quarta-feira, 9 de junho de 2021

Changeling - Quando o medo de ter as crianças levadas por Fadas era bem real


No mundo de hoje, os pais se preocupam se os seus filhos estão se alimentando de maneira saudável e recebendo uma boa educação. São preocupações básicas a respeito do crescimento e da felicidade de suas crianças. Ninguém diz que é fácil ser um pai moderno, mas, pelo menos, eles não precisam se preocupar com algumas coisas inusitadas, como um medo que já foi recorrente na Europa, o temor de ter seus filhos levados por Fadas. 

Embora o conceito de Changeling nos dias de hoje tenha sido relegado ao folclore, ele já foi considerado como uma grave ameaça para indivíduos supersticiosos. E não estamos falando da Idade Média, mas de uma época bem próxima. Mesmo entre 1850 e 1900, tribunais de toda Europa se ocupavam de lidar com casos de pessoas - muitas vezes pais e mães, que abusavam ou até matavam crianças, acreditando serem elas criaturas sobrenaturais.

De acordo com tradições difundidas em várias partes do continente, fadas não eram mero faz de conta, mas seres que existiam nas florestas, bosques e regiões intocadas do mundo. As pessoas mais simplórias, aldeões e camponeses, não duvidavam de sua existência e de fato, muitas acreditavam piamente que fadas estavam constantemente à espreita. Um dos grandes temores era que as fadas podiam entrar na casa de pessoas furtivamente para subtrair crianças. Elas faziam isso com o intuito de secretamente trocá-las por suas próprias crias, algo que os povos antigos davam o nome de changelin ou changeon, ou ainda, em inglês, Changeling (palavras derivadas do ato de "trocar"). 


A criança humana era levada para o Reino das Fadas, para ser transformada em serva, escrava ou ainda, ser adotada por alguma fada, enquanto que o Changeling - filho de um elfo, troll ou anão, era deixado como compensação, para que os mortais o criassem como seu rebento. Um encantamento era lançado sobre o changeling para que ele se tornasse parecido com a criança surrupiada. Embora ela parecesse humana e pudesse ser vista como tal, em essência, ele era uma criatura feérica. O encantamento por vezes, perdia sua força e quando tal coisa acontecia, surgiam indícios de sua natureza sobrenatural. 

Segundo a crença, Changelings podiam ser reconhecidos por desenvolver características peculiares, em especial deformidades físicas, corpos doentes ou ainda, um apetite incomum. No século XIX, os estudiosos reconheceram que histórias sobre tais seres surgiram a partir de casos de crianças deficientes ou com problemas mentais. As crendices e superstições tentavam explicar no campo sobrenatural porque algumas crianças eram diferentes. Uma criança com retardamento mental ou má formação, podia ser explicada pela troca executada por uma fada. Era comum que camponeses preferissem culpar fadas quando algo evidentemente estava "errado" com seus filhos. Era uma maneira de se eximir da "culpa" por ter gerado "crianças imperfeitas", algo visto com preconceito e desconfiança até bem recentemente. Lamentavelmente, a desculpa era usada para justificar o abuso e até a morte de crianças inocentes.

Um relato histórico vem do poeta e topógrafo inglês George Waldron. Enquanto trabalhava como oficial na Ilha de Man, o londrino Waldron escreveu em 1726 um livro sobre a história e cultura da ilha, intitulado "Descrição da Terra de Man". Nele criticava os habitantes supersticiosos e seus costumes. Waldron observou que a crença nas fadas permanecia bastante presente na sociedade local, algo que remontava à séculos antes. "A velha história de bebês sendo levados de seus berços", observou ele, "tem tanto crédito aqui, que as mães ficam aterrorizadas só de pensar que tal coisa possa acontecer com suas crianças".


Quando Waldron foi apresentado a uma criança tratada como um suposto changeling, ele a descreveu como tendo um rosto bonito e pele delicada. O menino tinha cinco ou seis anos, com membros longos e finos. Ele não falava ou chorava, quase não comia nada e era incapaz de andar ou ficar de pé. Quando o garoto estava sozinho, as pessoas que olhavam de sua janela o viam rir. Acreditavam que ele estava na companhia de fadas, que cuidavam do menino e brincavam com ele. As fadas, invisíveis para todos, se revelavam diante dos seus olhos, pois ele era, afinal de contas, uma delas.

Em outro exemplo, Waldron ouviu a história de uma mãe que afirmava ter sido continuamente atormentada por fadas. O problema começou pouco depois que ela deu à luz seu primeiro filho. Certo dia, a família ouviu gritos de alerta sobre um incêndio. Todos correram para fora para ver o que estava acontecendo, deixando a mãe e seu bebê sozinhos no quarto. Enquanto esperava, a mulher observou incrédula seu bebê ser pego por uma mão invisível e erguido no ar. Quando o resto da família voltou para dentro, não encontrando fogo em nenhum lugar da vizinhança, acharam a mãe aos gritos dizendo que haviam tentado levar seu filho. Naturalmente, as fadas foram culpadas por mover a criança de um lugar para outro e a teriam levado não fosse a mãe interceder.

Um ano após este incidente, depois do nascimento do segundo filho, a família ouviu uma grande comoção vindo do estábulo. Enquanto corriam para lá, a mãe e seu bebê foram mais uma vez deixados sozinhos. Dentro do celeiro, nada estava fora do normal. Tranquilizada, a família voltou para casa, onde encontrou a mãe em um estado que beirava a histeria. Ela afirmava que assim que saíram, uma força invisível carregou seu filho e o fez desaparecer. Tal como aconteceu antes, acreditava-se que tudo fosse obra do povo pequeno. 


Embora o marido e os demais familiares tenham apontado que o bebê ainda estava deitado no berço, a mãe estava convencida que aquele não era seu filho. A criança nos meses que se seguiram começou a mudar, se tornou o que chamavam de um "impostor magro e deformado", um changeling deixado no lugar da criança verdadeira. 

Waldron relatou que o menino viveu com a família por mais nove anos até falecer. Segundo eles, durante sua breve existência, o alegado Changeling "nada comeu, exceto algumas ervas e água. Ele também não falava, nem podia ficar de pé por conta própria". Embora o relato não detalhe a causa da morte, podemos tristemente concluir que ela sofria de algum problema físico e que foi vítima de negligência deliberada por parte da família.

Mas há outros casos notórios de crianças vistas com desconfiança, apontadas como Changelings. 

Na Alemanha, onde a lenda assume o nome de Wechselbalg, a crença continuou muito popular em áreas rurais, difundida até o início do século XX. Em 1897, uma família do vilarejo de Weisskirchen afirmou que seu terceiro filho havia sido trocado por uma criatura chamada Roggenmutter (um tipo de fada que vivia nos campos de centeio). A criança, um menino de 5 anos teria sido trocada em uma noite e substituída por outra, de aparência semelhante, mas diferente o bastante para que a mãe percebesse a farsa. O principal indício de que algo estava errado é que o menino pedia para ser alimentado apenas com leite (o alimento predileto das fadas) e que muitas vezes falava sozinha.


Segundo os registros da época, um padre e um juiz foram chamados para avaliar a situação. A mãe do menino queria permissão para abandoná-lo e de fato, o pai havia levado a criança para uma floresta com esse intuito, mas se arrependeu e retornou para buscá-la. Segundo os registros, as autoridades não deram autorização para que a criança (ou no entender dos pais, Changeling) fosse abandonada. Quando os pais disseram que não haveria outra opção a não ser colocar a criança em um forno aquecido para testar sua natureza, foi decidido que ela deveria ser levada para um orfanato para sua própria proteção. Mas nem sempre era isso que acontecia...

Na Irlanda uma das maneiras de fazer um Changeling revelar sua verdadeira forma envolvia expô-lo ao fogo de uma lareira crepitando com madeira cortada na lua cheia. Em algumas versões, a sombra da criança iria se revelar em sua forma verdadeira, expondo a farsa e provando que se tratava de uma criatura não humana. Mas haviam métodos mais assustadores, como ordenar que a criança segurasse ou colocasse na boca carvão em brasa. Se ela fosse um Changeling, iria assumir sua forma real e fugir, devolvendo a criança raptada em no máximo 24 horas. Só podemos imaginar quantas crianças inocentes sofreram provação semelhante. 

No folclore irlandês, as fadas também podiam substituir as crianças humanas por Changelings já velhos. Nesse caso, a troca podia ser descoberta através da observação do comportamento anormal da criança que passava a proferir palavras ou ter entendimento de coisas que uma criança não deveria saber. Uma forma de obrigar a criatura a revelar sua natureza envolvia tocar um instrumento musical diante dela. A fada podia se sentir compelida a dançar ou ela própria tocar o instrumento. Outra opção era oferecer uma dose generosa de bebida alcoólica e se negar a dar uma segunda dose, a não ser que o Changeling reconhecesse sua idade e nome real. De toda forma, essas fadas não sequestravam suas vítimas, preferiam matá-las e vestir sua pele como disfarce.


Na Escandinávia a crença em fadas sempre foi muito forte, e os Changeling ocupavam uma parte central das tradições locais. Na Suécia acreditava-se que Trolls eram os seres mais propensos a realizar a troca de suas crias por crianças humanas, isso porque Trolls sabidamente desejavam ter escravos humanos, em especial crianças com belas feições a seu dispor. 
Para evitar que as criaturas sequestrassem seus filhos, os pais colocavam objetos de ferro sobre o berço ou cama, como os móbiles existentes hoje em dia. O ferro frio podia afastar as fadas já que elas não suportavam o contato com ele. 

Também se encorajava realizar o batismo cristão logo depois do nascimento, pois segundo o folclore, trolls não gostavam de crianças cristãs. Finalmente, uma medida assustadora envolvia fincar uma agulha fina de metal na pele da criança e fazer esta atravessar de lado a lado, medida que desencorajava o sequestro e que podia revelar o disfarce de um changeling.

Ao menos entre os povos escandinavos vigorava a crença de que não se devia punir os Changeling, mesmo que se descobrisse sua natureza sobrenatural. Isso porque as fadas tratariam a criança sequestrada da mesma maneira, promovendo uma retaliação. Uma forma de reaver a criança envolvia levar o Changeling até uma floresta fechada ou um lago e forçá-la a enveredar por uma trilha ou mergulhar. Aquele que saísse dos ermos ou emergisse, seria a criança, e a troca seria desfeita.


Diz um ditado que ser pai ou mãe é alternar momentos de alegria com eterna preocupação. 

O receio de ter crianças levadas por fadas se manteve presente em várias partes da Europa até meados do século XX. Da Espanha à Polônia, da Alemanha ao País de Gales, as superstições se cristalizavam em um terror indisfarçável. Em regiões rurais isoladas somente a intervenção das autoridades realizando campanhas de informação, ajudaram a diminuir as superstições que até então reinavam absolutas. 

Pode parecer absurdo para nós hoje, mas não faz muito tempo, a simples noção de uma fada visitando uma casa causava enorme medo e apreensão.

3 comentários:

  1. Hoje, acredita-se que uma vacina te faz se transformar em um jacaré...

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  2. Engraçado que sobre a ideia de rapto é parecida com a história do rapaz deste vídeo https://www.youtube.com/watch?v=1lBq0QkeWQc em que falava que quando uma criança era escolhida em seu lugar colocava um pedaço de madeira e com ilusão as pessoas ao redor pensavam que seu filho havia morrido.

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  3. Medo de perder crianças todos nós temos. Quem tiver curiosidade, vá à minha página e leia sobre o Fute, que abre essa postagem.

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