E já que estávamos falando de névoas, acho que é um bom momento para a resenha desse filme, "um dos melhores filmes lovecraftianos sem realmente ser Lovecraftiano". E um dos meus favoritos nos últimos tempos.
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O Nevoeiro ("The Mist", 2009) é tudo aquilo que um filme de horror deve ser - sinistro, intenso, angustiante e surpreendente. Além de ser pontuado com sustos suficientes para fazer o espectador se encolher na poltrona. É o tipo de filme que faz com que a gente não consiga desviar os olhos, por mais horrendas que sejam as cenas, por mais medonhas que sejam as situações.
Baseado em um conto curto de Stephen King, o filme é dirigido por Frank Darabont. Autor e Diretor já haviam trabalhado juntos anteriormente, produzindo para as telas de cinema dois dos mais elogiados filmes baseados nos romances de King: Um Sonho de Liberdade ("The Shawshank Redemption"/1994) e "A Espera de um Milagre" ("The Green Mile"/1999), ambos dramas que se passam em presídios e que concorreram a importantes prêmios, inclusive ao Oscar. Apesar de não ter enveredado pelo caminho dos filmes de horror que tornaram o nome de Stephen King conhecido mundialmente, Darabont sempre foi um fã do gênero e desejava adaptar um destes conto.
Com o crédito pelos dois trabalhos anteriores ele optou por "O Nevoeiro" um conto considerado "menor" no vasto repertório de King. Escrito no início dos anos 1980, o conto (dempoucomais de 200 páginas) é parte da antologia "Tripulação de Esqueletos".
Mas engana-se quem pensa que "O Nevoeiro" é apenas um filme de monstros com criaturas horripilantes e assustadoras. É claro, elas estão lá, mas o horror real do filme está na paranoia, no fanatismo religioso e na impotência diante de situações imponderáveis e das quais não existe escapatória. O roteiro de "O Nevoeiro" aborda um dos temas favoritos do repertório de King: a deterioração das relações humanas e da civilização quando pessoas comuns se vêem confrontadas com algo aterrorizante. De que maneira o respeito, a honra e a coragem se esfacelam quando alguém é mergulhado em uma situação de horror extremo?
Os personagens do filme são incrivelmente humanos com todas as suas virtudes e falhas. São em última análise uma imagem de gente normal que leva uma vida insignificante. Não há heróis ou vilões, apenas pessoas comuns jogadas numa situação limítrofe. E em meio a essa realidade assustadora, as "pessoas comuns" podem se tornar tão más (ou até piores) do que o pesadelo que as persegue. O filme sugere a questão: "quem é pior"? Nós ou eles? E a resposta é difícil de ser obtida com base no que se vê.
O tema voltou a ser abordado pelo diretor com muito sucesso em seu projeto seguinte, a adaptação da série de quadrinhos "The Walking Dead" para a televisão. Vários dos atores de "O Nevoeiro", por sinal, foram aproveitados na série sobre o Apocalipse Zumbi.
Mas voltemos a falar do filme. Segue uma pequena sinopse sem recair em spoilers.
"O Nevoeiro" tem um início morno, mas rapidamente se transforma em uma jornada surreal. David Drayton (Thomas Jane) é um artista bem sucedido que vive com sua esposa e filho em uma bela casa no interior do Maine (como sempre, as estórias de King se passam no estado em que ele nasceu). Certa noite, uma violenta tempestade atinge a região e uma enorme árvore, destrói seu estúdio. Os danos são consideráveis e a casa fica sem energia ou telefone. Em busca de informações, David, seu filho Billy (Nathan Gamble) e o vizinho Norton (Andre Braugher) decidem ir até a cidade e descobrir o que aconteceu. Drayton e Norton não se suportam, e forçam um ao outro a se comportar com civilidade e educação. No caminho para a cidade, os três observam uma estranha névoa cinzenta que parece flutuar acima de um lago. Nunca antes eles viram um nevoeiro tão denso.
Eles se dirigem para o super-mercado local que parece ser o melhor lugar para encontrar os outros moradores. Todos ainda tentam compreender o que diabos aconteceu na noite passada. Enquanto conversam com vizinhos e amigos, a estranha névoa adentra a cidade e gritos são ouvidos. Um homem sujo de sangue, entra aos trancos e barrancos no mercado e alega haver alguma coisa oculta no nevoeiro. A essa altura a névoa já engoliu tudo, impedindo que se veja alguns poucos metros além de uma densa muralha cinzenta. As portas do mercado se fecham e chocados os moradores da cidade assistem a paisagem se pintar de branco.
Embora as pessoas presas no mercado não tenham idéia do que está acontecendo, a sensação de confinamento é enervante. O nevoeiro não se comporta como algo normal. E se algo realmente estiver escondido lá fora? Não demora muito para David e os demais descobrirem o horror oculto no nevoeiro e presos no mercado, terão de lutar por sua própria sobrevivência. Enquanto isso, a fanática Senhorita Carmody (Marcia Gay Harden), uma solteirona meio-maluca, acredita que o nevoeiro é um sinal de que o apocalipse enfim chegou e que Deus a designou como a única capaz de salvar os infiéis - nem que tenha de sacrificar os que não acreditam nas suas profecias.
A maior parte do filme se passa no interior do super-mercado, embora as cenas mais tensas sejam aquelas em que um ou mais personagens deixam a relativa segurança que ele oferece para explorar o exterior recoberto pela névoa. Dentro do mercado, a medida que as pessoas vão ficando cada vez mais tensas, três grupos distintos se formam: aqueles que rejeitam qualquer conceito esotérico, liderados por Norton, os que acreditam numa explicação sobrenatural e seguem a Srta Carmody e os que sabem que algo estranho está acontecendo, mas preferem agir ao invés de rezar, esses liderados por David. É claro, enquanto as criaturas abomináveis espreitam do lado de fora, os humanos discutem entre si de modo cada vez mais áspero. E desse atrito, é claro, vão resultar faíscas e violência.
Até os monstros surgirem, a estória faz um trabalho irretocável preparando o público para o terror que vai crescendo, tudo isso sem realmente mostrar nada de concreto. O diretor sabe muito bem que nada assusta mais o público do que estimular a imaginação fértil e deixá-lo atento a qualquer som ou imagem no canto da tela. Atmosfera é essencial em um bom filme de horror. O Nevoeiro não é um filme de sustos fáceis, quando as criaturas aparecem, uma mais bizarra do que a outra, elas são barulhentas, realistas, mortais... e os atores conseguem passar a sensação do que realmente é estar aterrorizado.
A equipe de efeitos especiais nesse filme se superou na maneira como cada monstro foi concebido. As criaturas não são simplesmente seres estranhos saídos da imaginação do autor, na verdade, o conceito de cada um foi sugerido por biólogos e debatido por zoólogos que os detalharam com base no que poderia existir em um outro mundo, onde as leis naturais não se aplicam. As criaturas "lembram" animais terrestres, mas cada uma delas é especialmente adaptada para um meio-ambiente alienígena extremamente hostil onde cada ser vivo é ao mesmo tempo presa e predador. Os efeitos de CGI tornam a ação incrivelmente realista de modo que cada investida das criaturas do nevoeiro arranca arrepios legítimos.
O Nevoeiro, na minha opinião peca apenas pela explicação frouxa sobre a origem do fenômeno e de onde teriam vindo as horríveis criaturas. Eu entendo que o público queira saber o que está acontecendo, mas a maneira como um dos personagens revela a origem do pesadelo beira o ridículo. O roteiro poderia ter sido um pouco mais criativo sem apelar para explicações que soam batidas. Por outro lado, King escreveu esse conto nos anos 80, o que justifica certas soluções fáceis que na época podiam funcionar.
Muita gente também criticou a facilidade como os personagens perdem o controle e se entregam a loucura. Eu já penso que a reação de certos personagens é bem condizente com a degradação mental sofrida por eles. O choque de ter seu mundo mudado de uma hora para outra é grande demais. Basicamente, o ser humano não está preparado para suportar certas revelações e a insanidade acaba sendo a única forma que a mente encontra para lidar com essas coisas. Se a gente parar para pensar, o Horror Cósmico de Lovecraft, Machen, Bierce e tantos outros mestres da literatura fantástica, se baseia exatamente nesse conceito.
Nenhuma dessas críticas, entretanto é capaz de arranhar o resultado final do filme.
Mas uma resenha sobre "O Nevoeiro" jamais estará completa sem comentar o polêmico desfecho. O que posso dizer é que o final não deixa espaço para meio termo: ou a pessoa o adora ou o detesta. Tenho conhecidos que disseram ter gostado do filme, mas que simplesmente detestaram o final. Da mesma forma, alguns acharam o filme "normal", mas amaram o desfecho. Particularmente eu achei o final incrível!
Bom, eu pretendo falar a respeito do final do filme, e não tem como fazer isso sem incorrer em spoiler.
Então, estejam avisados, que daqui em diante há um enorme SPOILER.
Dizem que antes do roteiro de "O Nevoeiro" ser concluído, Frank Darabont enviou uma carta para o estúdio que produziria o filme, a Universal, informando que nenhuma linha seria alterada, do contrário ele abandonaria o projeto. É claro, ele estava tentando se resguardar de qualquer mudança que suavizasse o final absolutamente pessimista do filme. Surpreendentemente o estúdio aceitou o ultimato do diretor e permitiu que ele mantivesse o final dark em que o protagonista executa cada um dos seus companheiros, inclusive o próprio filho em uma cena seca e assustadora.
Eu reconheço que a cena é pesada e muita gente, principalmente quem tem filhos se sente incomodado por ela. Mas dentro da realidade do filme, do niilismo absoluto, eu acho ela plenamente justificável. Não é algo gratuito ou fora do contexto, feito apenas para chocar e gerar polêmica.
Na faixa de comentários que acompanha o Blu-Ray, o diretor obtém a simpatia do próprio Stephen King que elogia a conclusão alternativa para sua estória - no conto, o destino dos sobreviventes fica em aberto. King no entanto, faz uma ressalva, ao dizer que se tivesse pensado nesse final, não sabe dizer ao certo se teria coragem de colocá-lo no livro. Ao meu ver, o final do filme é muito mais apropriado do que o do livro. O horrível desfecho, reflete em tons negros o que é ser humano em um mundo que está se tornando cada vez mais alienígena.
Minha cena favorita no filme, além dessa última no carro é a que os sobreviventes do mercado vagam sem destino pelas estradas cobertas de névoa do Maine. Ao som de "The Host of Seraphim" do Dead can Dance, uma música ao mesmo tempo linda e triste (que eu sempre vou associar a esse filme!), os personagens e o espectador tem consciência das dimensões do horror.
Eu sei que ninguém vai sair desse filme alegre, o final é um soco no estômago. Mas é algo que faz a gente pensar na fragilidade humana diante de um ambiente fora de controle. Sem falar que é uma cena que fica na cabeça por muito, muito tempo...Minha cena favorita no filme, além dessa última no carro é a que os sobreviventes do mercado vagam sem destino pelas estradas cobertas de névoa do Maine. Ao som de "The Host of Seraphim" do Dead can Dance, uma música ao mesmo tempo linda e triste (que eu sempre vou associar a esse filme!), os personagens e o espectador tem consciência das dimensões do horror.
Trailer:
Gostei bastante do filme também e está entre meus prediletos.
ResponderExcluirQuanto a explicação sobre a origem das criaturas, achei plausível, mesmo porque não faria diferença no decorrer do filme. Ao meu ver, os personagens não estavam lá pra entender e/ou reverter a situação, e sim, sobreviver.
Já o final, realmente achei melhor do que o livro!
Luciano, reparou que no filme, nessa cena que eles andam pelo nevoeiro e passam por baixo de um colosso, de que a criatura é um Habitante de Tondi (ou parece MUITO com um)? Achei foda a referência.
ResponderExcluirAdoro o filme, um das melhores produções no gênero mesmo.
Haha! Eu me inspirei no filme para fazer o Habitante de Tondi.
ResponderExcluirGosto muito desse filme, fiquei imaginando as criaturas dos Mythos que inspiram os monstros do filme como os Byakhee, aquele bico alado que come os insetos que aparecem no vidro do supermercado, bem como aquelas aranhas mutcho locas!
ResponderExcluirNão gostei do final. O filme em si foi impecável, mas o final do conto nos passa uma sensação de desespero, de "opa, fudeu"! Já o do filme, foi um estilo, "e os bonzinhos sobrevivem"! Mas o resto do filme foi "cthulhuano"! Foi fantástico!
ResponderExcluirBelo filme, com um final realmente digno das melhores tramas de horror!
ResponderExcluirRealmente é um ótimo filme. E além de tudo, se observarmos a mitologia criada e expandida por Stephen King na Torre Negra encontramos exatamente uma ótima explicação para tudo o que acontece no filme, até mesmo no final.
ResponderExcluirQuando o portal se abriu aconteceu um "defeito" no tecido do tempo-espaço que King chama de Lúmina. A Lúmina é formada pela sobreposição de mundos e faz um som/vibração que deixa todos enjoados e até loucos. Além disso, King cita que existem monstros habitando entre essas dimensões, quase como se alguns dos antigos de Lovecraft estivesse a espreita.
Esse filme é animal, um dos melhores no quesito terror. O final, apesar de bastante amargo deu realmente o diferencial em relação a outras produções do gênero.
ResponderExcluiro filme é de 2007, não 2009.
ResponderExcluirSó assisti a este filme hoje, mas preciso fazer um comentário atrasado: o filme é sensacional e teve uma cena que me lembrou um cenário q mestrei de coc, the pale god, quando o corpo de um cara estoura e uma série de pequenas aranhas (the brood) saem dele, só faltou mesmo aparecer eihort e minha sanidade iria pró saco
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ResponderExcluirSó eu que vi a mulher que morre dentro do mercado( a que se suicidou com remédios), aparece no caminhão de sobreviventes como se nada tivesse acontecido?! Minha cabeça bugou com isso, sério que o filme cometeu um erro desse tamanho?!
Vc esta errado, a mulher que morre no mercado com remédios continua morta, a mulher que aparece em cima do caminhão de sobreviventes é a mulher que sai do mercado pra pegar as duas filhas , repara que ela esta acompanhada de 2 meninas em cima do caminhão, o filme não cometeu nenhum erro.
Excluircomo já disseram em um post aqui
ResponderExcluir“O fato de existirem lugares tão daninhos ao ser humano, no entanto, não significa que estes sejam destituídos de criaturas nativas.”
Alguem pode me dizer, de onde e como apareceram as criaturas? Obgd, e mesmo com essa duvida, excelente filme
ResponderExcluirComo o Juliano Alves escreveu, as criaturas vem das luminas ou escuridão todash. Para poder entender melhor vão ter que ler os oito livros da torre negra , e no mundo do conto o exército fez merda e fez um rasgo na realidade aonde as criaturas saíram da escuridão todash.
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