O simples nome está envolto em mistério, suspense e horror... Caçadores de Cabeça.
A prática remete a algo saído de histórias pulp envolvendo expedições no coração das selvas sul-americanas. No entanto, o ato de remover a cabeça de cadáveres após matar seu dono e preserva-las como um troféu macabro, é algo muito mais comum do que se poder supor. De fato, tal coisa foi praticada extensivamente em todos os continentes (exceto Antártida, ao menos até onde sabemos) e ainda é realizada em algumas culturas modernas.
Embora a razão mais comum para esse ato seja demonstrar o poder de conquista e promover o terror sobre os inimigos, há outros motivos. Um deles envolve a crença de que conquistar a cabeça de alguém, é uma forma de controlar e escravizar um inimigo espiritualmente. O que pode ser mais aterrorizante do que saber que seus inimigos, não apenas irão decapitar sua cabeça, mas que esse ato irá condenar seu espírito a uma submissão eterna?
Entre os povos no Peru pré-colombiano, Caçadores de Cabeça agiam em meio a guerras, conflitos ou revoltas. Havia até uma casta de indivíduos que compunham uma espécie de elite de guerreiros xamãs cuja função primordial era remover e preservar cabeças que eram então ofertadas aos chefes militares como valiosos troféus. Uma cabeça podia ser negociada, trocada e ofertada como um tesouro inestimável dependendo de quem era o dono original dela.
A recente descoberta de um esconderijo contendo centenas de cabeças mumificadas no Peru trouxe novos fatos sobre esses estranhos costumes.
Nossa história começa no Vale de Vitor no Sudeste do Peru, uma área habitada em tempos antigos, antes mesmo da escrita e das civilizações que ocupariam o país muitos séculos depois. O Vale foi o berço da civilização de La Ramada, uma cultura sobre a qual sabe-se ainda muito pouco, exceto que eles eram ávidos caçadores e negociantes de cabeças.
Escavações recentes na área, lideradas pela arqueóloga peruana María Cecilia Lozada, encontrou 27 sepulturas datando do ano 550 a.C. Os poços de 4 metros de profundidade continham os restos mortais de cerca de 60 pessoas, incluindo mulheres e bebês, além de artefatos como estatuetas, utensílios, joias de adorno e tecidos cerimoniais. No entanto, a descoberta mais significativa no interior das sepulturas foram seis cabeças cuidadosamente acomodadas em caixas de madeira estofadas com pele de lhama.
Cabeças e caveiras eram parte de um grande negócio no Peru - sendo o Vale de Vitor um dos centros para empreendedores dispostos a negociar suas mercadorias macabras. Há varios lugares no Peru onde as tzompantli - como eram conhecidas as coleções de crânios – podem ser encontradas. Os nobres, os líderes tribais e sacerdotes estavam dispostos a pagar verdadeiras fortunas a quem lhes trouxesse cabeças pertencentes a notórios guerreiros ou pessoas importantes.
Uma tzompantli poderia conter algo entre dezenas até milhares de crânios e cabeças cuidadosamente acomodadas em prateleiras. Quanto mais peças numa coleção, maior o status de seu dono. A crença era de que os crânios representavam um tesouro que poderia ser desfrutado no além vida. Ao morrer, o dono daquelas cabeças teria poder sobre os espíritos e estes o serviriam eternamente como escravos.
A maioria dos estudiosos acreditavam até recentemente que todos os crânios nas coleções pertenciam tao somente a vítimas de sacrifício humano e prisioneiros de guerra. Sabese agora que os crânios mais valiosos pertenciam a inimigos mortos em batalha e trazidos de volta como troféus. Muitas vezes estas peças eram cuidadosamente montadas em estacas de madeira ou cetros de metal. Recebiam adornos na forma de brincos, correntes, piercings e ate mesmo tatuagens post-mortem. Algumas tinham ainda dentes extraídos e substituídos por moldes de metal precioso ou gemas depositadas nas órbitas vazias. Quanto mais elaborada a apresentação, melhor.
Uma cabeça-troféu especial, dependendo da fama do individuo em vida, poderia comprar muitos escravos, uma porção de terra e até mesmo valer o equivalente a uma casa ou fazenda.
Os crânios-troféu encontrados no Vale Vitor passavam por um processo elaborado de mumificação que preservava suas características e permitia o reconhecimento muito tempo depois da morte. Após serem removidas seguindo métodos específicos, a cabeça era tratada com diferentes ingredientes e seivas naturais, além de ser conservada em um ambiente seco que potencializava a mumificação. Quanto mais preservada a cabeça, mais valiosa ela se tornava, contudo crânios também podiam alcançar grandes valores se ficasse comprovada a sua origem.
Curiosamente as cabeças-troféus nem sempre pertenciam a inimigos ou estrangeiros. Um colecionador poderia ansiar por peças que pertenciam ao seu próprio povo ou a soldados que se destacavam em combate e que eles desejavam manter a seu serviço mesmo após a morte.
Esse costume pode ter surgido com o interesse de trazer de volta para sua terra natal ao menos uma parte dos soldados que morriam em algum canto distante. Posteriormente, alguns colecionadores decidiram incorporar até mesmo os aliados às suas tzompantli, um procedimento que não devia ser muito popular e que por isso era mantido em sigilo.
Uma análise de DNA nas seis cabeças encontradas recentemente apresentou resultados curiosos. Apenas duas delas pertenciam a indivíduos de outros povos, sendo as outras quatro cabeças de indivíduos da mesma cultura que o "dono" destas.
O desejo por colecionar certas cabeças fazia com que algumas pessoas deixassem ordens expressas aos seus descendentes para terem duas cabeças emovidas e destruídas após a morte como forma de evitar que eles fossem escravizados. Isso explica porque vários corpos encontrados em cemitérios antigos no Vale Vitor surgiam decapitados - essa era uma medida para garantir a segurança dos espíritos.
A prática de colecionar cabeças da Cultura de La Ramada parece ter se mantido até a decadência dessa civilização. Posteriormente ela foi passada para outros povos, inclusive a poderosa Civilização Inca que teve seu maior centro localizado em Cuzco. Os Incas dedicavam grande importância a cabeça e devotavam muitos interesse em moldar o formato do crânio de recém nascidos.
Ainda hoje, em áreas isoladas no interior do Peru, a cabeça é considerada a parte mais importante do indivíduo. Embora não haja mais tzompantli, o costume de ter pequenas cabeças feitas de pano e tecido em casa, é bastante difundido. Algo reminiscente dos tempos em que colecionar cabeças humanas verdadeiras era sinal de riqueza e poder.
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