quarta-feira, 10 de maio de 2023

O Deus Rato - Resenha da HQ bizarra do mestre Richard Corben


Richard Corben foi nada menos que um gigante dos quadrinhos. Agraciado com o Will Eisner Award Hall of Fame, ele tinha status de lenda na criação de quadrinhos de terror e ficção científica. O cara já era considerado um gênio na década de 1960 e era praticamente uma divindade louvada por monstros sagrados da indústria das HQ até sua morte em 2020. 

Sua história Rat God (o Deus Rato) foi um de sues últimos trabalhos e provavelmente a contribuição definitiva do autor para o gênero Horror Cósmico

Misteriosa, densa, estranha e desconfortável... ela é ainda um conto de amor, civilização antiga e terror imponderável que combina o conhecimento dos nativos americanos e a mitologia de H.P. Lovecraft. E ainda por cima ela faz uma crítica contumaz sobre a faceta mais polêmica do Cavalheiro de Providence - seu Preconceito Racial. Não que Rat God seja uma narrativa que investe apenas na crítica social, muito pelo contrário! A trama finca os dois pés no terreno revolto do terror, construindo um roteiro vertiginoso que lembra um pesadelo. 

A trama acompanha um sujeito chamado Clark Elwood, um sofisticado acadêmico da Universidade Miskatonic, na fictícia Arkham. Embora seja pedante e egocêntrico até a raiz do cabelo, Ellwood se apaixona por uma mulher chamada Kito que ele conhece na universidade. Sua postura obstinada acaba fazendo com que o relacionamento entre em crise após um incidente embaraçoso no campus. Por consequência Kito acaba sumindo. Preocupado, o sujeito decide descobrir o paradeiro de sua amada. As pistas o conduzem a uma jornada pelo interior da Nova Inglaterra até um povoado isolado chamado Lame Dog, a cidade natal da mulher.


O lugar é uma daquelas típicas cidadezinhas lovecraftianas habitada por figuras bizarras envolvidas com segredos ancestrais e adoração de coisas indescritíveis na calada da noite. O passado do povoado como não poderia deixar de ser, é sinistro e envolve cultismo e bizarrice no mais alto grau. Ellwood obviamente dispensa todos esses indícios como superstição absurda de povos inferiores e parte em busca de Kito desafiando pessoas poderosas do local. É claro que ele vai se envolver numa bruta encrenca, descobrir coisas que não gostaria de saber e perder um caminhão de sanidade. Mais terrível ainda, ele vai acabar fazendo descobertas desconcertantes sobre sua própria origem.

Corben tece uma história verdadeiramente única, usando e abusando de elementos marcantes do reino Lovecraftiano, introduz a sabedoria dos nativos americanos amalgamada com o Mythos resultando numa história enervante. Após chegar a Lame Dog, a coisa vai se tornando cada vez mais estranha e o leitor fica incerto se aquilo realmente está acontecendo ou se o protagonista está simplesmente perdendo a razão.

A grande sacada da história é apresentar o "herói" como um sujeito excêntrico e intragável, perfeitamente inserido na visão de um mundo dividido entre os que mandam e os que obedecem, baseado na condição social e no perfil racial. Ellwood é inspirado na figura do próprio Lovecraft, um estudioso aristocrático que enxergava a si mesmo como o pilar da sociedade moderna. A maneira como o protagonista é tratado pelos seus opositores ao longo da trama, e as coisas que ele vê acabam operando mudanças profundas no seu ponto de vista.



A arte é nada menos que incrível! 

Corben é famosa pelas expressões faciais grotescas e exageradas de seus personagens. Aqui esse conceito é levado a extremos! Tudo remete a uma sensação incômoda, com pessoas herdando feições de animais e animais lembrando pessoas. Mesmo as paisagens e a natureza são carregadas de uma tensão claustrofóbica. O melhor, no entanto, é quando a história envereda pelo aspecto surreal do horror, abusando dos vislumbres de monstros e entidades medonhas para extrair o máximo de choque em situações limítrofes. 

Sem deixar o interesse cair em momento algum e com um ritmo impecável, Rat God é uma leitura vibrante da primeira até a última página. A conclusão dá uma nova guinada na trama e oferece um desfecho adequado para a jornada dos personagens. nenhum deles irá emergir incólume na outra margem. 

Para quem quer acompanhá-los e mergulhar em algo incomum e bizarro, essa é uma pequena obra prima de Horror Cósmico que só os quadrinhos conseguiriam transpor com tantos detalhes.

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