segunda-feira, 15 de maio de 2023

As Crianças de Bodon - O Horrível crime que chocou a Finlândia


Confesso que não costumo me incomodar muito com filmes de terror, pra falar a verdade depois de assistir tantos filmes do gênero é difícil algum se destacar e me impressionar. A maioria passa batida como simples entretenimento que depois de assistir acabo esquecendo quase que imediatamente. Mas recentemente assisti um que ficou alguns dias na minha cabeça e que veio visitar minha mente justo quando a casa estava quieta e as sombras mais escuras. 

O nome dele é Lago Bodom, ou simplesmente Bodom, um pequeno filme finlandês, o terceiro longa do talentoso diretor Taneli Mustonen. Lançado em 2016, a produção ganhou prêmios e colecionou elogios da crítica especializada que o considerou "uma viagem a um pesadelo muito real".

E esse é o ponto!

Parte do incômodo à respeito do filme é o mistério enigmático que o inspirou. Como a maioria dos fãs de terror, eu não me impressiono facilmente com o chamariz de um filme ser supostamente "baseado em uma história real". Lago Bodom, no entanto, tece criativamente os elementos do mais famoso caso de assassinato não resolvido da história finlandesa com sua própria história independente. O resultado é algo bastante intenso. 

No filme quatro adolescentes, duas garotas e dois rapazes decidem viajar e montar um acampamento à beira do infame lago que dá título ao filme. O objetivo deles é reconstruir os infames assassinatos que ocorreram naquele exato local mais de 50 anos atrás. O grupo espera que, ao reviver os momentos que antecederam os crimes, eles descubram evidências que passaram batidas e que possam indicar o que de fato aconteceu. Mas o passado sinistro do lago pode estar prestes a se repetir. 

Imagem do filme "Lago Bodom" mostrando o resultado da horrível matança na tenda.

Além de ser um filme elegante e atmosférico, a lenda que o inspirou é incrivelmente intrigante e apelou para minha curiosidade mórbida. O crime real é considerado até os dias atuais extremamente estranho, tendo ganhado inúmeras interpretações na Finlândia. Os elementos desconcertantes deste caso com mais de meio século de idade, ainda são suficientes para despertar um misto de interesse e fascínio nos fãs do True Crime.

Após assistir o filme, quase que imediatamente fui buscar informações sobre o caso que entrou para a história finlandesa como "O Assassinato das Crianças de Bodom".  

Tudo começou em 4 de junho de 1960, quando Maila Irmeli Björklund e Anja Tuulikki Mäki, de 15 anos, e seus namorados, Seppo Antero Boisman e Nils Wilhelm Gustafsson ambos de 18 anos, foram acampar às margens do Lago Bodom. O local é famoso pela belezas naturais, um refúgio próximo da cidade de Spoo e um recanto para campistas interessados em desfrutar da natureza em um ambiente acolhedor. Até então, muitos campistas faziam esse roteiro e acampavam ali, jamais havia sido registrado qualquer incidente, mesmo que o local fosse afastado.

Contudo, o que começou como um acampamento inocente terminou, como algo, literalmente, saído de um filme de terror. Por volta das seis da manhã do dia seguinte, um grupo de meninos, que estava observando pássaros nas proximidades, viu um homem loiro se afastando da área de camping onde havia apenas uma barraca desfeita. Eles ignoraram o sujeito embora tenham percebido que haviam algumas roupas e cobertores espalhados. Apenas por volta das onze da manhã, foi que um corredor chamado Risto Sirén, percebeu que havia algo errado no pequeno acampamento. Ele viu marcas estranhas que à distância parecia sangue e decidiu alertar a polícia.

Fotografia real da cena do crime, obtida na manhã em que os corpos foram encontrados.

Quando chegaram a área de camping descobriram uma cena medonha! 

Os corpos de Anja Tuulikki Mäki e Seppo Antero Boisman foram achados dentro da tenda, amarrados e escondidos sob um cobertor empapado de sangue. O assassino aparentemente lançou o cobertor sobre os dois e começou a esfaquear os adolescentes através do tecido. Foram dezenas de estocadas, o criminoso deveria ser alguém forte para conseguir controlar o casal enquanto eles eram massacrados por sucessivos golpes.

Maila Irmeli Björklund foi encontrada deitada em cima da tenda, nua da cintura para baixo. Ela havia sofrido ferimentos ainda piores, com muitas facadas infligidas depois que ela já estava morta. Ela não havia sido estuprado, mas os golpes foram tão selvagens que em determinado momento, a faca usada parece ter trincado nas costelas e quebrado. O assassino então usou uma segunda arma para desferir ao menos mais uma dúzia de cutiladas profundas na vítima. Ele teve o cuidado de remover a lâmina alojada na lateral do corpo da garota. O namorado dela, Nils Wilhelm Gustafsson, também foi encontrado fora da barraca. Ele estava desmaiado; sofreu um ferimento na mandíbula e um único golpe de faca. Ele ainda estava vivo quando a polícia chegou ao local e foi o único sobrevivente dos assassinatos. Nils alegou não ter qualquer lembrança dos ataques e os médicos que cuidaram dele atestaram posteriormente que ele havia sofrido um ferimento na cabeça que causou sua perda de memória.

Em 1961, um psiquiatra à serviço da polícia finlandesa conduziu uma sessão de hipnose para tentar trazer à tona as lembranças de Gustafsson. Durante o transe hipnótico ele relatou a terrível experiência na qual um estranho forte, de cabelos longos e jaqueta militar invadiu o acampamento armado com uma faca. A testemunha foi capaz de descrever a imagem e um retrato falado do homem foi feito. Nils chamava a atenção para o olhar alucinado do sujeito cujos olhos brilhavam com uma luz vermelha. Ninguém foi capaz de reconhecer a figura descrita pelo sobrevivente.  

A motivação do crime embora parecesse ter sido roubo, não se sustentava. Após os ataques brutais, o assassino de fato subtraiu vários objetos pessoais das vítimas, incluindo carteiras e peças de roupa. Contudo, as botas de Gustafsson e algumas das roupas roubadas foram encontrados a cerca de 800 metros da cena do crime, largadas na mata. As carteiras, ainda com dinheiro, foram abandonadas ali perto, bem como um colar com pingente de ouro. Os objetos foram deixados sobre uma pedra, empilhados cuidadosamente. O únicos outros itens pessoais dos jovens que não foram achados foram uma fotografia que pertencia a uma das garotas, uma bússola de um dos rapazes e uma mochila que eles haviam tomado emprestado de um amigo. A polícia também não encontrou as armas usadas no crime.

Um grupo de policiais e detetives investiga os arredores do acampamento.

Nos anos que se seguiram ao crime, os investigadores apontaram muitos suspeitos, mas três em particular pareciam mais promissores. Karl Valdemar Gyllström, também conhecido pelo apelido de "kioskman", era um homem notoriamente duro que dirigia um quiosque próximo e odiava os campistas, chegando a jogar pedras nas crianças que passavam. Durante uma conversa com um vizinho, Gyllström teria confessado os assassinatos do Lago Bodom. No entanto, a polícia não aprofundou a investigação após questionar sua esposa, que assegurou que ele esteve em casa com ela no momento dos assassinatos. Gyllström também foi visto enchendo um poço em seu quintal apenas alguns dias após os assassinatos. Muitas pessoas acreditam que é aqui que ele pode ter escondido as armas do crime e outros itens perdidos, no entanto, a busca policial em sua propriedade não revelou nenhuma evidência.

Embora nunca tenham encontrado nada, Karl Valdemar Gyllström ainda atrai suspeitas. Em 1969, ele se afogou no Lago Bodom, para alguns cometeu suicídio ou ainda, foi morto pelos fantasmas dos jovens que assassinou. Após a morte, a esposa de Gyllström relatou que o marido era realmente um homem perigoso e dado a arroubos de violência, mas que ela não acreditava ter sido ele o responsável pelos assassinatos. Apesar de todos indícios, a polícia jamais considerou o sujeito como seu principal suspeito.  

Depois de ser excluído da lista oficial de suspeitos, a suspeita recaiu sobre outro homem, Hans Assmann. Um caçador e veterano de guerra que tinha fama de ser colaborador nazista, Assmann apareceu no radar da polícia na manhã de 6 de junho de 1960, um dia após o incidente. Ele deu entrada no Hospital Cirúrgico de Helsinque, com as unhas pretas de sujeira e as roupas cobertas de manchas vermelhas, supostamente sangue. A equipe do hospital disse que ele estava muito nervoso e agressivo e que alegava não lembrar o que havia acontecido. Ele não tinha ferimentos graves, além de alguns cortes superficiais, estava embriagado e tinha as tais manchas em suas roupas. Ele disse posteriormente que era realmente sangue, mas de um animal que ele havia abatido, já que estivera caçando ao longo da semana.

Além de um breve interrogatório, a polícia não perseguiu Assmann, alegando que ele possuía um álibi sólido - estivera bebendo em um bar a noite inteira. Por conta disso, as roupas manchadas de sangue nunca foram examinadas e acabaram sendo descartadas. Além de sua visita suspeita ao hospital, Assmann levantou algumas outras bandeiras vermelhas em relação ao caso.

Depois que uma reportagem divulgou a descrição dada pelos meninos que viram um homem loiro se afastando da cena do crime, Assmann cortou seus longos cabelos loiros e mudou a aparência. O Dr. Jorma Palo, um dos médicos que examinou o suspeito afirmava que ele provavelmente era o culpado. Um sujeito conhecido por ter um passado tumultuado, que bebia em demasia e que manejava a faca com notória habilidade - se gabava de ter matado uma dezena de soldados soviéticos nos tempos da guerra, justamente com uma faca. O ex-detetive Matti Paloaro, um dos investigadores do caso Bodom também considerava Assmann responsável por outros cinco homicídios não resolvidos. Isso faria dele um serial killer, contudo, Assmann nunca foi acusado formalmente. Muitos consideram as possíveis conexões políticas dele, sobretudo com policiais, como o motivo de sua liberação. Ele era amigo de vários veteranos da guerra que o viam como um colega e assim o protegiam. 

O retrato falado do homem misterioso visto nos arredores do acampamento

Graças às múltiplas fontes e literatura aludindo à sua culpa, Assmann era o suspeito favorito do público até 2004, quando os investigadores decidiram reabrir o caso 44 anos mais tarde, afirmando que novas tecnologias, sobretudo de exame de DNA, poderiam ajudar a resolver o crime. 

Evidências de sangue encontradas em um par de sapatos e análise dos ferimentos prometiam lançar uma luz sobre o caso. Uma nova análise de DNA levou à prisão de um suspeito surpreendente: o único sobrevivente Nils Wilhelm Gustafsson.

De acordo com a promotoria, Gustaffson tinha um histórico de ciúmes, violência e bebedeira. Testemunhos colhidos posteriormente afirmavam que a namorada de Nils havia se queixado dos ciúmes do namorado e que pretendia desfazer o relacionamento por considerar o rapaz instável. Segundo a teoria da promotoria naquela noite em questão o rapaz bebeu muito e num ataque de raiva atacou Maila Irmeli Björklund. Em seguida, os dois rapazes supostamente tiveram uma briga violenta e nela Nils sofreu os ferimentos em seu rosto. De alguma forma, ele conseguiu dominar o colega e o amarrou junto com a namorada. Ele então criou um cenário que o isentasse de culpa, lançando-a sobre algum assassino oportunista que atacou o acampamento no meio da madrugada.

Os peritos ofereceram indícios de que os ferimentos no rosto de Nils poderiam ter sido resultado de uma violenta luta com Seppo. Atestaram ainda que Maila, a primeira a morrer teria sido assassinada algumas horas antes dos demais, por estrangulamento. As facadas - mais de 30 golpes - foram desferidos quando ela já estava morta a algum tempo. 

Além disso, o único ferimento de faca sofrido por Nils era pouco condizente com os demais desferidos pelo assassino. Como se ele tivesse sido provocado com enorme cuidado para não causar um ferimento profundo como todos os outros. Especialistas se dividiram sobre a natureza desse ferimento, levantando a suspeita de que ele pudesse ter sido auto infligido.

As Crianças de Bodom, as vítimas do crime que chocou a Finlândia

Finalmente as botas de Nils Gustafsson também levantaram suspeitas sobre a participação dele no crime. A perícia descobriu que as botas continham muitas manchas de sangue pertencentes às três vítimas fatais, mas nenhum sinal de sangue do próprio Gustafsson. Elas foram descartadas longe do acampamento e não havia nenhum indício de que elas tivessem sido calçadas por qualquer pessoa, exceto seu dono.  

A Defesa alegou que Gustafsson não tinha motivo para os crimes e que não havia como determinar que os ferimentos por ele sofridos eram auto infligidos. Depois de ser inicialmente condenado, Gustafsson cumpriu de apenas um ano sendo libertado após um recurso bem-sucedido. Apesar de sua absolvição, ele também ainda é visto como culpado por muitos. Durante seu julgamento, quando um repórter lhe perguntou como ele sabia que era inocente se não conseguia se lembrar de nada, ele simplesmente respondeu: "Sou inocente, essa é minha única certeza".

Com Gustafsson inocentado de todas as acusações e a maioria dos outros suspeitos mortos, parece que os filhos de Bodom nunca terão seu assassino levado à justiça. À medida que esse mistério de meio século permaneceu, ele se tornou uma lenda local. 

Há inúmeras histórias sobre quem, ou o que, poderia ter causado a morte dos jovens. Uma lenda muito popular menciona fantasmas na floresta, espíritos malignos e forças nefastas que se erguem das profundezas da mata para eliminar invasores. Alguns supersticiosos afirmam que Lago Bodom num passado remoto serviu como palco de incontáveis sacrifícios praticados pelos povos ancestrais que viviam nas suas margens plácidas. Antropólogos e arqueólogos de fato atestam que o lugar serve de lar para gerações de povos nórdicos que ali residiram e que alguns deles realmente eram praticantes de sacrifícios humanos.

As lendas locais mencionam trolls que habitam esse lugar em particular e criaturas que vivem nas profundezas do lago. Fadas e outros espíritos silvestres completam o rico folclore que aponta para um sem número de criaturas e entidades mágicas capazes de tal atrocidade. Mas não apenas seres de contos de fadas povoam o imaginário de teóricos que desconfiam de algo sobrenatural como responsável pelas mortes em Bodom. Há histórias sobre espíritos possessores que poderiam ter se apossado do assassino e matado usando suas mãos. De fato, muitos dos que apontam Nils Gustafsson como o responsável pelas mortes, afirmam que ele não teria culpa direta na chacina, visto que estava sendo controlado por um desses espíritos malignos.

O local onde ocorreu o crime foi investigado cuidadosamente em busca de pistas.

Para aumentar ainda mais a aura de estranheza sobre o lugar, em 2012 arqueólogos descobriram uma cova rasa perto do local onde ocorreu o crime na qual estavam os restos de seis indivíduos. A análise dos restos apurou que seriam soldados que lutaram na Segunda Guerra Mundial e que teriam sido executados naquele local. Tudo indica que eles seriam prisioneiros fuzilados pelos alemães. Uma lenda recorrente na área mencionava justamente fantasmas vestindo uniformes militares vagando pela área. O relato de Gustaffson sobre uma figura misteriosa vestindo jaqueta militar também foi apontado como indício da ação de um espectro na cena do crime.      

O infame Caso das Crianças de Bodon até hoje continua sem solução.

Ele tem servido como uma história de advertência para as gerações de jovens campistas sobre os perigos de acampar em um lugar isolado. Provavelmente ela ainda será contada muitas e muitas vezes ao redor de fogueiras e nas margens do próprio lago que testemunhou o derramamento de sangue. À medida que se infiltra na cultura popular, o caso continua ganhando diferentes teorias graças à exposição à internet na forma de creepy-pastas, narrativas de true crime e agora, filmes.

Um comentário:

  1. Ótima postagem, muito bem escrita. Eu tive uma experiência ruim com as energias deste caso quando eu era mais novo, após ouvir uma faixa da banda Children of Bodom (que tem o acontecido como temática da banda) onde ao fim daquela noite, literalmente jogaram um foto de formatura minha no chão. O caso envolve muita energia espiritual e merece mais atenção.

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