quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Cinema Tentacular: "The Cabin in the Woods" - Joss Whedon brinca com o gênero horror

Ok, antes de ler qualquer coisa, deixe-me dizer que se você gosta de filmes de horror, é um amante de comédias de humor negro ou apenas alguém que gosta de desenterrar referências a outros filmes, não deixe de ver "The Cabin in the Woods"

Acredite em mim quando digo que as chances de você gostar desta pequena joia do gênero horror-comédia e se divertir à valer, são muito grandes.

Outro conselho: PARE DE LER ESSA RESENHA!

Estou falando sério, não leia esta resenha, e fuja de qualquer comentário a respeito deste filme. Evite qualquer trailer se for possível. Assistir "The Cabin in the Woods" sabendo o menos possível à respeito da trama ou do que ele trata é essencial. Desse modo você vai tirar o máximo proveito dele. O filme tem como recompensa uma eficaz reviravolta, que, quanto mais fundo bater em você, mais você vai gostar.

Eu assisti ontem e não sabia absolutamente nada à respeito, além do fato de ser um filme de terror. Confesso que no início fique meio decepcionado por parecer mais um daqueles filmes típicos de universitários americanos sendo massacrados, mas é aí que repousa a surpresa.

Pois bem, se você continua lendo a partir desse ponto vou assumir que já viu o filme, está grato pelo conselho que dei ou me amaldiçoando por não ter gostado do que viu. É possível também que você seja uma daquelas pessoas esquisitas que gostam de estragar todas as surpresas. Bem, seja como for, vamos em frente. Continue lendo. Eu não vou (e não tenho como) detê-lo.

"The Cabin in the Woods" foi escrito por Joss Whedon (diretor de Os Vingadores) e parte de uma premissa absolutamente batida nos filmes de terror. Sério, qualquer fã de horror assistiu dezenas de filmes como esse e está familiarizado com o roteiro. São ENORMES CLICHÉS em sequência.




Aqui está um breve resumo livre de Spoiler:


Um grupo de universitários americanos (dois casais e mais um cara), todos bonitinhos a ponto de poderem aparecer em propaganda de pasta de dente, decide passar um final de semana em uma cabana à beira de um lago. No programa está a habitual mistura de diversão, sexo e drogas. No caminho até a tal cabana recém comprada pelo primo de um dos amigos, eles encontram um sujeito assustador em um posto de gasolina. O tal eremita, quando fica sabendo para onde eles estão indo diz que a cabana tem uma espécie de maldição e que eles estarão condenados se forem até lá. É claro, a molecada ri dos avisos ameaçadores e considera que tudo não passa de bobagem. Quantos clichés você contou até agora? Pois bem, tem mais... 

Ao chegar ao seu destino, os universitários encontram uma cabana incrivelmente isolada e terrivelmente estranha. Quando eu digo isolada, não estou exagerando. O lugar fica em uma área onde (surpresa!) não funciona celular e não tem telefone ou vizinhos próximos. O clássico lugar "onde ninguém ouvirá seus gritos de socorro". Além disso, o único acesso passa através de uma estrada acidentada e de um túnel que atravessa a montanha. E por "terrivelmente estranha" eu me refiro ao visual do lugar. Trata-se de uma réplica quase perfeita da cabana do filme Evil Dead. A casa ainda vem completa com direito ao clássico alçapão no chão, que não apenas leva a um porão assustador, mas tem a propensão de se abrir sozinho.

Mas tudo é diversão e o grupo aproveita o dia nadando no lago e brincando de (adivinha só) Verdade ou Consequência (dãããããã! Parece que não existe outro jogo nesse tipo de filme...)

Finalmente, como você pode imaginar, porque já viu isso acontecer em um monte de outros filmes de terror, o grupo decide descer as escadas para explorar o porão. Lá encontram centenas de objetos curiosos, de aparência assustadora e...

(Ok, última chance de parar de ler e manter as surpresas intactas. A partir deste ponto, considere esta uma ZONA DE SPOILER).


... decidem ler um antigo diário que encontram dando sopa ali por cima da tralha. Com isso, descobrem o que aconteceu com a família de maníacos que vivia na cabana cerca de cem anos atrás. Aparentemente os caipiras tinham uma espécie de culto devotado a tortura e sofrimento (não é poético?). E não para por aí, os grandes idiotas decidem ler em voz alta um trecho em latim (coisa que nunca se deve fazer nessas circunstâncias!). A próxima coisa você sabe, os "zumbis" amantes da dor e sofrimento levantam de suas covas "morrendo de vontade" de "brincar" com os invasores.


Com tantos clichés e com uma estória tão besta o filme não parece ser lá grande coisa. Mas aí é que está a reviravolta.


Tudo o que acontece no filme é especialmente planejado, cuidadosamente arquitetado e maquiavelicamente encenado por uma obscura agência governamental que controla tudo o que está acontecendo. Os pobres universitários não fazem ideia de que estão participando de um complô de sacrifício, em que eles serão as vítimas. Casas como essa se espalham ao redor do mundo, locais isolados onde pessoas que não suspeitam de nada são atraídas, manipuladas e por fim massacradas ritualisticamente. E o tal ritual é de suma importância, cada detalhe deve ser respeitado nos mínimos detalhes para que o sacrifício seja satisfatório.


Por exemplo: Todos os universitários devem ser jovens e bonitos, exceto pelo palhaço do grupo que pode ter uma aparência normal desde que cumpra o papel de alívio-cômico. Além do maconheiro desbocado  que assume esse papel, as demais vítimas precisam se enquadrar nos estereótipos desejado: o atleta tapado, a loira dadivosa, o estudante gente boa e a virgem certinha. 


Uma das coisas legais, é que a tal equipe responsável pela realização do ritual tenta moldar as vítimas para que elas se enquadrem nesses arquétipos. No fim das contas, o atleta é um estudante de sociologia com boas notas, a loira é, na realidade, uma morena que acaba de tingir  cabelo, a menina virgem é uma jovem com uma vida sexual e assim por diante. É a equipe, através do uso de produtos químicos e feromônios, que induz o comportamento desejado nos universitários. Para fazer a loira ter um comportamento libidinoso eles usam um spray com feromônios que faz com que ela literalmente suba pelas paredes. O atleta age de forma descuidada e provocativa, pois recebe doses maciças de um estimulante.    



O enredo vai ainda mais longe ao tratar de elementos clássicos dos filmes de horror. O eremita biruta no posto de gasolina é claro, participa da trama. Ele serve como um último aviso simbólico para aqueles que serão sacrificados. Ao ignorá-lo, as vítimas exercem seu poder de livre arbítrio e condenam a si mesmos, uma parte vital do sacrifício.

Quanto ao porão repleto de itens assustadores, cada um está ligado a um monstro sobrenatural diferente e os universitários é que acabam involuntariamente "escolhendo" o que virá matá-los - como no caso do diário que conduz aos zumbis, mas poderiam ser muitas outras coisas macabras desde vampiros, passando por lobisomens e animais mitológicos. Daí vem várias outras referências a filmes clássicos de horror. Alguns são óbvios para os fãs como o globo quebra-cabeças de bronze e madeira, uma alusão clara ao cubo de Hellraiser. Outros são mais sutis, como uma fita VHS, uma concha ou um boneco horroroso de cabelo vermelho.

A equipe que coordena o ritual é outro ponto alto do filme. Apesar de levar o serviço à sério, os funcionários são burocratas engravatados comuns que para passar o tempo fazem apostas sobre qual será o horror despertado e quanto tempo cada jovem vai resistir antes de ser invariavelmente massacrado. A forma como eles manipulam os acontecimentos usando artifícios variados para trapacear à favor dos monstros conduz a situações hilariantes de puro humor negro. Segundo a explicação do filme, esses funcionários dedicados e invisíveis, são a causa para as pessoas fazerem coisas incrivelmente estúpidas quando estão correndo perigo. São eles que "obrigam" as pessoas a sair de casa para seguir um ruído misterioso ou que fazem o carro falhar na hora da fuga. Uma das partes divertidas é acompanhar o stress dos funcionários tentando fazer bem o seu trabalho sobretudo quando as coisas começam a dar errado.


Em outra cena muito bem sacada, a equipe americana assiste os resultados de um grupo que faz um trabalho semelhante no Japão. Mas ao invés de universitários correndo o risco de virar sacrifício, eles tem de lidar com garotinhas de um colégio interno enfrentando a assombração de uma garota de cabelos lisos e compridos. Cada país afinal tem seus próprios horrores.  

"The Cabin in the Woods" faz uma espécie de homenagem a filmes como Evil Dead, Sexta Feira 13, Hellraiser, Anaconda, Aliens etc. Até o bom e velho Horror Cósmico criado por Lovecraft recebe uma clara referência.


Muita gente pela internet tem falado desse filme, considerando-o um dos mais "lovecraftianos" dos últimos anos. Realmente há sinais inequívocos a temas presentes na obra de Lovecraft, embora nenhuma criatura ou entidade do Mythos dê as caras. Ao invés disso, misteriosos "Grandes Antigos" são citados como as criaturas que demandam o elaborado sacrifício dos jovens. 

Em um trecho, a Diretora da Agência (interpretada por ninguém menos que Sigourney Weaver) diz que os Grandes Antigos, um bando de deuses gigantescos e malignos, só vão continuar dormindo se receberem esse tributo de sangue. E ela conclui de forma bastante cínica que não chega a ser um sacrifício muito grande abater um atleta, uma loira promíscua, um doidão, um bom estudante e uma virgem para salvar a humanidade. 

Apesar desse aceno ao Mythos não espere ver Cthulhu ou qualquer outra entidade. Os Deuses estão muito mais para titãs gregos do que para entidades do Mythos, embora possa ser feita uma correlação.



"The Cabin in the Woods" é um filme extremamente divertido que brinca de forma inteligente com elementos familiares dos filmes de horror. Entre uma cena sinistra e outra, o espectador tem a chance de dar boas gargalhadas e sorrisos de cumplicidade ao captar as referências deixadas a outras obras.

O filme ainda não foi lançado aqui no Brasil mas terá o nome "O Segredo da Cabana". Por razões óbvias não vou colocar o trailer aqui.

Nome original: The Cabin in the Woods
Ano: 2012
Dirigido por: Drew Goddard
Escrito por: Drew Goddard e Joss Whedon
Elenco: Kristen Connolly, Chris Hemsworth, Anna Hutchison, Fran Kranz, Jesse Williams


4 comentários:

  1. Parei de ler a resenha quando vc mandou!:)

    Mas agora fiquei com medo de buscar mais informações. Onde posso encontrar o filme sem acabar esbarrando em spoilers?

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  2. A tônica do filme é totalmente diferentes dos trailers disponíveis, achava que seria uma mistura dos filmes O Cubo e de Cabin Fever... hahaha.. ótimo filme, acho que depois de ver esse filme perdi minha ótica sobre filme de terror

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  3. Cara, parei imediatamente de ler sua resenha no início e fui atrás dessa "peróla" do horror. Muito bacana as inúmeras referências ao filmes de terror/horror e aos diversos clichês envolvendo os protagonistas que serem abatidos um a um! A referência então aos Mythos só o enriquece. Torcia pra ver um tentáculo gigantesco no final do filme, mas tudo bem, nem tudo é perfeito! Valeu a participação da tiazona Sigourney Weaver no final do filme tb! Esse filme me lembrou outro: Cast a Deadly Spell (Feitiço Mortal), uma comédia no mundo dos Mythos de Cthulhu, alguém sabe onde posso encontrar essa raridade?

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  4. Ótima resenha para um ótimo filme! O escritor da resenha e o diretor/roteirista do filme estão de parabéns!

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