domingo, 7 de maio de 2023

O Som de Gritos - A Lenda do monstro das Falésias Brancas

 

Se você vivesse no território de caça de um monstro - no caso uma criatura sobrenatural desconhecida, você preferia saber ou não a respeito dela? É claro que iria querer... de preferencia antes de se mudar para o local.

Essa é uma das razões pelas quais pequenos jornais ainda são algo útil - além de reportagens sobre política local e esportes, eles mantém as pequenas cidades atualizadas sobre acontecimentos que numa esfera nacional não teriam muita importância, mas num contexto menor são de grande interesse. Tomemos por exemplo os rumores sobre criaturas assustadoras que fazem parte das lendas e rumores locais de pequenas cidades. A maioria das pessoas não se interessaria muito sobre o assunto, mas se você mora por ali poderia ficar mais do que interessado em ler sobre o Demônio de Jersey ou sobre o Homem Mariposa.  

Johnson City é uma pequena comunidade no estado americano do Tennessee, lar da Universidade do Leste do Tennessee e a casa de cerca de 80 mil pessoas. Essa tranquila cidadezinha e sua população conta com uma gazeta diária, o East Tennessean que cumpre a função de mantê-los informados sobre acontecimentos locais. 

Um dos assuntos abordados pelo East Tennessean menciona a lenda do Gritador das Falésias Brancas – um monstro barulhento e lendário que dependendo a quem você perguntar pode ser uma criatura feroz ou um tipo de lobisoemen que escapou de um trem de circo itinerante. Lenda urbana ou monstro real? Felizmente, a Gazeta East Tennessean está aqui para nos informar.

"Essa é uma região histórica e muito antiga. Colhemos muitos relatos sobre coisas incomuns, mas o Gritador das Falésias Brancas se tornou algo recorrente nas redondezas. É um monstro enorme, uma besta selvagem e aterrorizante. Temos muitas pessoas que ouvem seus gritos na área e vem até nós para relatar a experiência."

Apesar da maioria das pessoas duvidar da existência de um "monstro" em Johnson City, as histórias sobre essa criatura se espalharam de tal maneira que influenciaram até os preços dos imóveis na região. O lendário Monstro das Falésias Brancas, também chamado simplesmente de Gritador Branco obteve enorme repercussão graças ao envolvimento de critozoologistas e investigadores do paranormal que parecem ter eleito a criatura um dos casos mais interessantes dos últimos tempos. Ele foi o tema de pelo menos uma dúzia de programas de televisão sobre criptídeos na última década, sem contar os inúmeros episódios produzidos para a internet. 


O Gritador Branco se tornou tão popular que começou a atrair visitantes interessados naquilo que a  maior parte dos habitantes sempre desejou evitar - contato com a criatura. O parque de camping do município recebe um número crescente de visitantes e curiosos que vem de longe para conhecer o local que o misterioso ser escolheu para viver. As autoridades de Johnson City chegaram a ter problemas quando pessoas se embrenharam nas matas densas e se perderam à procura da insidiosa entidade.

Mas o que exatamente é o Gritador Branco? De onde veio esse mito e será que ele tem algum fundo de verdade?

A busca pela origem do monstro encontra vários caminhos e hipóteses. A primeira alternativa envolve a tradicional história de uma família visitada por uma tragédia sem precedentes.

O historiador não oficial da cidade Tony England, conta ao The Tenneseean a história que já completou um século e que sempre foi muito popular entre os moradores. Ela começa com um casal e seus sete filhos que viviam nas profundezas da floresta, numa região chamada Trace Creek. A família contou a amigos e parentes que ouvia frequentemente estranhos gritos no meio da madrugada. Sons de um animal grande que os deixava em um estado de terror noite após noite e cuja origem eles não conseguiam determinar. Os gritos, que estavam mais para urros ou uivos, dependendo a quem você perguntar, eram tão apavorantes que as pessoas na casa não conseguiam dormir.

No final das contas, o marido decidiu dar um fim naquela situação. Ele pegou uma espingarda e foi para a floresta descobrir o que estava provocando aqueles gritos. Ele decidiu se afastar e montar guarda na mata até ouvir os gritos e então segui-los até o que quer que estivesse os causando. O plano parecia bom e como previsto, por volta da alta madrugada ele começou a ouvir a gritaria de sempre. O sujeito, um caçador experiente conseguiu seguir os ruídos, mas então, em um sobressalto percebeu algo apavorante: os sons vinham de sua própria casa, onde ele havia deixado a esposa e os filhos. Quando ele finalmente conseguiu retornar, encontrou os membros de sua família mortos - de acordo com a maioria das versões, despedaçados por garras e presas selvagens. Para completar a tragédia, o pai, tomado por desespero terminou colocando o cano da espingarda na boca e explodiu os próprios miolos.


Segundo Tony England, a casa onde essa família viveu ainda existe nas profundezas de Trace Creek. "É uma ruína, a floresta reclamou tudo e cobriu o lugar". 

Mas será que essa história é real? Há alguma possibilidade dela ser real ou tudo não passa de simples lenda urbana?

Johnson Town foi fundada em 1806 então com o nome de White Bluff (as tais Falésias Brancas que cobrem a região) e se tornou uma pequena cidade em meados de 1920. Antes ele era um forte que protegia a região Sudeste  do Tennessee contra ataques de nativos que ainda viviam na área. Palco de massacres e incidentes típicos do período colonial, a região conheceu seu quinhão de violência. Durante a Guerra Civil, o forte se tornou importante para o Exército da União que o usava para distribuição de munições e equipamento. Uma estrada de ferro chegou até o local que então se desenvolveu num povoado. A White Bluff Iron Forge, uma usina siderúrgica, deu aos moradores locais um lugar para trabalhar e a cidade se desenvolveu com vários negócios mercantis e uma serraria.

Não há nenhuma menção na história da cidade ao massacre na floresta. Nenhum registro, ainda que o primeiro semanário tenha surgido apenas em 1930. A tragédia teria ocorrido em meados de 1890, quando o lugar não era mais que um assentamento, o que explicaria ele jamais ter alcançado grande repercussão. Por outro lado, o massacre de uma família inteira em circunstâncias misteriosas dificilmente passaria batido. England diz que as pessoas preferiam não falar sobre a tragédia. Uma maneira de ignorar um terror do qual ninguém teria como se proteger...

Verdade ou rumor, é inegável que a história é famosa hoje em dia. Assim como os relatos sobre gritos vindos da floresta próxima. 


Um dos primeiros registros sobre o Gritador data de 1946, ano em que a Gazeta que precedeu o Tennenseean publicou a história. O artigo mencionava que moradores da área ouviam o som recorrente do que alguns arriscavam dizer, parecia uma mulher enlouquecida. Duas testemunhas da algazarra se referiam ao som como similares ao de um animal de grande porte sofrendo horrivelmente. O artigo termina sem uma conclusão clara sobre o que seriam os ruídos noturnos, apenas a constatação que não era a primeira vez que os urros ecoavam pela mata.

Nas décadas seguintes, à medida que a lenda crescia, testemunhas que foram corajosas o suficiente para investigar os gritos afirmaram ter visto uma forma enorme coberta por névoa branca aparecer pouco antes dos gritos angustiantes começarem novamente. Segundo algumas versões, quando a testemunha constatava que seus familiares e amigos não acreditavam nela, eles a levavam ao local onde a criatura habitava.

Essa lenda ganhou força na década seguinte. Johnson City, já com seu nome atual ganhou fama de ser o lar de uma ser bizarro, um mostro que espreitava pela mata e cuja existência se comprovava pelos sons medonhos que ele produzia. Havia histórias sobre lenhadores que ouviram os gritos e que quando foram investigar sua origem acabaram atacados e despedaçadas pela besta monstruosa. 

Provavelmente foram esses rumores que ganharam fama nos anos 1960 e acabaram associados com a lenda do lobisomem. 

Essa lenda segue outro caminho e merece ser citada. Segundo ela, um trem do circo sofreu um acidente em meados de 1950 e alguns animais selvagens fugiram após um grande descarrilamento. Tony England entrevistou o residente local Fred Stacey (95 anos em 2018), que disse ser um dos que acreditavam na lenda do animal fugitivo. Stacey defende, no entanto, que a fera não era um animal comum, e sim um homem atormentado com a maldição da licantropia. Alguém que era mantido prisioneiro e apresentado como uma aberração circense. 


Isso encaixaria com as histórias que terminam com pessoas sendo mortas e seus corpos surgindo dilacerados. Há inclusive um grande acidente ferroviário que ocorreu em 1947, quando uma composição descarrilou fazendo vítimas fatais, contudo não há menção alguma sobre o trem estar transportando animais selvagens de um circo.

Uma terceira teoria sobre a origem do monstro das Falésias Brancas mistura elementos das duas lendas anteriores.

Nela, um homem bom, o pai de uma família com sete filhos vivia na floresta e tinha uma vida normal. Certo dia, quando cortava caminho pela floresta ele é atacado por uma criatura estranha, um Lobo ou uma fera que quase o mata. Embora ele consiga sobreviver, a criatura transmite a ele sua maldição de selvageria. Ele começa a sentir esses estranhos efeitos, uma raiva cada vez maior, um terror palpável e uma fome cada vez maior por carne.

A família tenta ajudá-lo, ele consegue conter a fera dentro de si por algum tempo, mas em dado momento ela vem à tona. O que se segue, é um banho de sangue... um massacre no qual a família inteira é retalhada pela ferocidade do monstro.

Na manhã seguinte à chacina, o sujeito acorda sem lembrar do que aconteceu. Ele se depara com o que restou dos filhos e da esposa - feitos em pedaços pelas garras de um monstro. Ele grita e se desespera, jurando vingança contra o maníaco responsável por aquilo. Mas então percebe que está coberto de retalhos sangrentos e que em sua boca há gosto de sangue. Em flashes ele vai montando na sua mente uma cronologia do que aconteceu e entende que foi ele quem causou aquela tragédia. Tomado pelo desespero ele deixa a casa em ruínas e se esconde na floresta. O som dos gritos que ecoam pela noite seriam o lamento do homem amaldiçoado, condenado a vagar pela mata com a culpa pela morte de sua família. Contudo, mesmo sendo uma figura trágica, o monstro não conseguia conter a sua fúria e de tempos em tempos fazia alguma vítima. 


Então, com tantas histórias e lendas, o que seria o Gritador Branco das Falésias? Poderia existir uma criatura misteriosa vivendo nos recônditos do Tennenssee? Estamos falando de um dos Estados americanos mais isolados e cobertos com matas fechadas. Seria possível que algo desconhecido vivesse nesses ermos? Algo sobre o qual sabemos muito pouco?

Seja ele um monstro homicida, uma criatura que escapou de um acidente de trem ou uma fera capaz de mudar de forma, amaldiçoada pela culpa e tragédia, o fato é que o Gritador se converteu numa Lenda Urbana muito popular. O "pequeno" detalhe dele provavelmente não existir, senão no reino da imaginação, talvez seja o que menos importa. 

Os urros da fera ainda podem ser ouvidos...

Um comentário:

  1. Eu adoro lobisomens. Infelizmente quase não estão fazendo mais filmes sobre eles

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