domingo, 8 de março de 2020

A Primeira Detetive - As façanhas de Kate Warne, pioneira na investigação particular


O ano era 1856 e uma mulher entrou no escritório de Chicago da famosa Agência de Detetives Pinkerton para conversar com seu fundador Allen Pinkerton. Seu nome era Kate Warne.

A Srta. Warne era uma viúva em busca de trabalho. Ela veio procurar uma vaga como secretária, mas infelizmente, no dia em que ela entrou no escritório a vaga já havia sido preenchida. De qualquer forma, Allen Pinkerton a entrevistou e ficou impressionado com sua postura. Não se sabe ao certo de quem partiu a proposta, se de Kate ou de Allen, mas o fato é que no dia seguinte, ela foi contratada como Detetive da Agência.

Allen havia fundado a Agência de Investigação Pinkerton com o propósito de ser a maior e mais profissional agência de investigação particular do mundo. Seus detetives tinham a fama de ser implacáveis e incorruptíveis; um trabalho dado devia ser cumprido até as últimas consequências, ao custo da segurança e mesmo da vida do detetive destacado para o trabalho. Nenhum serviço era pequeno demais, nenhum desafio grande o suficiente para seus funcionários treinados em espionagem, criptografia e infiltração. Os primeiros anos da Pinkerton haviam consolidado esse comprometimento e concedido à Agência prestígio inigualável. O ditado da empresa, colocado logo abaixo da tabuleta em seus escritórios era "Nós jamais dormimos" e de fato, eles faziam por merecer a fama conquistada.

Dizem que Allen Pinkerton já havia pensado a respeito de contratar uma mulher para a agência, afinal algumas de suas clientes mais importantes eram mulheres de classe social elevada. Ele imaginava que uma agente do sexo feminino poderia passar desapercebida com maior eficiência, seria capaz de ir a lugares em que homens não conseguiriam e descobrir informações recorrendo não à força bruta ou intimidação, mas sutileza e discernimento. Além disso, seria mais fácil uma mulher se conectar e entender o que as clientes desejavam. Faltava apenas encontrar a candidata certa para a função.


Kate era perfeita para o trabalho. Ela assimilou muito bem os princípios dos detetives da Pinkerton: era meticulosa e inteligente, não deixava passar nenhum detalhe e quando se dedicava ao trabalho nada poderia demovê-la de alcançar seu objetivo. Após receber treinamento ela parecia ter nascido para o trabalho. Ela conseguia participar de eventos sociais sem chamar a atenção, além de demonstrar uma notável habilidade para assumir identidades falsas e agir sob disfarce. Kate tinha familiaridade com o palco e portanto não era difícil para ela ser convincente ao assumir um papel. Além disso tinha facilidade para aprender idiomas e talento para imitar sotaques. Ela era capaz de encarnar com facilidade uma imigrante irlandesa, uma dama da alta sociedade ou uma humilde criada trocando de identidades como quem troca de roupas. 

Outros detetives veteranos se mostraram incomodados com a presença de Kate entre eles, inclusive Robert Pinkerton, irmão de Allen que levantou suspeitas de que ela havia sido contratada apenas pela sua boa aparência. Kate, no entanto, não demorou a provar que era um recurso extremamente valioso para a Agência.

Um de seus primeiros trabalhos foi o famoso Caso do Capitão Sumner ocorrido na Philadelphia. O militar contratou os Pinkerton por suspeitar que sua irmã e cunhado planejavam matá-lo para obter uma herança contestada. Kate fez amizade com a irmã do sujeito e se tornou confidente dela, conseguindo cartas onde ela revelava um plano de envenenamento. Graças às provas obtidas, o plano foi frustrado e os criminosos postos atrás das grades.   

Depois disso, Kate teve participação importante no caso que desvendou uma Conspiração que ameaçava assassinar o recém eleito Presidente Abraham Lincoln em uma viagem oficial para Baltimore. Allen Pinkerton havia obtido indícios de que os conspiradores pretendiam agir, mas não havia como ele se infiltrar no grupo. Kate se ofereceu para o trabalho e foi enviada para Baltimore disfarçada como uma rica senhora de terras do Sul. Com um forte sotaque de Atlanta e uma peruca loira, ela ficou praticamente irreconhecível. Dessa forma conseguiu fazer amizade com indivíduos da alta sociedade e foi apresentada a um grupo de radicais que detestavam o presidente e suas ideias liberais. Kate participou de encontros e reuniões secretas ocorridas no luxuoso Hotel Barnum, usando disfarce. Ela foi tão convincente que chegou a ser convidada para discursar contra Lincoln em uma reunião. Sua atuação permitiu que tivesse acesso aos chefes da conspiração que então revelaram seus planos.
   
Kate Warne em sua identidade civil
E sua fotografia na Carteira de Detetive da Pinkerton
Tendo obtido informações suficientes, Kate acionou os Agentes da Pinkerton e estes as autoridades que prenderam o grupo. Após detalhar em que circunstâncias tudo foi resolvido, Lincoln pediu para conhecer a Detetive que ajudou a expor a Conspiração e quando apresentada ao Presidente, ela recebeu seus mais estimados agradecimentos.

Posteriormente, a Agência Pinkerton foi incumbida de garantir a segurança e custódia do Presidente em suas viagens pelo país. Nos anos que antecederam a Guerra Civil foram feitas inúmeras ameaças a vida do Presidente e simpatizantes da Confederação haviam sido enviados para missões de assassinato. Foi Kate o agente responsável por garantir a segurança de Lincoln quando ele recebeu uma grave ameaça na Philadelphia. Ela descobriu que poderia haver um atentado e transferiu o Presidente devidamente disfarçado para outro vagão. Nessa mesma noite, um assassino conseguiu entrar no compartimento onde o presidente deveria estar.  

Segundo assessores, Kate ficou ao lado de Lincoln todo tempo até que ele chegasse a Washington em segurança. Quando alguém entrava no vagão, ela colocava a mão na bolsa e segurava o cabo de seu revolver de serviço. Kate aliás era conhecida pela perícia com armas de fogo, carregava na bolsa a pistola calibre 38 de cano curto, arma de serviço dos Pinkerton, além de uma Derringer 25 na perna e uma pistola acionada por mola na manga da camisa. Todo esse arsenal lhe valeu o apelido de "Pistol Kate".

Durante os anos da Guerra Civil, a Agência Pinkerton tornou-se consultora de Inteligência ligada ao Departamento do Exército e Guerra. Kate trabalhou arduamente durante todo conflito. Ela teve sucesso se infiltrando e participando de eventos sociais que reuniam pessoas contrárias aos interesses da União. Usava uma série de disfarces e identidades falsas para se misturar aos rebeldes. Ela chegou a desempenhar missões no Sul, assumindo a identidade da viúva de um General que lhe permitiu descobrir o nome de espiões que atuavam clandestinamente no Norte. Há boatos de que ela teria inclusive conseguido acesso a mapas que mostravam a mobilização de tropas e planos de batalha dos confederados.

Durante a Guerra Civil, ela vestia uniforme de oficial da União para desempenhar o posto de Guarda Costas
Uma das únicas fotografias que ela se permitiu tirar para não arruinar seus disfarces.
Após o fim da Guerra Civil, Kate retornou a Washington onde continuou trabalhando na Agência. Apesar de Lincoln ter sido enfim assassinado em 1865, a atuação da Agência Pinkerton sempre foi muito elogiada, o que resultou na indicação para que os Pinkerton treinassem os futuros agentes do Bureau Federal de Investigação, que mais tarde daria origem ao FBI.

Hoje em dia, Kate Warne é reconhecida como a pioneira no ramo da investigação moderna. Em um tempo em que não existiam mulheres policiais, detetives ou mesmo direito de voto feminino, ela foi uma precursora. Graças aos seus notáveis resultados, os quadros da Pinkerton contrataram outras mulheres para atuar como Detetives. Kate recebeu o cargo de Supervisora de Agentes e treinou as primeiras turmas de formandas pessoalmente, transmitindo a elas parte de sua experiência. Ela dizia às suas alunas aula inaugural:

"Em seu trabalho vocês serão testadas diariamente, mais do que qualquer outra pessoa, muito mais do que qualquer outro agente. Vocês serão observadas constantemente por pessoas que esperam seu menor deslize, e torcem para isso acontecer, pois assim poderão dizer que vocês não estão à altura do trabalho. Cabe a vocês provar que eles estão errados e que são capazes".

Kate Warne faleceu em 1868, aos 36 anos de idade, vítima de uma pneumonia agravada por um problema pulmonar.

Ela é reconhecida como a primeira mulher Detetive Particular da História.

2 comentários:

  1. Luciano,
    Muito apropriado esse post sobre uma mulher investigadora neste dia 8 de março. Parabéns pela sensibilidade e por manter vivo este maravilhoso Blog há tanto tempo!

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  2. Uau, que história fantástica! Não conhecia nada sobre ela, vou procurar mais informações e compartilhar essa matéria!

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