grande alvoroço, pessoas foram pisoteadas e quando a poeira assentou descobriu-se que a noiva havia sido esmagada pelos cascos do garanhão, morrendo imediatamente.

A cidade em choque lamentou a morte da jovem, mas a vida continua. Anos mais tarde um outro casal realizaria seu casamento na mesma igreja, na mesma praça e no mesmo dia 12 de maio. No fim do casamento, e diante da família e convidados ocorreu uma nova e inexplicável tragédia. Os cavalos que puxavam a carruagem que levava os noivos dispararam, fazendo com que ela tombasse. A noiva morreu uma vez mais. 

Dias depois dessa tragédia, uma prima da falecida noiva mostrou uma carta que havia recebido pouco antes do casamento. Nela a noiva mencionava que vinha tendo pesadelos recorrentes em que via uma mulher vestida de noiva montada em um grande garanhão com as patas sujas de sangue. Esta a advertia a não casar em 12 de maio. Ela decidiu desconsiderar o aviso.

Desde então, nenhum casamento em Worthington acontece nessa data.

7 - O Assoviador


Na Venezuela existe uma Lenda Urbana envolvendo um espectro conhecido como o "El Silbón", que significa "O Assoviador". 

Esse fantasma maligno é típico das planícies e pradarias na região de Llanos. Diz a lenda que em vida  ele foi um vaqueiro, como os que conduzem o gado do interior para as grandes cidades, indivíduos conhecidos como llaneros. Uma das características desses vaqueiros é que eles usam assovios para comandar os animais e fazer com que eles os sigam.

Certa vez um rebanho foi atacado por bandidos e estes capturaram os llaneros. Levaram os prisioneiros até um lugar deserto onde os mataram, seus corpos então foram descartados em um poço seco. Um desses vaqueiros assassinados, um homem famoso pela sua obstinação não aceitou o próprio destino. O desejo de vingança reanimou seu corpo que apodrecia no fundo do poço e ele se ergueu com sede de sangue.

Dizem que esse espectro parece um esqueleto vestindo os farrapos do traje típico de um llanero - colete, calças de couro e chapéu de aba larga que esconde sua face cadavérica. Em uma mão ele leva um chicote, na outra, um ferro de marcar gado. O fantasma persegue pessoas sozinhas na região de Llanos, confundindo estes pobres coitados que cruzam seu caminho com os bandoleiros responsáveis pela sua morte.

O apelido "Assoviador" pelo qual o espectro vingativo é conhecido se deve ao fato dele assoviar como se estivesse comandando o gado. Segundo rumores, aqueles que ouvem o longo silvo emitido por ele não conseguem se mover e ficam paralisados de medo. A criatura então se aproxima e usa o ferro em brasa para marcar a vítima antes de matá-la com vigorosas chicotadas que deixam as costelas expostas. 

Na região de Llanos as pessoas evitam assoviar, sobretudo à noite. Aqueles que ouvem um assovio típico dos condutores de gado sabem que é melhor correr, pois podem estar sendo perseguidos pelo Assoviador.

8. A Pavorosa


No folclore britânico existe um tipo de bicho papão muito antigo que os pais sempre usaram como incentivo para os filhos se comportarem. Seu nome é Black Annis, mas também a chamam de Black Agnes, ou simplesmente de Pavorosa. 
 
Ela é imaginada como uma mulher muito velha, enrugada e feia. Com longos cabelos brancos feito giz escorrendo do topo do escalpo seboso. Seu nariz nodoso é comprido, seus olhos sempre cobertos de remela e a boca repleta de fileiras de dentes afiados como os de um tubarão. A Pavorosa tem a pele azulada coberta de feridas causadas pelos arranhões que ela mesma produz, visto que suas unhas são feitas de metal. É claro, esse bicho papão adora comer crianças. Quando ela escolhe uma criança, ela vai até ela.
 
Eu cresci em Leicestershire ouvindo histórias sobre a Pavorosa. Mas diferente da maioria das crianças, eu sabia exatamente onde ela vivia e tinha um medo mortal de passar na frente de sua residência. Eu não lembro de alguma outra criança dizer que era aquele o covil da Pavorosa ou como vim a saber disso, mas não tinha dúvidas: aquele endereço tenebroso era onde ela vivia. 
 
O casebre caindo aos pedaços ficava nos limites da cidade, um lugar tristonho, envolto numa aura tão pesada que eu sequer conseguia respirar ao olhar na sua direção. Para minha infelicidade, eu passava diante daquele lugar quando ia para o colégio no ônibus da escola. Eu torcia para que o ônibus não parasse no sinal que ficava bem diante da casa. Quando isso acontecia, eu olhava para o outro lado. 
 
No dia em que tudo aconteceu, o ônibus parou bem diante da Casa da Pavorosa. Eu tinha um colega chamado Robbie que sempre sentava ao meu lado. Como sempre, ele conversava animadamente, brincava e ria, mas de repente Robbie parou de falar. Eu olhei para ele e percebi que algo estava errado: ele estava paralisado, seus olhos vidrados voltados na direção da casa. Sua boca ficou meio aberta num esgar e sua expressão era confusa, típica de quem via algo que não deveria estar ali. Algo dentro de mim não permitia que eu me voltasse, pois eu sabia que, se o fizesse, veria algo... pavoroso. 

Levou longos segundos até o veículo se mover. Nesse meio tempo, uma lágrima rolou pela bochecha de Robbie e uma mancha escura de urina se formou no calção do seu uniforme. Quando chegamos ao colégio Robbie foi levado aos gritos para a enfermaria e dali para casa. Eu nunca esqueci aquilo. 

O fato é que Robbie nunca mais voltou ao colégio. Nós não soubemos detalhes do que aconteceu. Os pais por vezes escondem de seus filhos aquilo que eles próprios são incapazes de entender. Eles sabem que mesmo com toda sua dedicação e cuidado, as crianças podem ser expostas ao horrores do mundo. Lembro que as aulas foram suspensas por alguns dias e que os pais foram chamados para reuniões no colégio. Também lembro que, depois disso, minha mãe passou a me levar para o colégio pessoalmente. Fazia eu descer do carro bem perto do portão de entrada e não ia embora até ter certeza que eu havia entrado. Normas de segurança se tornaram corriqueiras em nossa vizinhança.

Tempos depois eu soube, através de crianças mais velhas, o que havia acontecido com Robbie. Ele não saia mais de casa. Quando tentavam força-lo a sair, ele gritava em desespero e dizia que alguma coisa viria pegá-lo. Devem ter pensado que ele havia enlouquecido, mas então, Robbie realmente desapareceu sem deixar rastro. Sumiu do próprio quarto na calada da noite. As crianças se dividiam a respeito de quem poderia ter levado Robbie, há afinal inúmeros monstros que povoam a imaginação infantil. Os pais preferem crer em um sequestrador, um louco, um maníaco... algo de carne e osso. 

Quanto a mim? Bem, eu sabia muito bem o que havia levado Robbie. Eu sabia que ele havia visto algo naquele dia. E algo o havia visto também.

Dizem que quando a Pavorosa escolhe uma criança vai até ela.

E eu sei que ela veio para o Robbie.

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Bons sonhos...