segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

O Verme de Lambton - Uma Lenda Medieval sobre um monstro terrível


Há momentos em que o mundo dos mitos, lendas e da criptozoologia parecem convergir e fluir em uma mesma direção. Muitas narrativas sobre animais Fantásticos e bestas desconhecidas parecem ter sua origem em histórias do passado e mitologia. Lendas que as pessoas consideram apenas dessa maneira, invenção e mero faz de conta.

Nossa estranha história começa no século XIV, no Condado de Durham no norte da Inglaterra. Na época, o lugar era um vilarejo rural afastado cuja posse pertencia a família Lambton. Num domingo qualquer, o jovem herdeiro da família, um rapaz de 13 anos chamado John Lambton decidiu sair para pescar no Rio Wear que ficava dentro de suas terras. Era um lugar bucólico com belas paisagens repletas de grama verde, arbustos, arvoredos e recantos onde se podia passar horas em silêncio e tranquilidade.

Infelizmente, Lambton esqueceu-se de um detalhe no dia que resolveu sair para pescar. Aquele era um domingo, considerado dia santo que deveria ter sido reservado entre outras coisas, para comparecer à missa. Naquela época, tal coisa era importante e sua omissão proposital tida como um pecado. Mesmo assim, o rapaz não pensou muito à respeito do assunto, queria um dia de folga e usou aquele. Enquanto se divertia despreocupadamente na margem do Rio, um velho passou pela estradinha e apontou para ele proclamando que ele não teria uma boa captura depois de faltar aos serviços religiosos. Lambton desconsiderou as palavras do velho e continuou pescando desfrutando da serenidade pacífica da área. E assim, dessa maneira despretensiosa começaria um conto folclórico proeminente que pode ou não ter qualquer base na realidade.

Muitas horas se passaram sem uma única mordida de peixe, a ponto dele começar a pensar que o velho talvez estivesse certo, mas então a vara de pesca quase foi arrancada de suas mãos. O que quer que estivesse do outro lado da linha era grande e forte, pescador e presa travaram uma batalha tão épica que Lambton estava convencido de que aquele devia ser um peixe realmente enorme. No entanto, quando ele finalmente conseguiu arrastá-lo para fora da água, descobriu que não era nenhum peixe, mas sim uma criatura parecida com uma enguia com pele negra de ébano e viscosa, uma cabeça como uma salamandra, uma boca cheia de agulhas afiadas como dentes e nove orifícios minúsculos ao longo de cada lado da boca. A coisa se debatendo era estranha e ele jamais havia visto nada igual. A abominação era bem pequena, desmentindo a força com que havia lutado, e foi uma visão tão desagradável que Lambton estava prestes a chutá-la de volta na água quando o mesmo velho que o advertiu algumas horas antes se aproximou dele .

O jovem Lambton pesca o seu inimigo mortal no Rio Wear

O homem perguntou o que ele havia capturado, e quando lhe foi mostrada a besta dentada reluzente e se contorcendo, ele imediatamente fez o sinal da cruz e disse que havia "fisgado um demônio" e que não devia devolvê-lo ao rio, não importa o que acontecesse. Disse ainda que naquele rio, por vezes, emergiam coisas estranhas, criaturas e monstruosidades que assombravam os camponeses. Por isso não se pescava naquele lugar em especial, por considerá-lo de alguma forma maldito.

Lambton ponderou sobre as palavras do velho, mas por fim decidiu enfiar a criatura em sua cesta e trazê-la de volta para sua propriedade, mas ficou tão enojado com a coisa que acabou jogando-a em um velho poço no caminho de casa. Depois disso, ele praticamente se esqueceu do monstro vil. Anos se passaram e Lambton acabou se envolvendo nas Cruzadas, onde foi lutar atendendo o que considerava ser um chamado de Deus. Ele empreendeu a longa jornada até o Oriente Médio e visitou o berço da cristandade, a cidade de Jerusalém.

Ao retornar para casa, cansado e endurecido pelos anos de luta e massacre, Lambton descobriu que havia algo estranho em seus domínios. Os aldeões que viviam em suas terras e que lhe deviam lealdade relataram que se sentiam abandonados e que enquanto seu senhor estava nas Cruzadas, eles sofriam com uma presença nefasta. A fonte desse seu medo era um poço isolado que ficava à meio caminho entre o Rio Wear e a Propriedade do Senhor das Terras. Os camponeses relatavam que o poço exalava um fedor nocivo e repugnante e que o conteúdo nas suas profundezas estava envenenado tendo matado um rebanho inteiro de ovelhas que inadvertidamente bebeu das águas pestilentas. Entretanto, havia ainda mais: diziam que algo vivia naquele poço profundo e escuro, um ser que começou a matar o gado na área e a roubar o leite das vacas. Não é preciso ser um gênio para concluir que se tratava do mesmo poço em que Lambton havia atirado o monstro que pescou naquele fatídico domingo.

Há várias representações do monstro e do herói que o enfrentou

Os camponeses mencionavam que se tratava de uma imensa criatura parecida com um verme ou serpente, com escamas negras e lustrosas e uma enorme boca cheia de presas afiadas. O monstro entrava nas casas, roubava bebês e levava crianças para devorá-las. Também matava homens que andavam sozinhos na floresta e aterrorizava a todos. Estava se tornando cada vez mais ousado depois de descobrir ser capaz de matar impunemente. A fome que o levou a devorar animais estava rapidamente sendo substituída pelo desejo irrefreável pela carne humana. Ele havia provado dela, e gostado.

A história que relataram a Lambton dizia que a certa altura um caçador renomado emboscou a criatura e até chegou a capturá-la, mas que ela conseguiu escapar. Em outro momento, uma multidão de aldeões supostamente partiu para o bosque para matar a fera. Mas eles desapareceram sem deixar vestígios, sendo encontrados dias mais tarde espalhados pela mata, mortos e mutilados, seus corpos inchados quase irreconhecíveis pelo veneno do monstro. Até mesmo cavaleiros de passagem, que tentaram testar suas habilidades de batalha e matar a besta, falharam. Todos os tipos de lendas surgiram nessa época, destacando as temíveis capacidades do monstro. Diziam que ele podia regenerar partes perdidas ou até mesmo reconectá-las, que era capaz de arrancar árvores e usá-las como armas. O tamanho da fera em relatos posteriores variava muito, com alguns dizendo que tinha cerca de 5 metros de comprimento e outros alegando que era grande o suficiente para envolver uma colina.

Lambton não sabia de nada disso até o dia que voltou das Cruzadas e ouviu a súplica dos seus súditos desesperados. Suas terras antes frondosas e bem cuidadas estavam abandonadas, como se uma presença ruim estivesse mudando a própria natureza do lugar. As colheitas haviam falhado e os animais estavam doentes e irritadiços. A água pura do Rio Wear agora tinha um cheiro desagradável e um gosto salobro. Os camponeses viviam apavorados, escondiam-se em suas casas quando com medo de sair quando escurecia. Tudo estava se tornando estéril e cinzento.

Ilustração do século XVII sobre a lenda do Verme de Lambton

O nobre então decidiu que ele mesmo deveria enfrentar a criatura e procurou o conselho de uma bruxa que vivia na área. A bruxa deu-lhe o conselho de cobrir sua armadura com pontas de lança e confrontar a besta em seu próprio covil. Ela também o alertou que não se tratava de uma criatura desta terra, e que depois de matá-la era preciso também matar a primeira coisa viva que ele encontrasse pela frente, ou a família sofreria com uma maldição nefasta por nove gerações. Lambton formulou um plano com seu pai para soltar um cão de caça ao ouvir sua trompa tocar três vezes, o que seria o sinal de que a criatura estava morta. A ideia era que o cão de caça corresse para lá e pudesse ser morto para evitar a maldição, mas as coisas não saíram conforme o planejado.

Quando Lambton se aproximou do covil no rio, a criatura que viria a ser conhecida como o "Verme de Lambton", surgiu ameaçadoramente deslizando pelo leito até ele. Seu cavalo foi vítima de uma mordida venenosa que matou o pobre animal em poucos segundos. Em seguida, a besta se virou para confrontar o cavaleiro, enrolando-se em seu corpo para esmagá-lo. Felizmente para Lambton, sua armadura havia recebido várias pontas de lança que perfuravam o monstro sempre que ele tentava imobilizá-lo para apertá-lo. Isso enfraqueceu a criatura e ela o soltou, deslizando na direção do rio para curar suas feridas. O herói foi mais rápido, correndo atrás dele, desferiu um golpe na parte traseira, fazendo a criatura se voltar para um bote final. Ferida e perto da morte, o verme era ainda mais perigoso, mas Lambton era um lutador experiente. Com um golpe certeiro, a lâmina da espada acertou a cabeça da criatura quase a decepando. Ele se arrastou para longe, enquanto a fera se debatia violentamente nos estertores da morte. 

Ele lembrou então da maldição e soprou a trompa vigorosamente três vezes. Seu pai ficou tão feliz que o monstro estava morto que esqueceu de soltar o cachorro e correu para parabenizar o filho. Lambton então ficaria horrorizado ao ver o próprio pai ali, em vez do cachorro, e em vez de matá-lo, resignou-se à maldição, que pairaria sobre a família por nove gerações causando todo tipo de infortúnio, tragédia e morte.

O verme cada vez maior e mais ameaçador.

Embora essa lenda possa soar como simples folclore, já foi sugerido que alguns pontos dela poderiam ser baseados em alguma verdade. Talvez o verme fosse um tipo de réptil exótico ou uma serpente de natureza desconhecida. O que torna o relato ainda mais curioso é que existem várias histórias sobre tais bestas ao longo dos tempos, frequentemente chamadas de Wyrms ou Wyverms, muito semelhantes em aparência ao Verme de Lambton habitando a mesma região. De fato, há um relato de tal criatura na mesma área no século XVI, com um registro paroquial na Igreja de São Nicolau na cidade de Durham:

"Um certo italiano trouxe para a Cidade de Durham no 11º Dia de junho no ano de 1501. Era uma serpente muito estranha e monstruosa com dimensões superiores a um grande cavalo. A criatura foi morta e sua carcaça recuperada na Etiópia, dentro dos domínios dos turcos. Antes de ser abatido, o monstro havia destruído (como é descrito) mais de 1000 pessoas. A criatura foi morta depois de uma longa escaramuça na qual mais de 20 guerreiros a enfrentaram ao mesmo tempo." 

Outra história típica da região de Sockburn, também no condado de Durham, menciona um jovem cavaleiro chamado Sir John Conyers, que caçou uma dessas criaturas depois que ela supostamente aterrorizou o condado por 7 anos. O guerreiro encontrou e matou a fera na nascente do Rio Tees depois de um combate acirrado. O monstro foi enterrado sob uma enorme pedra cinza. A morte desse Wyrm foi tão marcante que impulsionou a reputação da família Conyers consideravelmente. Ao Bispo de Durham foi oferecida cerimoniosamente a lâmina com a qual a besta havia sido morta.

Detalhe de uma placa decorativa na Catedral de Durham

Há um registro do ocorrido:

"A confluência e entusiasmo dos nobres, do clero e de outras pessoas era enorme, e na minha entrada pelo rio Tees quase não havia espaço para a multidão de cavalos e homens que enchiam potes, cântaros e cantis, acreditando que a água havia sido santificada. A espada que matou o dragão foi entregue a mim com toda a formalidade de trombetas, gritos e aclamações."

Parece curioso que tantos contos semelhantes tenham se originado na mesma região, mas nunca saberemos se algum dia foram baseados em alguma criatura real que viveu, se arrastou e envenenou o lugar com sua presença profana. Independentemente de haver algum fundo de verdade no conto do Verme de Lambton, ele se tornou uma história contada ao longo dos séculos, presente na literatura, poesia, música, teatro e cinema, consolidando-se como uma das lendas mais famosas da região. Existem contos de cavalaria inspirados nessa história e o próprio J.R.R. Tolkien pesquisou à respeito dela, usando-a como inspiração para criar os Wyverns de O Senhor dos Anéis.

Até hoje é possível encontrar marcos associados a história, incluindo o Castelo de Lambton e um lugar chamado Worm Hill (Monte do Verme), onde se acredita a carcaça da criatura foi enterrada. Diz a lenda que o monte continua crescendo e que um dia o Verme de Lambton, irá ressuscitar, totalmente renovado. Enquanto isso não acontece, observamos preocupados imaginando qual a linha que divide lenda e realidade.

2 comentários:

  1. O verme acorda e o exercito inglês manda uma bomba nele. Isso seria legal!

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  2. Uma sugestão para analisar os aspectos cosmicistas na ficção científica: Trilogia do "Problema dos Três Corpos" do autor chinês Cixin Liu. Ele apresenta uma visão muito diferente, interessante e muitíssimo assustadora do motivo de nenhuma civilização alienígena ter entrado em contato com a raça humana.

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