Uma estação medieval de quarentena para a peste negra, um asilo de doentes mentais e mais recentemente um enorme depósito de material hospitalar. A pequena Ilha de Poveglia na Lagoa de Veneza serviu a muitos propósitos desagradáveis ao longo dos anos, mas hoje ela está vazia. O que resta de seu passado apodrece lentamente ao sol. São os restos de uma série de construções abandonadas em ruínas, prédios tomados pela vegetação que cresce selvagem a pouco mais de duas milhas do brilho e esplendor do Grand Canal.
Lendas e rumores a respeito de Poveglia são quase tão numerosos quanto as ervas daninhas que recobrem a superfície da ilha. E há material para centenas de estórias de terror, uma vez que essa pequena faixa de terra já testemunhou cenas que poderiam estar inseridas nos capítulos da Divina Comédia sobre o submundo.
Dizem que a quantidade de pessoas afligidas pela peste negra enviadas para a colônia na Ilha desde o período romano foi tão grande que mais 50% do solo atual é constituído por cinzas humanas. Na época, qualquer um que apresentasse os sintomas ou estivesse sob suspeita de ter contraído a doença, era despachado compulsoriamente no porão de um navio para a ilha. Mais que uma colônia de quarentena, em Poveglia os doentes eram descartados permanentemente. Haviam grandes fossos que serviam como crematórios que eram o destino final dos cadáveres restantes do flagelo. E as piras instaladas em Poveglia arderam por séculos. Embarcações carregadas de doentes já meio mortos, despejavam sua macabra carga na praia para que prisioneiros condenados os empilhassem e queimassem. Quem desembarcava em Poveglia jamais retornava. A última grande epidemia, que motivou a transferência de mortos e doentes para a ilha ocorreu no século XVII, não há como quantificar quantas pessoas foram mandadas para lá, mas uma estimativa afirma que o número ultrapassa os 160 mil.
A fama de assombrada é conhecida entre os pescadores que preferem contornar a ilha à distância. Dizem que lançar as redes nos arredores de Poveglia dá azar, pois além de recolher peixes com cores doentias e horrivelmente deformados, por vezes as redes retornam das profundezas com ossos humanos. Os pescadores contam que há navios mercantes etruscos e romanos naufragados na costa recortada de Poveglia, haveria ainda alguns cargueiros venezianos que afundaram na área levando para as profundezas tesouros valiosos. Mas ninguém jamais ficou rico mergulhando nessas águas. Alguns afirmam categoricamente que sob as ondas existem terrores antigos que atraem os marinheiros e os puxam para a escuridão.
Há ainda as histórias sórdidas contadas sobre os tempos em que um asilo funcionou na ilha. O hospital erguido no século XIX seria uma espécie de manicômio judiciário que recebia pacientes perigosos e perturbados: maníacos e psicóticos em sua maioria, havia espaço para assassinos, estupradores e necrófilos. A ilha chegou a abrigar mais de 500 pacientes de uma só vez. É claro, as instalações eram insalubres, para dizer o mínimo. Uma das irmãs de caridade que servia na enfermaria, teria sido vítima de um grupo de pacientes que a violentaram brutalmente. Após levar à termo uma gravidez indesejada ela teria se suicidado lançando-se de uma antiga torre para o mar revolto. Há rumores de que a criança nascida desse horrível ato cresceu na ilha para se tornar ele próprio um enfermeiro sádico que torturava e lobotomizava os condenados. Alguns chegam a atestar que foi esse tratamento brutal que motivou o fechamento do hospital em meados de 1925. Outros preferem culpar os espíritos dos criminosos insanos que dizem, continuam vagando pelo lugar como uma presença espectral maligna emergindo das cavernas sob a ilha.
Poveglia atraiu a atenção de vários escritores fascinados pela sua conturbada estória. Angelo Beolco escreveu que "as próprias ondas relutam em quebrar em sua costa tristonha", já o poeta Carlo Goldoni foi mais incisivo "a ilha não é nada mais além de uma fossa de tudo o que é ruim e maligno no mundo". Os vizinhos dessa incômoda ilha, os venezianos, fizeram de tudo para dirimir os rumores a respeito de Poveglia. A maioria nega temer o lugar, mas preferem não mencionar os fossos repletos de ossos da época da praga ou os restos carcomidos do asilo. Um artigo recente publicado na Revista Venezia, tentou desmistificar o passado de Poveglia, contando um pouco de sua história.
Mas enquanto, a ilha permanecer fora do alcance dos curiosos, os rumores irão continuar a se multiplicar. A aura de antigo mistério e horror permeia toda a ilha, taxada como "não visitável" para os milhares de turistas que vão a Veneza anualmente. Os gondoleiros não podem se aproximar mais do que um quilômetro e meio da praia principal sob o risco de perderem a licença de trabalho. A "Ilha do Terror" como alguns se referem a ela, está fora dos limites e há pesadas multas para qualquer um que se aproximar. A razão para esse cuidado, segundo as autoridades tem a ver com questões de saúde pública. Poveglia por algum tempo foi usada como depósito de lixo hospitalar - mais uma das nada amáveis facetas da ilhota.
O repórter Francesco Nerio que escreveu o artigo na Revista Venezia recebeu autorização para visitar Poveglia em 2012 e conhecer em primeira mão o local. Foram meses de negociações com as autoridades que por fim acabaram cedendo. Nerio pôde conhecer a "Ilha mais assustadora do mundo" desde que acompanhado de três oficiais da Marinha Italiana.
Ele teve a oportunidade de ver as ruínas das estruturas erguidas pelos venezianos a partir do século XII. Na face ocidental da ilha, ainda existem os restos de uma igreja com um campanário. A torre com cerca de 10 metros, posteriormente foi usada como farol no século XVIII, e dela a enfermeira da estória teria saltado para a morte. A ilha possui outro marco histórico, a estrutura conhecida como "octógono", um forte construído no século XIV para repelir os Genoveses (inimigos mortais dos venezianos). Durante as Guerras Napoleônicas, o forte foi restaurado e usado por Britânicos para vigiar a entrada de embarcações em Veneza. Isso até que os soldados imploraram para serem mandados de volta, por "não suportar a presença de fantasmas na ilha". Um dos marinheiros que acompanhou o repórter contou que pelo menos dois navios franceses teriam encalhado próximo ao Octogon e seus ocupantes foram feitos prisioneiros pelos vigias ingleses. Pouco antes de receber a ordem para partir, os prisioneiros teriam morrido em um incêndio na prisão do forte.
Mais adiante do antigo forte, atrás de uma série de árvores ficam as ruínas do manicômio judiciário. Foi nesse lugar, onde havia ainda um simples atracadouro de madeira, que a pequena expedição desembarcou para fazer a sua visita. O barco foi amarrado e o grupo seguiu a pé, com as recomendações de não se afastar.
As ruínas não passam de meia dúzia de prédios em escombros, alguns realmente caindo aos pedaços com o teto ruindo e paredes perfuradas ou descascadas. O que foi erigido com tijolo e concreto ainda resistia bravamente às interpéries, mas o efeito do vento e principalmente da maresia havia deteriorado aquelas construções. Como resultado, muita coisa estava prestes a cair e coberto de vegetação. O grupo seguiu através das ruínas, entrando em um ou dois prédios que pareciam seguros. O repórter encontrou restos de mobília, na sua maioria estruturas de camas e alguns objetos pessoais que um dia pertenceram aos atendentes e aos internos: um pé de sapato, uma panela esmaltada, uma colher entortada... os marinheiros não permitiram que nada fosse removido e o grupo seguiu adiante depois de algumas fotografias.
Perto dali ficava a antiga sede da estação de quarentena chamada Lazaretto Vecchio fundado oficialmente em 1403, mas que já era usada desde a época do Império Romano. A praga e as doenças eram um imenso problema no mundo medieval, especialmente em grandes centros de comércio, como Veneza. Para manter a doença longe da cidade, os governantes sancionaram uma lei sanitária impondo que qualquer pessoa com suspeita de doença deveria ser enviada para Lazaretto Vecchio a fim de ser separado dos indivíduos saudáveis. Sem o conhecimento de como germes e infecções funcionavam, muitas pessoas eram enviadas para o isolamento sem ter realmente a doença, ou por sofrer de uma simples gripe. Infelizmente, em contato com o ambiente onde haviam inúmeras pessoas afligidas pela doença era questão de tempo até se contrair alguma enfermidade. Ao chegar em Poveglia, os recém chegados tinham de remover as roupas, tomar banho com vinagre e fulminar uma mistura de cal no corpo, que alguns acreditavam era uma forma de controlar a doença. Depois disso, estavam por conta própria recebendo alguns mantimentos de instituições de caridade, mandados em barcos.
Para os padrões de saúde medievais, Veneza era considerada uma cidade modelo. No auge da peste que atingiu a Itália - com muita força no século XVI, a contagem de mortos na cidade foi bastante reduzida em função das leis sanitárias em vigor. Se uma pessoa apresentava sinais de contaminação, nobre ou camponês não importava, era mandado para fora da cidade. Médicos vestindo máscaras de couro com um longo-nariz para filtrar os miasmas, inspecionavam as vítimas e decidiam quem devia partir. Mas se essas medidas garantiam a paz de espírito dos habitantes de Veneza, o mesmo não se podia dizer dos que tinham o azar de ser mandados para Poveglia.
A Ilha era um verdadeiro inferno, com mortos e doentes largados em todo canto. Os condenados que viviam em Poveglia vestiam um tipo de jaleco amarelo e máscaras simples. Eles andavam com carrinhos usados para empilhar os cadáveres e transportá-los até os crematórios. Madeira e combustível eram deixados todo mês para manter as piras ardendo. Em 1568, o historiador Formoso di Granci, escreveu que em Veneza era possível ver a nuvem negra dos crematórios de Poveglia lançando no ar cinzas que eram sopradas pelo vento. Dependendo para onde ele soprava, uma nevasca cinzenta cobria ruas e canais. "É a neve da vergonha e do medo" escreveu o historiador.
Em 1968, bem depois da desativação do manicômio, pensou-se em construir um museu na ilha, mas a ideia foi abandonada em favor de uma medida bem menos popular, a de transformar a ilha em um aterro sanitário para material médico e hospitalar. Boa parte do lugar foi aterrado e remexido pelos operários que derramaram toneladas de lixo até meados de 1975, quando ambientalistas levantaram questões sobre o que aconteceria com o material caso ele fosse um dia levado para o mar em alguma enchente.
A partir de 1980, Lazaretto Vecchio começou a ser escavado por arqueólogos em busca de peças de um quebra-cabeças de 500 anos. Indícios da história negra de Poveglia começaram a ser removidos da terra coberta com a poeira cinzenta que em tudo adere. Em um descampado, localizaram um imenso fosso onde encontraram as ossadas de mais de 1500 vítimas da peste.
Os arqueólogos fizeram outra descoberta macabra escavando um antigo cemitério: um vampiro. Na verdade, o cadáver de uma pessoa que os supersticiosos habitantes da ilha acreditavam ter sido um morto-vivo. O esqueleto tinha um grande pedaço de tijolo enfiado entre os dentes, em um costume medieval que visava impedir que o morto-vivo retornasse. Por garantia, um espeto de ferro foi enfiado em seu peito e ali permaneceu por séculos.
Existem novamente planos de construir um museu na ilha, mas eles sempre esbarram na mesma questão de saúde pública. Há alguns anos surgiu a ideia de remover os detritos e o lixo hospitalar, mas os planos não chegaram a ser colocados em prática ironicamente porque um trabalho dessa natureza causaria dano ao patrimônio histórico. Mais recentemente, a Ilha esteva à venda, mas não chegou a atingir o valor necessário para sua posse ser transferida. Uma das condições para aquisição de Poveglia é revitalizar a ilha, o que demandaria um projeto milionário.
Enquanto nada é decidido, a Ilha de Poveglia continua fora dos limites dos curiosos, um lugar com uma aura de estranheza e uma história bizarra que perdura há séculos.
Ela é considerada a Ilha mais Assombrada da Itália e um dos lugares mais mórbidos do mundo. Francamente, com tudo o que se conta a respeito dela, o título é mais do que merecido.
O Lago dos Ossos
Floresta de Oakigahara
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Que coisa macabra e louca ao mesmo tempo... pobres pessoas que padeceram nesse lugar...
ResponderExcluirEU QUERO COMPRA LA!
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