segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Abrindo o Arquivo - Curiosidades e Detalhes sobre Arquivo 81


Arquivo 81, a série da Netflix abre com uma série relativamente normal, mas rapidamente se transforma em uma trama complicada entrecortada por várias linhas temporais, flashbacks e entidades sinistras que parecem habitar uma realidade própria. Nessa areia movediça sobrenatural caminha a desavisada estudante de pós-graduação Melody Pendras, com o objetivo de fazer um projeto de vídeo sobre o sinistro Edifício Visser e seus habitantes. Inadvertidamente ela é levada por um caminho sombrio que revela forças que ela sequer suspeitava existirem e nas quais jamais acreditou. Da mesma forma o arquivista Dan Turner, em 2019, também se vê arrastado para esse mesmo lamaçal, tentando desvendar através de fitas de vídeo uma conspiração aterrorizante.

No final dos oito episódios que formam a primeira temporada de Arquivo 81, algumas perguntas ficam em aberto e certas lacunas parecem surgir desafiando o espectador menos atento.  

O que é Baldung? O que diabos é a criatura conhecida como Kaelego? O que é o mofo preto que aparece em alguns momentos? O Edifício Visser de fato existe? A Sociedade Vos é baseada em alguma sociedade secreta ocultista do mundo real? E quanto ao Cometa Kharon?

Pensando nisso, reunimos algumas respostas para essas e algumas outras perguntas.

É claro, o artigo à seguir está repleto de SPOILERS e discute elementos narrativos centrais na trama. Se você está apenas procurando uma resenha que não entrega nada da 1ª temporada, vai encontrar aqui no Mundo Tentacular também. 

Mas daqui em diante, vamos falar de temas centrais que podem estragar o entretenimento alheio, então, esteja avisado:


O que é Kaelego?


Kaelego é um demônio que habita uma dimensão paralela à Terra e que é tratado como uma entidade de grande poder por cultos surgidos ao seu redor. 

Em Arquivo 81, Kaelego é sem dúvida um dos personagens centrais da trama e é ao redor dele que a maioria dos acontecimentos centrais ocorrem. Kaelego é tratado como uma entidade pan dimensional pelos seus seguidores que o veem como um Deus a ser venerado e que pode oferecer em troca diversos benefícios. Da mesma maneira que os Cultos Demoníacos do mundo real, Kaelego se torna a figura central para seus seguidores que se dividem entre cultistas simples e líderes, que ditam e realizam os rituais sagrados. Uma das crenças difundidas entre os cultistas é que Kaelego é um agente de mudanças e arauto de transformações sociais que pode oferecer um Novo Mundo onde tudo é belo e a dor é minimizada.

Kaelego não habita nossa realidade. Conforme dito, ele é tratado como o Senhor de seu próprio Reino, o qual está acessível em momentos específicos e por intermédio de rituais consagrados. Cultos devotados a ele creem que a entidade pode ser invocada para o nosso mundo, manifestando-se em forma espiritual através de Rituais de Convocação que envolvem sacrifício humano. Além disso, é preciso que Kaelego seja trazido para uma realidade paralela chamada de Outro Mundo antes da passagem ser aberta para nossa realidade.

Não se sabe ao certo se Kaelego se manifestaria fisicamente na Terra, ou qual forma ele iria assumir na iminência de tal coisa. É possível que sua forma demoníaca, seja alterada e que ele assuma outra aparência. O demônio é representado em nosso mundo por uma estatueta antiga, talhada em um grande bloco de Kharonita, uma substância que tem origem extraterrestre que caiu no planeta após se separar de um cometa. A estátua é peça essencial no Ritual de Invocação e sua forma seria condizente com a aparência de Kaelego. A entidade pode enviar sonhos, causar alucinações e oferecer visões às pessoas, sobretudo quando estas foram expostas a uma substância conhecida como Mofo Negro que parece brotar de sua Dimensão Diabólica. Kaelego também parece ser capaz de se manifestar através de equipamento eletrônico, áudio e imagem, embora não esteja certo se estas seriam alucinações ou aparições reais da entidade.


Embora pareça bastante real, Kaelego não é uma figura conhecida em nenhuma mitologia existente na Terra. Ele foi moldado especificamente como o vilão de arquivo 81 e uma entidade a ser temida.

Rebecca Sonnenshine, criadora da série disse à respeito dele: "Kaelego é um tipo de criatura Lovecraftiana, um deus ancião ou demônio vindo de outra realidade, dependendo de como você olha para ele. Então ele realmente parece real, mas é uma invenção e obviamente se baseia em muitas criaturas semelhantes de Cthulhu à Nyarlathotep, passando por muitos outros destes Grandes Antigos.  Contudo a mitologia ao redor dele é inteiramente nossa criação" 

Em outra entrevista, Sonnenshine elaborou que a fisicalidade de Kaelego foi emprestada de outro monstro improvável do cinema.

"Nós queríamos algo alienígena, mas ao mesmo tempo, ele precisava guardar algo de humano. Acredito que monstros que tem algo de humano em seu comportamento são muito mais assustadores. Por isso, assistimos aos filmes de Hannibal Lecter. Nós baseamos a forma como ele se move, o jeito que ele olha para cima e inclina a cabeça como uma referência. Foi assim que o design começou, um personagem muito quieto, sempre analisando e assistindo com atenção".

Em última análise, Kaelego não é real em nenhum sentido. Mas devido a muitos empréstimos da cultura popular, ele parece bastante familiar em diversos níveis.

O que é Baldung?


O Baldung é uma antiga congregação de bruxas cujas raízes podem ser traçadas até a Idade Média na Europa. Elas veem a si mesmas como adversárias do Demônio Kaelego e dos cultos que o serevm. Especificamente, um de seus objetivos principais é impedir a abertura de portais para o Outro Mundo.

Em Arquivo 81, as Baldung são mencionadas pela primeira vez quando Melody invade o estudo do recentemente falecido (aparentemente assassinado) Padre Russo. Lá, em um antigo texto sobrenatural, ela encontra menção aos Baldung – um antigo coven (cabala) de bruxas que aparentemente desistiu de seus poderes. No entanto, ela é interrompida antes que possa ler mais e esconde o livro em sua bolsa. Melody nunca termina de ler o livro, pois este é roubado por Samuel.

No entanto, através de fragmentos de conversas, podemos entender que os Baldung são um antigo grupo de bruxas que há muito lutam para impedir a abertura das portas do "Outro mundo". É provável que a história das Baldung seja aprofundada em futuras temporadas se a série continuar. Ao que tudo indica a guerra entre as bruxas e Kaelego já perdura há tempos. Uma disputa abrangente entre duas facções antigas que possivelmente continua nos dias atuais. No século XIV, os Baldung teriam logrado sucesso em sua luta contra o Culto, quando aprisionaram o espírito de Kaelego em uma estatueta.

Curiosamente, o livro que Melody encontra no escritório do Padre Russo é revelado como sendo um poderoso artefato antigo que os Baldung descartaram para impedir o advento de Kaelego. No entanto, ao descartar o livro, eles também perderam seus poderes mágicos.

Apenas à título de curiosidade Baldung é um nome próprio. Sabe-se de um artista, pintor e gravador alemão chamado Hans Baldung Gries (um contemporâneo do famoso Albrecht Dürer) que viveu entre 1485 e 1545 e que obteve certa fama em seu ofício. Mais curioso ainda é o fato que Baldung usou o tema "bruxaria" em boa parte de suas obras, em especial uma grande coleção de gravuras nas quais bruxas e feiticeiras são retratadas.

Não há qualquer menção a Baldung no mundo real. Assim como muitos elementos apresentados na série, a Cabala de Bruxas é uma criação fictícia.  

Melody é uma Baldung?


Outra descoberta importante que Melody faz devido ao livro antigo no escritório do Padre Russo é que o anel de sua mãe, que a cineasta usa no pescoço, tem um selo Baldung. Assim, é sugerido (e eventualmente confirmado) que a mãe de Melody era um membro do Baldung. Na verdade, a razão pela qual ela abandona Melody quando criança é garantir que ela nunca se envolva nos perigosos assuntos sobrenaturais que cercam a disputa ancestral entre Kaelego e os Baldung.

No entanto, o fato de Melody ser arrastada para o mundo da magia negra, apesar dos melhores esforços de sua mãe para evitá-lo, significa que a filha herdou pelo menos algumas das inclinações mágicas de sua mãe. Isso fica ainda mais claro quando o líder do Culto, Samuel (Evan Jonigkeit), exclama o quão importante Melody é e que eles (o culto) nunca iria querer machucá-la pois tinham planos para ela.

Assim, parece que Melody está definitivamente carregando alguns poderes mágicos nela como resultado de ser descendente dos Baldung. Embora ela até agora tenha permanecido ignorante de suas habilidades, se reunir com a mãe (que é uma bruxa de Baldung de pleno direito) e o fato de que Melody agora pode ter que resgatar Dan parecem sugerir que ela começará a levar sua herança mágica mais a sério.

O que é o "Outro Mundo"?


O Outro Mundo é uma dimensão de bolso que está entre nossa realidade e o Reino de Kaelego.

Pode parecer uma forma de viagem no tempo à princípio, mas esse conceito não é totalmente correto. Como o próprio nome indica, O Outro Mundo (Otherworld) é simplesmente... outro mundo. É uma fronteira entre nosso plano e o reino metafísico que Kaelego ocupa.

Alguns podem chamar de céu, alguns podem chamar de inferno, mas é provável que não seja nenhum dos dois, constituindo uma espécie de limbo. Na prática é fundamentalmente um universo paralelo ao nosso onde acontecimentos de nossa realidade ocorrem de forma diversa. A Sociedade Vos (mais sobre eles daqui a pouco) e outros simpatizantes de Kaelego não têm muito interesse no Outro Mundo além de ser o lugar que eles precisam acessar para trazer Kaelego para nossa realidade. Curiosamente, no entanto, aqueles que procuram Kaelego acabam se tornando bastante familiarizados com o Outro Mundo de qualquer maneira. Devido a derivações das técnicas místicas, Iris Vos fica presa lá por quase cem anos. Já Melody e Sam também ficam presos nessa dimensão por quase trinta anos.

Nenhum desses três indivíduos provavelmente tem noção de quanto tempo eles estão no Outro Mundo, já que o tempo transcorre de maneira diferente lá. Também não é necessariamente um lugar desagradável. Quando Dan visita, ele é tentado pela perspectiva de ter sua falecida família reunida. Melody experimenta algo semelhante enquanto espera em uma igreja pelo retorno de sua mãe. Talvez o Outro Mundo ofereça ao visitante aquilo que ele mais deseja, talvez entretanto, ele os esteja simplesmente seduzindo com uma "maçã envenenada". 

No episódio final, visitamos O Outro Mundo, com Dan e Melody sendo transportados para lugares profundos de suas psiques. Isso foi planejado e enraizado no compromisso do programa com a narrativa emocional. “Eu não diria que qualquer uma dessas coisas é real, mas é isso que eles estão percebendo quando entram nessa outra dimensão que é governada por um Deus ou Demônio muito poderoso”, explicou Sonnenshine. 

“Então, acho que o que estávamos procurando na série é trazer de volta algo significativo para o personagem... como um momento em que tudo muda e eles são convocados a revisitar ou reviver um momento de suas vidas ou ainda, ter uma vida diferente." a criadora da série também aludiu a "Stranger Things" que possui um "Upside Down" que pode ser encarado como algo semelhante, mas ela foi enfática: "Não é o Upside Down, é algo um pouco mais conectado à psique".

As Raízes da Sociedade Vos


Embora Kaelego seja antigo e talvez até atemporal, A Sociedade Vos é sua contraparte humana, dedicada a venerar e servir a entidade. A Sociedade Vos é um tipo de organização ocultista criada pela rica família Vos na década de 1920. Não fica claro, mas é sugerido que a família já vinha explorando o sobrenatural bem antes e que possivelmente isso os levou a  deixar a Europa e imigrar para os Estados Unidos. A origem da família Vos possivelmente reside nos Países Baixos (Holanda). 

O núcleo central da Família Vos é formado por dois irmãos (Jonah e Lukas) e uma irmã (Iris). O pai deles foi quem iniciou a busca por Kaelego, ainda no século XIX, mas foi Iris quem realmente aceitou a missão e teve maior sucesso nessa empreitada. Os três irmãos se valem dos vastos recursos da família na busca por artefatos ocultos e tesouros que os conectem às antigas tradições arcanas. Foi assim que eles conseguiram o tomo que revela a existência de Kaelego e seus principais rituais. Também dessa forma eles obtém a estátua do Demônio Dimensional, artefato essencial para a realização de sua invocação. 

Até onde sabemos, a inspiração para a Sociedade Vos não aponta especificamente para nenhuma organização do mundo real. Ainda assim, "sociedades espirituais" semelhantes eram bastante comuns no início do século XX. De fato, o início da década de 1920, foi uma época auspiciosa para organizações secretas que buscavam esclarecimento fora dos canais científicos ou religiosos convencionais. Existem dezenas de notáveis ​​sociedades secretas do início do século 20 e a Vos parece pinçar um pouco de cada uma delas.

Na ficção, a Sociedade Vos se assemelha a várias associações ocultistas. Um exemplo seria a cabala de feiticeiras apresentada no filme de terror Hereditário (2018). Outra opção é o grupo de adoradores do demônio que residem no mesmo edifício no clássico "O Bebê de Rosemary" (1968).

A primeira referência à Sociedade Vos em Arquivo 81 surge bem no início, quando Dan assiste a uma rara fita de terror vintage de 1958 chamada "The Circle" (O Círculo), que retrata um antigo culto realizando magia ritualística. Mais tarde, descobrimos que o diretor William Crest, se inspirou no vídeo de um suposto ritual real no qual uma pessoa é sacrificada a um deus misterioso para conceber a cena.


Filmagens apresentando homicídios (Snuff Films) são uma espécie de lenda urbana dentro do universo cinematográfico. Eles são mencionados praticamente desde o início das produções, com rumores da existência de uma filmagem francesa datada de 1901 na qual uma pessoa é de fato assassinada diante da câmera. Na década de 1940, surgiram rumores à respeito desse tipo de produção, embora não haja provas da existência de tais fitas. Nos anos 1970 e 1980, produções clandestinas trazendo supostos assassinatos voltaram a povoar o imaginário dos entusiastas de filmes underground. De certa forma o acesso a câmeras privativas permitiu que tal coisa se tornasse viável. Embora histórias sobre Snuff Films apareçam frequentemente, sobretudo após o advento da internet, é pouco provável que esses filmes tenham sido amplamente divulgados. No território obscuro da Deep Web proliferam boatos sobre a circulação de tais filmes.
    
Em Arquivo 81, o vídeo que inspira Crest é uma gravação privativa feita pela Sociedade Vos realizando seu próprio ritual de sacrifício. No vídeo, os membros da Sociedade utilizam máscaras de madeira com padrões pintados na face. Máscaras são um adereço bastante comum em organizações secretas e servem tanto para ocultar a identidade dos membros quanto para torná-los "iguais" durante a celebração. 

À medida que a série avança, conhecemos mais detalhes sobre o grupo e seus membros. Como ocorria no mundo real, os membros da Sociedade Vos privilegiava artistas, transgressores e indivíduos de classe elevada. O episódio 7, em particular, aprofunda os seus objetivos e detalha como eles realizavam seus rituais. É provável que os cultistas em 1994 considerassem a si mesmos como herdeiros da Sociedade Vos, uma vez que seus rituais e adereços eram idênticos.

A Família Vos residia em uma mansão que ocupou o terreno no qual o Edifício Visser viria a ser construído posteriormente. Assim como o prédio, a propriedade Vos também é destruída em um misterioso incêndio. Ambas tragédias são resultado da cerimônia conduzida no porão da Mansão pelos membros da Sociedade Vos e depois pelos moradores do Visser. Através da cerimônia, a sociedade tenta fundir o mundo real com o "outro mundo" de seu Deus Kaelego. No mundo real, sociedades secretas de caráter ocultista geralmente tem como objetivo principal invocar entidades sobrenaturais e de alguma forma comungar com elas. A Sociedade Vos na série é um grupo que procura trazer Kaelego (um demônio) para seu meio, obtendo assim algum benefício. Cultos dessa natureza são a essência de várias histórias da ficção, presentes entre outros, na mitologia de Lovecraft

Caso você esteja se perguntando, a Sociedade Vos não é real. Claro, existem inúmeras sociedades secretas e cultos que realmente existiram, mas não há qualquer menção direta a uma Família de Bruxos e Cultistas chamada Vos nos anos 1920. 

Quem é Iris Vos


Somos apresentados à Sociedade Vos Society por volta de 1924, quando Iris Vos assumira o papel de líder. Ela é a herdeira da fortuna dos Vos, e a sociedade secreta sustentada por ela reúne patronos ricos, artistas e indivíduos com interesse no oculto. Junto com seus dois irmãos, Iris planeja usar magia negra para receber Kaelego no mundo e também receber a benção de ter um filho. 

Mulheres fazendo parte ou mesmo liderando Sociedades devotadas ao Ocultismo são algo bastante real. Surpreendentemente, mulheres sempre figuraram como membros de sociedades secretas, mesmo no século XIX em sociedades profundamente machistas. De certa forma, a tradição matriarcal de várias vertentes místicas antigas permitia a participação de mulheres como iguais e até legava à elas o posto de liderança.  

Iris emprega uma jovem criada, Rose, que acaba sendo sacrificada na cerimônia de invocação de Kaelego. A cerimônia de sangue realizada pela Sociedade Vos sob o comando de Iris abre uma porta para outra dimensão, prendendo a líder no "outro mundo" enquanto a Mansão Vos é engolida pelas chamas e destruída. Com a aparente morte de Iris Vos e de todos os seus membros, a Organização aparentemente termina, mas ela acaba renascendo em 1994 no Edifício Visser sob a tutela de Sam Davenport. Posteriormente em 2019, seu irmão Virgil acaba assumindo os planos da Sociedade. Existe a possibilidade significativa de que Virgil e Samuel sejam parte da Família Vos, o que explicaria seu interesse em Kaelego.

Voltando a Iris, ela parece ser o estereótipo da ocultista dos anos 1920, com interesse em várias vertentes do estudo paranormal, desfrutando de uma era de maior tolerância e liberdade religiosa. Embora seus métodos e sua moral sejam questionáveis (incluindo assassinar inocentes à sangue frio) seus objetivos finais contemplam algo que ela prevê como aprimoramento da humanidade através de Kaelego. Os verdadeiros objetivos de Iris não são mostrados e não sabemos exatamente o que ela pretende ou até onde está disposta a ir.

No final da primeira temporada temos um vislumbre de Iris Vos presa no "Outro Mundo", acenando com a possibilidade de que ela irá retornar em outra linha temporal. Embora não tenha sido elaborado, é possível que o retorno dela possa levar a uma união de forças com Virgil ou quem sabe até Samuel, cujo paradeiro também é ignorado. 

Que idioma os cultistas falam?


Em momento algum o idioma usado pelos Cultistas de Kaelego é identificado. As palavras são lidas diretamente de um tomo antigo que parece reunir todos os rituais como uma espécie de compêndio cerimonial, infelizmente o título do livro não é mencionado.

Os roteiristas de Arquivo 81 contrataram um linguista como consultor e o encarregaram de criar um idioma original para os membros do culto. Ele tem como base uma mistura gramatical de dialetos holandeses, misturados com flamenco e basco. A ideia é que o idioma parecesse autêntico, com um certo grau de "musicalidade fluente" mas que ao mesmo tempo soasse estranho.

Os atores tiveram aulas de dicção para aprender a falar o idioma e entender o que ele significava. Também aprenderam a escrever o básico nesse alfabeto particular. 

O idioma reflete a língua falada por Kaelego, e o idioma usado para estabelecer os canais de comunicação com a entidade. Uma vez que se trata de um ser de outra dimensão, faz mais sentido que ele se comunique através de um vocabulário único compartilhado com os seus cultistas.

Edifício Visser


Na série, o edifício de Apartamentos Visser foi construído entre 1932 e 1934 sobre o terreno que originalmente pertencia a uma antiga mansão incendiada nos anos 20 no bairro de East Village, em Nova York.

A fachada do verdadeiro Visser foi filmada no edifício First Avenue Lofts, na 436 First Avenue, no centro de Pittsburgh, mas o interior era um cenário construído no estúdio. Na série, o prédio monolítico fica na 966 East com a 9th Street, um endereço que na vida real se localiza no Brooklyn. A área realmente teve foi ocupada originalmente por imigrantes holandeses e é uma das vizinhanças mais antigas de Nova York, remontando ao seu período colonial. 

Os padrões geométricos que ornamentam os portões das portas foram alterados digitalmente adicionando os sinais de aparência esotérica. Eles são claramente símbolos arcanos que poderiam ser confundidos com padrões de art deco muito em voga nos anos 1930.

Pode ser um alívio para alguns saber que o Edifício Visser não é real. O enorme prédio para o qual Melody se muda como parte de sua pesquisa é retratado como um lugar sinistro cheio de inquilinos estranhos e questionáveis. No episódio de abertura do programa, é revelado que as fitas que Dan deveria restaurar são do prédio Visser e foram severamente danificadas quando o prédio foi incendiado em um incêndio inexplicável.


Mas mesmo que o Visser não exista, Nova York possui um equivalente à altura. Um edifício que ao longo dos anos se tornou sinônimo de assombrações e maus agouros, tanto pelos acontecimentos em seu interior, quanto pelos indivíduos que residiram nele. Trata-se do exclusivo Edifício Dakota, localizado na First West com a 72nd Stbem próximo do Central Park de Manhatan. O Dakota possui uma longa história de assombrações e segundo alguns, foi construído sobre um cemitério que existiu ali bem antes. A obra data de 1880, tendo sido concluída quatro anos mais tarde. O Dakota é um monumento ao estilo Art Noveau e um marco arquitetônico de Nova York, tombado pela secretaria de patrimônio histórico cultural da cidade.

O Dakota é um dos endereços mais requintados da cidade e em seus apartamentos já residiram artistas, políticos, esportistas e autores. Os artistas de cinema Boris Karloff, Jack Palance e Lauren Bacal moraram ali, assim como o dançarino Rudolf Nureyev, o maestro Leonard Bernstein e o escritor Harlan Coben. O ocultista e bruxo inglês Alesteir Crowley residiu no Dakota por alguns anos e afirmou que energias estranhas permeiam o local. 

O Edifício ganhou notoriedade por ter sido usado como locação principal no filme "O Bebê de Rosemary" no qual uma seita demoníaca vive no coração de Nova York sem ninguém suspeitar. No filme, o prédio, foi construído pela família de um bruxo e serviu como covil para feiticeiros, tendo sido palco de um linchamento no final do século XIX. O Dakota também ficou marcado quando o ex-Beatle John Lennon foi assassinado à tiros diante de sua escadaria de entrada em 1982. Lennon morava no Dakota com Yoko Ono quando foi morto.   

O que é a estranha Face vista nas telas?


Arquivo 81 fala repetidas vezes de manipulação dos sentidos, usando para isso gravações de som e imagem que se tornam parte central da trama.

Ao longo dos episódios, Dan tem vislumbres esporádicos de uma face demoníaca que surge em filmagens de arquivo e que se manifesta percebendo sua presença. Esse conceito é inspirado no conceito de "fotografia espiritual".

Muito em voga na metade e final do século XIX, com um ressurgimento no início do XX, a Fotografia Espiritual abraçava a ideia de que a forma dos espíritos e manifestação das almas podiam ser capturadas em fotografias. Os primeiros fotógrafos espirituais se popularizaram por volta da Guerra Civil americana, quando vários artistas alegavam ter captado em imagens formas espirituais que não eram percebidas à olho nu. Alguns fotógrafos acreditavam que determinados filmes e componentes químicos agiam melhor, permitindo revelar a presença dessas entidades.

As sessões espíritas, conhecidas como séances, se popularizaram na década de 1880, quando muitos parentes de pessoas que haviam perdido suas vidas na Guerra Civil Americana desejavam uma forma de contatar seus amados uma última vez. Para corroborar o alegado poder de comunicação dos médiuns, fotógrafos espirituais trabalhavam com eles registrando as sessões espíritas na esperança de capturar alguma imagem. 


Em várias ocasiões, foram feitas imagens em que apareciam formas fluidas, globos de luz e até mesmo emanações de rostos e partes do corpo gravitando sobre os médiuns e participantes das sessões. Uma vez que a fotografia era uma mídia nova, não se entendia exatamente como tal coisa acontecia, embora hoje em dia, muitos especialistas acreditem que as imagens podiam ser manipuladas e alteradas para criar esses "elementos sobrenaturais". As fotografias espirituais começaram a perder força no final do século XIX, mas a Grande Guerra o trouxe de volta à voga em 1920, graças a filmes, câmeras e material de revelação superior.

Arquivo 81 levanta a hipótese de que câmeras de filmagem poderiam ser usadas da mesma maneira que máquinas fotográficas, com o intuito de revelar a presença de manifestações fantasmagóricas. Durante a cena em que o Ritual da Sociedade Vos é realizado, um câmera se encarrega de registrar tudo e essas imagens conseguem capturar a presença de Kaelego.

Diferente do que aconteceu com as fotografias, as filmagens em vídeo jamais tiveram uma ligação íntima com o espiritualismo. Muitos parapsicólogos costumam usar câmeras em seus experimentos e nas explorações, como intuito de captar imagens. Lentes especiais, sensores de movimento e detectores infravermelho são ferramentas tipicamente empregadas pelos estudiosos.   

A Melodia do Visser é original?


A assombrosa cantiga apelidada de Visser Tune (Melodia de Visser) que ouvimos ao longo da série faz  parte da trama desde o início. A música parece causar um tipo de incômodo nas pessoas mais sensíveis, possivelmente por possuir sons e ritmos particulares criados na Dimensão de Kaelego. A noção de sons incômodos que afetam pessoas em um nível subsônico é um conceito explorado por religiões desde o início dos tempos. Os mantras do Vedha no hinduísmo e a repetição das rezas cristãs no Rosário segundo estudiosos, despertam efeitos benignos e até curativos.  

Os compositores da Melodia são Geoff Barrow e Ben Salisbury que estiveram envolvidos desde o início do seu processo criativo. Originalmente a melodia teria uma letra cantada, mas acabou se tornando algo mais simples e primitivo, com um padrão de respiração. Muitas variações da música foram criadas para serem usadas em diferentes momentos da trama. De uma versão para o piano até uma caixa de música para uma versão de jazz.

O Mofo Negro


Para o ritual de invocação de Kaelego, Samuel precisava de um recipiente para conter o espírito da entidade do outro mundo e dar-lhe uma forma humana. Por isso, ele estava preparando a garota Jessica "Jess" Lewis que não apenas vivia no Visser, mas havia nascido no prédio. Para preparar Jess, os líderes do culto em 1994, Samuel e Cassandra, estavam alimentando-a com uma espécie de "mofo negro".

Mas o que diabos era essa substância estranha?

O Mofo Negro é um sinal da presença de Kaelego e muitas vezes parece surgir em torno de lugares em que o demônio é adorado pelos seus cultistas . Ele parece sugerir que nesses lugares o tecido entre as dimensões se torna mais tênue, permitindo que o mofo escorra e se fixe em nossa realidade. Ele é um sinal da presença demoníaca da entidade, referida em mais de um momento como o "Sangue de Kaelego". 

Ao longo da série, o mofo simboliza a presença de Kaelego. Ele se forma no porão do Visser e no sexto andar do prédio onde indivíduos dependentes são mantidos. Em 1924, Iris Vos é a primeira a reconhecer o mofo pela sua natureza sobrenatural e fazer a conexão entre ele e Kaelego. Os padrões circulares com o qual o mofo se forma denotam que realmente não se trata de algo natural, e sim uma manifestação atípica ligada ao "Outro Lado".

Qualquer pessoa exposta ao mofo negro é afetada por ele e passa a experimentar visões, alucinações e sonhos. Uma pessoa exposta ao mofo também é capaz de se comunicar com pessoas do outro mundo e se tornam sensíveis à emanações psíquicas da entidade. Na série, a parceira de Cassandra, Eleanor, usa partes do Mofo Negro para criar a tinta que usa em seus quadros. Anos mais tarde, a melhor amiga de Melody, Anabelle, recebe as tintas como presente e as utiliza para retratar Iris Vos, presa no outro mundo desde 1924. A tinta contaminada pelo mofo negro causa um surto psicótico em Anabelle que a leva a um comportamento atípico e violento.

O Mofo foi possivelmente o responsável pela contaminação da Irmã de Dan, que ainda criança passa a tocar a melodia de Kaelego que também possui poderes alucinógenos. No caso, ela teria sido exposta ao Mofo pela fita de vídeo enviada por Mellody ao seu psiquiatra. O Mofo foi responsável pela loucura experimentada pelo arquivista anterior Thomas Bellows que passa a ver rostos na tele de televisão.

É possível também que a conexão atemporal estabelecida entre a\Dan e Mellody seja decorrente da exposição de ambos ao Mofo Negro. Mellody andou por lugares onde o mofo crescia e Dan trabalhou nas fitas de vídeo que continham resíduos do Mofo Negro. A contaminação deles pode ter permitido o acesso ao "Outro Lado", onde Mellody terminou ficando presa após o Ritual no Visser em 1994. Pode-se especular que as fitas e o mofo criaram uma ponte entre dois reinos..

O Mofo Negro foi usado para infectar Jess, resultando em convulsões frequentes, alucinações e outros efeitos nocivos que foram interpretados como possessão ou ataque demoníaco. Jess acaba sobrevivendo à toda essa provação e escapa do prédio antes do incêndio. Ela, mais tarde, tornou-se freira e mudou sua identidade para Irmã Mary Cecilia.

Em 1924, Iris Vos realizou o ritual e registrou a presença de Kaelego em fotografias de espíritos. No momento, Mark disse a Dan que essas fitas e filmes foram considerados amaldiçoados porque as pessoas acreditam que os filmes podem capturar todos os tipos de elementos sobrenaturais que o olho humano não consegue ver. A filosofia foi adaptada por um grupo radical de artistas abstratos que se tornaram parte do movimento Spirit Receivers. Eleanor e sua parceira, Cassandra, fizeram parte desse movimento que se mudou para Nova York em 1974 e passaram a morar no Visser.

Virgil Davenport acreditava que o segredo para trazer Kaelego estava escondido em algum lugar nas fitas gravadas por Melody. Foi por isso que ele desejava restaurá-las com a ajuda de Dan. No final de Arquivo 81, Julia Bennett, que trabalhava na propriedade sob um pseudônimo, diz que a reprodução da filmagem afina o véu entre dois mundos e desvenda o feitiço que mantém a porta fechada. Dan estava constantemente assistindo as fitas, e foi por isso que ele conseguiu se conectar com Melody, preso no outro mundo de Kaelego. 

O ritual realizado por Iris Vos em 1924 foi registrado em uma câmera de filme. A filmagem sobreviveu ao incêndio devastador na mansão e mais tarde foi encontrada pelo amigo de William Crest, Peter Crawford. O snuff movie se tornou a inspiração de William para fazer The Circle, mas como sempre, ele foi possuído pelo mofo e se matou, assim como Eleanor. A filha de William, Evie, encontrou a fita de The Circle em sua propriedade e a enviou para Dan para fins de restauração. Mais tarde na série, Evie também morre. Mark ouve o boato de que ela sofreu um derrame, mas pode-se especular que sua morte foi causada pelo mofo.

O Cometa Kharon e a Kharonita


Uma característica interessante sobre o demônio Kaelego são seus laços estreitos com um objeto celestial, no caso um Cometa. No mundo do Arquivo 81, Kaelego pode é invocado mais facilmente quando o cometa está mais próximo da Terra. Tal proximidade faz com que o espaço entre as realidades sofra um estreitamento dimensional. O Cometa Kharon (ortografia alternativa pode ser "Charon") passa pela terra a cada 70,6 anos cumprindo uma órbita permanente. Em Arquivo 81, o Cometa Kharon passa pela Terra em 1924, posteriormente 1994 e portanto, sua próxima passagem ocorreria em 2074.

Também conhecido como "O Barqueiro", Kharon (Caronte) é nomeado a partir da Figura da Mitologia grega que conduz as almas através do Rio Styx nas profundezas do Hades. O Submundo grego é um lugar de sofrimento e tristeza, o barqueiro se encarrega de levar as almas até seu destino final recebendo por sua tarefa moedas.  

O ritual mágico para abrir a passagem para o Outro Mundo e invocar Kaelego tem maior chance de sucesso durante a passagem do Barqueiro. A relação existente entre Kaelego e Kharon persiste mesmo quando o cometa não está fazendo sua jornada próxima da Terra, mas então ela se torna menos evidente. No período imediato que antecede a passagem de Kharon, o estreitamento faz com que o Mofo Negro de Kaelego escorra de dimensão e se torne mais abundante e potente na nossa. O estreitamento se intensifica entre 6 e 10 meses antes da máxima aproximação do cometa em relação à Terra.

Em algum momento do passado, provavelmente milhões de anos atrás, um pedaço de Kharon de tamanho considerável se desprendeu chocando-se com a Terra. O impacto foi visto como uma grande tragédia, o que reverbera a crença de que cometas trazem infortúnios e momentos de grande provação.


Os fragmentos de Kharon, parte da massa original do cometa, foram recolhidos por povos da antiguidade e essa rara pedra se tornou bastante valiosa. A pedra em questão, chamada Kharonita foi usada para a criação de objetos, em especial amuletos e talismãs que guardam uma ligação singular com Kaelego. Não por acaso, estes são usados com distinção por cultistas de alto status dentro do Culto. Iris Vos, líder da Sociedade Vos detinha em seu poder um amuleto feito com Kharonita que esteve em sua família por gerações.

Da mesma forma, a estranha escultura de Kaelego (objeto de arte cuja origem permanece um mistério na série) foi moldada em um grande pedaço de Kharonita. Este supostamente esteve em poder de diferentes povos que tiveram, por sua vez, algum contato com a mitologia de Kaelego. No entanto, durante o século XIV, o espírito da entidade foi preso nesta escultura pela Cabala de Bruxas conhecidas como Baldung. 

Muitos dos elementos do Arquivo 81 são completamente inventados e aqui é exatamente esse o caso. Não existe um Cometa Kharon orbitando a Terra, embora muitos outros que se assemelham a ele de fato existam no mundo real. O mais famoso sem dúvida é o Cometa Halley que visita nossos arredores cósmicos à cada 75,3 anos e que ganhou grande fama pela sua visibilidade. O Halley sempre foi considerado um arauto de acontecimentos funestos, tratado por povos da antiguidade como um mau agouro. De fato, a grande maioria dos Cometas eram vistos com grande preocupação e temor.

Outro exemplo adequado pode ser o Cometa Hale-Bopp que se aproximou da Terra pela última vez entre 1996 e 1997 em uma órbita cujo próximo periélio acontecerá no ano 4380. Uma nota de rodapé macabra envolvendo o Hale-Bopp diz respeito ao suicídio coletivo de 39 membros do Culto Heaven´s Gate em San Antonio em 1997. Os membros do Culto acreditavam que o cometa os transportaria para um outro planeta conforme uma profecia presente em suas crenças particulares.

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Ufa... 

Série boa e com muitos detalhes.

O que vocês acharam de Arquivo 81? tem alguma questão que ficou de fora? Algum detalhe que vale a pena ser lembrado? Então comente aqui na postagem.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

A Queda de Innsmouth - O Ataque à Innsmouth conduzido pelo Governo Americano

 

A Queda de Innsmouth, literal e irrevogável se deu após o envolvimento do Governo Federal dos Estados Unidos após uma sucessão de incidentes inesperados. A história do Ataque à Innsmouth e detalhes sobre a Operação Covenant foram mantidos em completo sigilo em virtude do caráter perturbador dos fatos. Estes são revelados nesse artigo.

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Em 1926, Agentes do Tesouro (que mais tarde seriam chamados de Agentes Federais) haviam tomado conhecimento das atividades criminosas envolvendo contrabando de bebida ocorrendo na Costa da Nova Inglaterra. Suspeitavam corretamente que a Cidade de Innsmouth, por ser isolada e estrategicamente posicionada, vinha sendo usada como porta de entrada para o trafico de bebida ilegal. Uma investigação preliminar foi conduzida por agentes que se infiltraram na cidade usando disfarce como comerciantes locais. Estes, no entanto, conseguiram obter poucas informações do povo fechado que residia na cidade. Acharam o comportamento local "peculiar" e "excêntrico", mas não chegaram a arranhar a superfície e aferir o que realmente acontecia em Innsmouth.  

Os rumos da investigação mudariam graças ao depoimento de um certo Robert Olmstead. Foi através dele que os federais tomaram conhecimento de várias atividades criminosas ocorrendo nos limites de Innsmouth, atividades estas, que iam muito além do contrabando. Olmstead era um estudante de 22 anos com laços familiares em Innsmouth - de fato, acredita-se que ele descendia de um ramo menos decadente dos Marsh. Afastado da cidade desde seu nascimento, o jovem decidiu explorar Innsmouth afim de conhecer a terra natal de seus avós. Olmstead descobriu muito mais do que desejava! Durante sua breve estadia no vilarejo ele conversou com um velho morador chamado Zadock Allen que lhe confidenciou certos segredos sobre o lugar e à respeito dos Marsh. Olmstead não levou muito à sério o que julgou se tratar de delírios da parte do velho, contudo naquela mesma noite ele se viu forçado a fugir de Innsmouth às pressas. Indivíduos ligados aos Marsh o acossaram e ele chegou a temer por sua vida. 

Os horrores de Innsmouth podem ser demais para visitantes desavisados

Os Abissais andavam livremente por Innsmouth

Uma vez em segurança, Olmstead prestou depoimento à polícia e atraiu a atenção de agentes federais que decidiram levar em consideração os temores do rapaz e sua estranha narrativa. Em dezembro de 1926 os federais realizaram uma diligência em Innsmouth para avaliar a situação e retornaram às pressas com uma história bizarra difícil de acreditar. Aparentemente o testemunho de Olmstead não apenas era real, como deixara de fora trechos ainda mais preocupantes sobre o que vinha acontecendo em Innsmouth. Com base no que os agentes do tesouro viram, uma Ordem Federal especial foi emitida ordenando reunir um destacamento de Fuzileiros Navais e prepará-los para uma Operação Militar de máxima prioridade. A Ordem foi cumprida em fevereiro de 1927. Todos detalhes da operação foram mantidos em sigilo, mas sabe-se que ela contou com a participação de Agentes do Tesouro, Guarda Costeira e da Marinha através de Fuzileiros Navais. Entre os agentes escalados para coordenar a operação, estava o jovem e promissor investigador J. Edgar Hoover, originário do escritório de Nova York, mas que havia sido transferido para Boston.

Batizada de Covenant, a Operação foi comandada pelo Oficial da Marinha Coronel James Rothier e mobilizou um efetivo de 120 fuzileiros que se distribuíram na tarefa de cumprir objetivos visando capturar localizações chave na cidade. Os alvos principais definidos foram a Mansão dos Marsh, a Ordem Esotérica de Dagon, o Porto de Innsmouth e a Companhia Pesqueira. Carros armados fecharam as estradas, impedindo a entrada e saída, enquanto três barcos da Guarda Costeira se posicionaram na entrada da Baía de Innsmouth para bloquear embarcações vindas do porto. Em poucas horas, a ação isolou completamente a cidade e restringiu o direito de ir e vir de seus habitantes.

À princípio a Operação visava cumprir mandatos de busca e apreensão e deter os cabeças da Família Marsh para interrogatório. Durante a ação, os militares encontraram forte oposição e tiveram que recorrer a força. Na rua principal, eles foram emboscados por um grupo portando armas de fogo que deram início a um tiroteio. Os Marsh através de sua associação com o crime organizado haviam adquirido um pequeno arsenal que incluía pistolas, espingardas e até Metralhadoras Thompson. A resistência não deteve os fuzileiros que rapidamente dominaram a situação e avançaram em direção do primeiro alvo. Na praça, eles se dividiram em quatro grupos que se distribuíram em suas tarefas pré-determinadas. Um quinto grupo se ocupou de impedir os moradores de sair de suas casas, usando para isso um carro de som com megafone.

Os Fuzileiros foram avisados para não ter piedade

E também não receberam piedade.

Na propriedade dos Marsh, um dos alvos prioritários, os militares encontraram maior resistência. O portão teve de ser derrubado e a porta da casa precisou ser arrombada. Lá dentro os residentes responderam à ordem de prisão e houve novo confronto com tiros. Enquanto revistavam a casa, os fuzileiros descobriram no porão um complexo de túneis subterrâneo que uma vez explorado revelou horrores difíceis de serem contextualizados. Após uma tentativa frustrada de explorar os túneis, os fuzileiros receberam ordens de detonar cargas e selar o acesso a eles, prendendo seja lá o que havia em seu interior. Na sede da Ordem Esotérica de Dagon, também houve reação por parte dos locais. Pelo menos seis indivíduos foram mortos e mais uma dúzia capturados. Os soldados recuperaram uma notável quantidade de documentos e artefatos entregues a consultores especiais contratados pelo exército. Entre livros, arquivos e papéis, os militares se depararam com séculos de registros sobre a História Secreta de Innsmouth. Também haviam objetos curiosos na forma de estatuário, arte e joias que precisaram ser catalogadas antes de serem guardadas em caixotes. No Porto e na Companhia de Pesca os fuzileiros encontraram menor oposição, mas ainda assim tiveram de obrigar os presentes a se render mediante coerção.

Não obstante as dificuldades e surpresas, a Operação logrou êxito em conquistar todos os seus objetivos. Com a escalada dos eventos, os fuzileiros ordenaram que a população civil deixasse suas casas para que estas fossem revistadas e nesse momento eclodiu uma nova revolta que descambou para um momento crítico de grande violência. Ao fim do confronto haviam muitos civis mortos e feridos.

Enquanto isso, na entrada da Baía os Navios-Patrulha Vigilant e Spectre da Guarda Costeira, além da Corveta Urania impediam a fuga de barcos de pesca que tentaram romper o bloqueio imposto. O Vigilant chegou a disparar tiros de advertência que fizeram uma embarcação se render enquanto outra retornou para o porto apressadamente. Enquanto os marinheiros no Urania desciam botes para abordar o pesqueiro capturado, um bando de Abissais (descritos como humanoides com feições batráquias) escalou o costado e veio à bordo atacando a Corveta. Os marinheiros reagiram imediatamente e uma luta corpo à corpo irrompeu nesse momento. As criaturas foram repelidas graças ao uso de armas de fogo, mas seis marinheiros morreram no enfrentamento, enquanto outros dois homens desapareceram depois de cair no mar. Os corpos das criaturas abatidas à bordo do Urania, totalizando 5 espécimes, foram recolhidos e enviados para análise clínica.

O Ataque dos abissais à bordo do Urania

O S-19 disparou seis torpedos até devastar a cidade submarina

A medida mais drástica da Operação envolveu a participação da Marinha que cedeu o Submarino S-19 para atacar a posição de Devil's Reef dois dias após a tomada de Innsmouth. O ataque foi providenciado depois que o interrogatório dos prisioneiros revelou a existência de uma cidadela submarina naquela posição. O S-19 disparou seis torpedos tendo como alvo Devil´s Reef. Com o ataque, a marinha conseguiu obliterar a cidade de Y'ha'nthlei e debandar a colônia de abissais que lá vivia. Depois do ataque, a Guarda Costeira recolheu cadáveres das criaturas conhecidas como Abissais, que vieram à tona. O relato à respeito da carcaça de um ser de grande porte, recuperado pelo Urania e rebocado para uma base não foi confirmado ou negado. Explorações posteriores com mergulhadores em Devil´s Reef revelaram que as ruínas submarinas eram maiores do que se imaginava. Cargas explosivas de profundidade foram usadas para acabar com o recife de uma vez por todas. Após o ataque, constatou-se que o local não representava mais uma ameaça e que ele havia sido inteiramente evacuado.    

No final da Operação Covenant os números eram os seguintes: 57 mortes confirmadas entre os civis locais, com pouco mais de uma centena de feridos leves e moderados. Robert Marsh e seus dois irmãos foram mortos no ataque, outros membros do Clã foram capturados na Mansão da Família. Do lado dos militares foram contabilizadas 10 baixas fatais (além de dois desaparecimentos), resultado de ferimentos à bala e confronto direto. Três óbitos resultaram de fatores não determinados. 
 
A ação efetuou aproximadamente 200 prisões que à princípio não estavam na proposta original. De fato, a população inteira de Innsmouth passou por uma triagem para separar os residentes em três grupos distintos: indivíduos humanos, humanos com mutação (híbridos) e indivíduos não-humanos. Aqueles considerados humanos foram liberados, mediante assinatura de um acordo de confidencialidade que os impedia de divulgar o ocorrido. Vários destes posteriormente foram recapturados quando os efeitos da transformação em Abissal ficaram evidentes. Os dois outros grupos foram capturados preventivamente, sendo enviados para instalações da Marinha. Os prisioneiros que passaram por interrogatório se mostraram cooperativos e confirmaram detalhes sobre a História obscura de Innsmouth, sobre os Marsh e à respeito de sua relação com as criaturas marinhas. A maioria destes prisioneiros foram transferidos para prisões militares nos estados de Utah e no Colorado e lá permaneceram em regime fechado. Distantes do mar, a maioria não viveu muito tempo.

Médicos realizaram autópsias dos cadáveres obtidos em Innsmouth

Dossiê com imagem de um dos seres não-humanos vistos na Operação

Chocado pelas revelações o Governo Federal emitiu uma ordem extraordinária de censura e sigilo absoluto sobre os documentos do Incidente Insmouth. Nenhum arquivo poderia ser divulgado ou consultado sem prévia liberação das autoridades competentes. Os documentos secretos devem permanecer inacessíveis até 2028. 

Depois de ser evacuado, o perímetro de Insmouth foi isolado com uma cerca de arame farpado, placas de advertência e torres de vigilância. A Marinha ficou responsável por guardar a cidade e impedir a aproximação de civis. Até hoje é expressamente proibido visitar Innsmouth por terra ou mar. Os militares envolvidos na Operação Covenant não tiveram permissão para revelar qualquer detalhe concernente a ela. De fato, o "Ataque a Innsmouth" se tornou uma espécie de lenda urbana na região, com pessoas acreditando que o que ocorreu foi uma relocação da população por conta de questões de segurança sanitária. A imprensa investigou o caso e assumiu através de pistas plantadas pelo Serviço Secreto, que Innsmouth era o centro de uma rede de contrabando que foi desbaratada. A suspeita de uma Operação Militar em território americano foi levantada por algumas agências de direitos civis, mas nenhuma de suas alegações foi provada. 

A Operação Militar secreta marcou o primeiro confronto direto entre um Governo e as forças do Mythos. É inegável que foi graças a esse incidente que órgãos oficiais tiveram o primeiro vislumbre à respeito da existência de forças não-humanas operando não apenas em solo americano, mas em amplitude global. Diante da quase completa ignorância à respeito dessa perigo, o governo destinou recursos visando identificar, estudar e debelar outras ameaças em potencial. 

Desse episódio iria resultar criação da primeira agência governamental para análises sobrenaturais, o DELTA GREEN.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Arquivo 81 - Resenha (sem spoilers) da Série do Netflix


Com base no artigo do site The Vulture

Nos reinos do Horror Cósmico e Terror Gótico simplicidade é requisito essencial. 

Imagine uma visão tão impossível de compreender que enlouquece uma pessoa, como nas histórias de H.P. Lovecraft, ou um som tão perturbador que causa desespero e pavor, como em The Tell-Tale Heart, de Edgar Allan Poe. A natureza destituída de razão, enfatizada na obra desses gênios do horror, apresenta um universo de pesadelos, repleto de maldade contra o qual somos impotentes.

Ao trabalhar dentro desses subgêneros profundamente existenciais, a série do Netflix, Arquivo 81 (vagamente inspirada na primeira temporada do podcast de mesmo nome) é uma grande surpresa. Uma produção inteligente, instigante e extremamente atraente. A criadora do show Rebecca Sonnenshine faz o espectador questionar o que está vendo, incentiva a dúvida sobre o que estamos captando e bombardeia nossos sentidos com uma torrente de informações. Tudo isso no esforço de responder a duas perguntas perigosas: E se nosso desejo de ter um passado diferente não fosse apenas um olhar para trás, mas uma porta aberta? E mais importante, e se pudéssemos mudar o que passado? Mudar tudo!


Os oito episódios de Arquivo 81 preenchem o tempo vagando por corredores mal iluminados, escadas soturnas e a arquitetura de casa mal-assombrada de um prédio macabro no centro de Nova York. Complementado por diálogos afiados, narração ágil e muitas referências a clássicos do terror a série inclui acenos diretos ou evocações sutis a uma infinidade de obras. Estão lá trechos pinçados de clássicos como Bebê de Rosemary, Candyman, Além da Imaginação, Os Outros, O Iluminado, Solaris, A Casa Noturna, Hereditário e A Entidade, às jornadas surreais de Mike Flanagan e David Lynch, aos textos de Emily Dickinson, Shirley Jackson, Thomas Ligotti, além, é claro, aos já mencionados Lovecraft e Poe. Tudo isso (e provavelmente muitas outras referências) são juntadas em uma mistura incrivelmente competente. Arquivo 81 pode ser visto como uma carta de amor ao gênero horror, escrito, roteirizado e finalizado por quem conhece e entende do assunto. 

Como tantas outras séries recentes, Arquivo 81 usa e abusa de linhas de tempo divididas, flashbacks, sonhos e memórias represadas para contar sua história. O tempo é tão pouco confiável quanto as identidades dos personagens e tão instável quanto a compreensão de suas próprias motivações. Os arrependimentos e dúvidas que eles carregam são pesados, e atingem praticamente a todos. O resultado é uma série que mexe com percepções e atiça a curiosidade: não se trata de querer entender o que está acontecendo, você sente que PRECISA entender. E não se dá por satisfeito até chegar ao final.

A história, de forma muito resumida e sem spoilers, para não estragar o entretenimento alheio, é a seguinte:


Em 2019, o arquivista Dan Turner (Mamoudou Athie) passa seus dias explorando e preservando o passado. Ele compra fitas de vídeo e de áudio de vendedores de rua, explorando as recordações coletadas por outras pessoas. Cada fita é uma surpresa para ser dissecada e avaliada pelos seus olhos e ouvidos atentos. Trabalhando no Museu da Imagem e Movimento, ele restaura meticulosamente bobinas de filme e som que foram danificadas ou descartadas. Há uma conexão entre as trágicas mortes de sua família anos atrás e a carreira profissional de Dan, e vamos aos poucos fazendo essa ligação. 

Sua vida pessoal exibe rachaduras que são sugeridas pelas conversas de Dan com seu melhor amigo Mark Higgins (Matt McGorry), criador e apresentador de um podcast de terror, o Mystery Signals. Dan mantém uma postura cética sobre o mundo sobrenatural, mas ao longo de Arquivo 81 essa opinião será desafiada por acontecimentos bizarros. Tudo tem início quando ele recebe uma irrecusável oferta de trabalho vinda de Virgil Davenport (Martin Donovan), milionário dono de uma corporação sombria. Davenport contrata Dan para restaurar e digitalizar uma série de fitas de vídeo danificadas em um incêndio ocorrido em 1994. 

Enviado para um complexo remoto nas Montanhas de Catskills, ele passa a viver isolado do mundo exterior, sem internet e sem sinal de celular. O trabalho se torna sua obsessão e ele mergulha na restauração de uma coleção de fitas queimadas, sujas e molhadas. Assistindo ao conteúdo fragmentado, ele passa a conhecer Melody Pendras (Dina Shihabi), uma estudante que 25 anos atrás trabalhava em sua tese de doutorado em antropologia sociocultural. Seu projeto envolvia catalogar a história oral de um prédio de apartamentos sinistro, o Visser, em Nova York. A história do prédio é estranha: construído sobre as ruínas de uma mansão que também foi incendiada na década de 1920, o lugar fervilha com mistérios guardados à sete chaves. À medida que assiste aos registros feitos por Melody, Dan vai conhecendo os habitantes do prédio (uma fauna pra lá de estranha) que oculta segredos medonhos. 


Enquanto Dan examina os vídeos deixados por Melody, um estranho vínculo atemporal começa a se formar entre eles. A investigação de Mellody se mostra cada vez mais perigosa, não apenas colocando-a em situações de risco, mas desafiando sua própria sanidade. A amiga adolescente de Melody, Jess (Ariana Neal), ajuda a estabelecer sua conexão com os habitantes do Visser e, enquanto se aprofunda no material, a realidade de Dan também começa a ser afetada. 

Os oito episódios de Arquivo 81, todos lançados na Netflix em 14 de janeiro, foram conduzidos por jovens talentos da direção, cada um responsável por dois segmentos. A produção da série é de James Wan, nome conhecido entre os fãs, responsável por algumas das mais emblemáticas produções recentes no gênero. O visual da série se alterna entre imagens  limpas e estéreis nos eventos em 2019 e a filmagem saturada e granulada da narrativa de 1994. Essa diferença estética é importante, pois Arquivo 81 salta do presente para o passado sem cerimônia. O espectador terá de ter atenção aos detalhes se quiser acompanhar e entender o desenvolvimento da trama, e se fizer isso, será recompensado. 

Os intérpretes de Dan e Melody são excelentes e a estranha interação firmada entre eles garante alguns dos melhores momentos da série. Dan faz muito mais do que assistir os vídeos, ele participa ativamente dos acontecimentos, investigando-os com a ajuda de seu amigo, único contato restante no mundo exterior. Momentos de tensão e reviravoltas vão se alternando num ritmo de perder o fôlego. Arquivo 81 oferece várias suposições e suspeitas, mas elas só serão resolvidas no momento certo, quando o roteiro assim desejar.


As peças desse complicado quebra-cabeças vão se encaixando lentamente: temos um culto diabólico, rituais de sacrifício, artistas perturbados, ricaços entediados levados ao estudo do oculto, tomos esotéricos, um cometa rasgando o firmamento e entidades dimensionais, que fazem parte da colagem de enigmas sobrenaturais. A aberturas dá uma ideia dos elementos que compõem a trama intrincada. Acompanhado de uma trilha sonora cadenciada e enervante, que evoca o mesmo tipo de pressentimento e inquietação dos personagens, a série é absolutamente viciante.

Arquivo 81 não deixa de ser uma grande surpresa entre os lançamentos do Netflix, a série aparentemente despretensiosa conquistou seu lugar entre as mais assistidas nesse início de ano e já recebeu sinal verde para uma segunda temporada, embora não se saiba se a história a ser abordada será uma continuação ou algo totalmente diferente. 

Apenas um adendo, não se deixe enganar imaginando que essa é apenas mais uma série inspirada pela já batida premissa das fitas de vídeo encontradas (as video footstages). Arquivo 81 tem o mérito de construir um mistério sólido e criar uma atmosfera sinistra e ao mesmo tempo sutil, difícil de deixar de lado. 

Brilhante e praticamente obrigatório para fãs!

Trailer:


segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Alan Moore vs Grant Morrison - A rivalidade entre dois celebrados gênios das HQs


Além do falecido Stan Lee, talvez não haja outro nome no mundo dos quadrinhos, mais conhecido do que Alan Moore. O imensamente influente autor de Graphic Novels britânico tornou-se uma lenda através de obras conhecidas como Watchmen, V de Vingança, Batman: A Piada Mortal, A Liga dos Cavalheiros Extraordinários, Do Inferno e muitos, muitos outros títulos que figuram entre as maiores obras das HQ nas últimas décadas. Moore também é conhecido por seu modos reclusos, sua personalidade mística, olhos selvagens, barba e cabelos compridos, sua pura excentricidade e por ser um rabugento incorrigível. Ah, e há também o fato de que essa lenda dos quadrinhos ser um ocultista e praticante, supostamente muito poderoso, de magia de verdade. 

O fato de ele ser um mago ritualista não é exatamente um segredo, já que Moore veio a público com essa informação em seu aniversário de 40 anos em 1993, e desde então tornou-se parte de sua personalidade geral. O escritor muitas vezes é visto vestindo itens esotéricos; joias e anéis de aparência arcana, e aparentemente ele tem até sua própria "caverna mágica" onde supostamente pratica feitiços e rituais. Moore originalmente se interessou pelas artes mágicas através de sua escrita, e ele associa intimamente os dois, dizendo sobre sua introdução ao mundo da feitiçaria e sua conexão com a arte:

"Um balão de palavras em From Hell mudou completamente minha vida. Um personagem diz algo como: ‘O único lugar onde os deuses indiscutivelmente existem é na mente humana’. Depois que escrevi isso, percebi que acidentalmente que fiz uma declaração verdadeira e agora teria que reorganizar toda a minha vida em torno disso. A única coisa que parecia realmente apropriada era me tornar um mago. Acredito que magia é arte, e que arte, seja música, escrita, escultura ou qualquer outra forma, isso é magia. A arte é, como a magia, a ciência de manipular símbolos, palavras ou imagens, para conseguir mudanças na consciência das pessoas... De fato, lançar um feitiço é simplesmente soletrar, manipular palavras, mudar a consciência, e é por isso que acredito que um artista ou escritor é a coisa mais próxima no mundo contemporâneo de um xamã."


As principais crenças mágicas de Moore repousam na obra do notório mago ocultista do início do século XX, Aleister Crowley, bem como no sistema mágico chamado Kabbalah, também escrito Qabalah. Moore não faz nenhuma tentativa de esconder seu interesse por esses assuntos, realizando rituais e cerimônias regularmente e muitas vezes falando dessas coisas. Ele estava envolvido com um ritual notório realizado sob a influência de psicodélicos, no qual tentou invocar um demônio chamado "Asmodeus". Supostamente o experimento terminou com Moore perseguindo David J., baixista do grupo musical Bauhaus, querendo tirar dele sangue com um canivete. Moore também mostrou que não está acima de organizar exibições públicas de seu poder, como um vídeo francamente incrível dele tentando literalmente explodir um limão com o poder de sua mente. 

Alan Moore segue o sistema hermético de magia da Cabala e com o qual se comprometeu décadas atrás, dizendo: "É assustador. Você chama os nomes nessa linguagem estranha e incompreensível, e está olhando para um vidro ou espelho, e nele parece haver um homenzinho falando com você. Simplesmente funciona.

Quer você acredite ou não nessas afirmações místicas, existem aqueles que definitivamente não acreditam e que deixam isso bem claro. O escritor de quadrinhos escocês, funcionário da DC Comics e autoproclamado, nêmeses de Alan Moore, Grant Morrison, é o principal crítico do mago inglês. Na verdade, não é de hoje que os dois estão envolvidos em uma espécie de guerra fria que envolve magia e ocultismo.

Moore e Morrison tiveram discussões públicas por décadas, muitas vezes lançando farpas e golpes baixos vitriólicos um contra o outro. Mas a coisa fica realmente interessante quando se trata de suas crenças em magia e da questão sobre quem venceria uma disputa de magia, pois obviamente, Morrison também se diz um mago. Considerando que ambos parecem se odiar e são tanto ocultistas quanto magos praticantes, parece natural que a "prática da magia", se torne um assunto recorrente. A principal disputa entre os dois é que Moore é mais tradicionalista, subscrevendo o ocultismo clássico da magia cabalística e os ensinamentos de Crowley, mais focado em rituais e regras, enquanto Morrison está mais inclinado para as técnicas modernas da Nova Era e "Magia do Caos". Ele seria mais rebelde, menos estrito nas regras, e seguiria a noção de que é a intenção que faz a magia funcionar e qualquer coisa pode ser usada para realizá-la, reinventando constantemente as "regras". Tal coisa não impressiona Moore, e ele não mede palavras para demonstrar seu descontentamento. Em uma entrevista para a revista Pagan Dawn, Moore fala sobre Morrison e a Magia do Caos da Nova Era:

"Receio não ter interesse em Grant Morrison ou em seu trabalho e não o considero um escritor ou um mago. No que diz respeito à Magia do Caos, parece que esta era simplesmente uma versão inglesa mais punk do movimento "New Age", algo amplamente californiano, com sistemas mágicos simples (e simplistas) que trazem apenas benefícios materiais sem qualquer necessidade de erudição ou disciplina. Com o movimento recente da magia do Caos de conjurar os deuses fictícios de H.P. Lovecraft para interagir "magicamente", tudo soa como um reduto de fãs de fantasia, quase um cosplay astral, ao invés de magia verdadeira."


Os dois discutiram e derrubaram as crenças mágicas e filosofias ocultas um do outro por anos, chegando até a criar quadrinhos inspirados pelo ocultismo, que desafiam diretamente as crenças alheias, como Os Invisíveis de Morrison e a série Promethea de Moore. No fim, tudo parece incrivelmente absurdo, até você perceber que ambos aparentemente falam muito sério sobre o assunto. Eles já desafiaram um ao outro para definir quem pode realizar o feitiço mais poderoso e supostamente ameaçaram se amaldiçoar mutuamente em várias ocasiões. Não importa se você acredita ou não nessas excentricidades, é inegável que elas soam muito bizarras. Mas quem será que realmente venceria uma batalha mágica entre os autores? O escritor Brian Michael Bendis, quando perguntado em uma entrevista, declarou sem rodeios: "Os poderes de mago de Alan Moore não devem ser subestimados! Eu já vi ele fazendo umas coisas fodidas!

Não está claro o que exatamente começou essa disputa de décadas ou quanta "magia" realmente foi usada, mas é inegável que é, no mínimo, esquisito ver duas lendas dos quadrinhos agindo dessa forma. Os dois são inegavelmente ícones de sua indústria, não são apenas autores de quadrinhos, mas roteiristas cuja obra se traduziu em cinema em produções milionárias, vistas por milhões de pessoas. O fato deles se envolverem nessa disputa aparentemente mesquinha, alguns podem até dizer ridícula, causa surpresa.

Quem vencerá essa batalha de bruxaria moderna e egos inflamados? Suponho que teremos que esperar para ver.

Ou não?