sábado, 10 de novembro de 2018

Vertente de Cadáveres - A Lenda do macabro Cemitério de Nes


Na costa oeste do Lago Winnipeg corre um pequeno rio, e numa das margens desse rio existe um cemitério.

Escondido ali, cercado por milhas e milhas de terreno pantanoso, de charcos de água parada e brejos insalubres o local raramente é visitado. As sepulturas não estão mais marcadas. Seus nomes e datas foram lentamente apagadas pela ação do tempo e dos elementos. A casa que um dia foi erguida com esmero e labor, nada mais é do que uma ruína. Suas fundações de pedra são tudo o que restou, não há orgulho ou altivez, apenas esquecimento.

A placa, azul e branca, ainda balança ao vento identificando esse lugar ermo; nela se lê "Cemitério de Nes". Sua única companhia é um anjo de granito que observa a desolação com expressão branda. Dizem que os residentes do cemitério vagam à noite pelas charnecas tentando chamar os vivos para as profundezas do pântano. Se é verdade, ninguém sabe, mas por precaução, ninguém se aproxima após o pôs do sol.

O Cemitério de Nes é um lugar muito silencioso. Próximo aos bancos do rio, na Província de Manitoba, Canadá, o cemitério é o lar de um agregado de sepulturas sem nome. De acordo com as lendas locais, o cemitério não é um bom lugar. E aqueles que o visitaram concordam que a aura é capaz de causar efeitos indesejados nas pessoas mais sensíveis.

Em 1870, as cidadezinhas de Riverton e Gimli, em Manitoba tornaram-se o centro de um fluxo cada vez maior de colonos vindos da Islândia. Esses imigrantes chegaram até a Costa do Lake Winnipeg e se estabeleceram em uma região relativamente pouco explorada e considerada pela maioria selvagem. Haviam tribos de nativos vivendo nas proximidades, mas os imigrantes não quiseram saber se a terra já tinha dono, mesmo que estes já estivessem ali por muitos séculos.


As disputas entre posseiros e nativos foram violentas e logo a brutalidade aflorou na forma de perseguição e massacres. Aldeias foram atacadas e habitantes chacinados por armas de fogo. Em contrapartida, guerreiros armados com machadinhas adentravam as fazendas e propriedades em incursões noturnas. O resultado era morte: de colonos ou nativos, de homens, mulheres e crianças. Em dado momento, a história relata massacres de famílias inteiras passadas por lâminas ou alvejadas à queima roupa. O banho de sangue eventualmente cessou, mas não pelo entendimento dos povos.

Os islandeses haviam trazido consigo um presente do velho mundo: Varíola.

Em pouco mais de um ano, a doença devastou as tribos locais que não possuíam qualquer imunidade à moléstia. Enquanto cemitérios de vítimas da varíola surgiam próximo de Riverton e Gimli, o maior de todos os cemitérios era o de Nes. O local era convenientemente distante dos assentamentos e podia receber uma quantidade maior do que qualquer outro dos cemitérios próximos das cidades. Ademais, Nes já era o sítio de várias sepulturas, na maioria de colonos assassinados nas batalhas pelas terras. A medida que a epidemia se alastrava sem controle, Nes foi se transformando na melhor opção para receber a quantidade de cadáveres que precisavam ser sepultados o mais longe possível para conter a transmissão. 

Em determinado momento, a quantidade de mortos era tão grande que não havia tempo para cavar covas individuais. Tampouco haviam caixões para acomodar tantas vítimas. Assim, foi necessário recorrer a enormes sepulturas comunais que receberiam dez, doze, às vezes mais corpos de uma só vez. 

Nativos eram trazidos para escavar esses grandes buracos no solo negro e encharcado de Nes. Faziam o caminho com correntes nos pés, e quando terminavam o trabalho, por vezes estavam tão doentes que também acabavam na mesma vala. Uma placa de madeira era depositada com uma única identificação, um número que correspondia a quantas pessoas haviam sido colocadas na cova. Quando o rio enchia e alagava Nes, as placas sumiam e acontecia dos coveiros escavarem um lugar já repleto de corpos que começavam a aflorar da terra.

Logo Nes ficou super lotado e não havia mais espaço para lançar ao solo os cadáveres indesejados.


Felizmente a epidemia passou, embora ao final dela não houvesse muito a se comemorar. A devastação foi terrível e por pouco não comprometeu a colonização da região como um todo. Mas se os colonos tinham muito a lamentar, as tribos amargaram um sofrimento ainda maior. Não há como saber quantos nativos morreram em decorrência do surto, mas é realista supor que mais de 3/5 da população foi erradicada.

Os mortos tiveram seu descanso, ao menos até que um homem chamado Magnús Hallgrímsson, em algum momento de 1885 decidiu se fixar em um logradouro à meio caminho do cemitério. Até então, ninguém realmente queria colonizar o local, atribuíam isso à dificuldade do terreno (que era desnivelado) e ao isolamento (que era exasperante), mas, o motivo principal para ninguém querer habitar aquelas glebas, era pela superstição. O Cemitério, já naquela época, tinha péssima fama.

Hallgrínsson, entretanto, não temia nada disso. Ele conduziu um exame na área e decidiu que o local com as terras mais adequadas era justamente adjacente ao Cemitério de Nes. Para se estabelecer ele mandou remover uma parte do cemitério, arrancando lápides e removendo as marcações que identificavam quantos mortos estavam sepultados em cada área. Hallgrínsson era teimoso, ele e a família estavam determinados a domar o ambiente e fazer dele o seu lar, não importando o quanto teriam de trabalhar. Por ser bravo (ou estúpido), ele decidiu chamar a propriedade de Nástrond, que no idioma islandês significa "Vertente de Cadáveres".

O trabalho avançou, mas em dado momento o posseiro acabou ficando doente, supostamente pelos vapores que se levantavam do pântano, para outros, por motivos mais sinistros. Ele foi levado para Riverton e tratado, mas morreu em sua cama, de febre, inchaço e acometido por terríveis alucinações. A viúva decidiu que não queria continuar com aqueles planos temerários, decidiram abandonar as construção que já estava adiantada. Antes de deixarem o local, a viúva ordenou que ateassem fogo no que já haviam erguido e que tudo fosse arruinado para que ninguém mais fosse tolo como seu falecido marido, e tentasse colonizar aquele lugar maldito.

As fundações de pedra foram tudo o que restou de Nástrond e seus restos calcinados ainda são um testemunho da última tentativa de habitar o Cemitério de Nes.

Há muitas lendas e histórias a respeito de Nes. A fotógrafa e autora Christine Loff, é uma das maiores autoridades a respeito da história do cemitério. Ela pesquisou as muitas lendas que cercam Nes, e explicou que a área inteira é bastante perigosa. O cemitério aualmente se localiza em uma área sem dono e é aberta para quem quiser visitá-la. Loff adverte entretanto que a estrada que conduz ao cemitério é traiçoeira com atoleiros de areia movediça e trechos alagados. A melhor maneira para chegar até lá é com um veículo com suspensão 4x4.


Se o visitante conseguir chegar até o terreno original do Cemitério, descobrirá que a área inteira foi alagada. O Rio costuma transbordar e reclamar tudo na maior parte do ano. É provável que em algum momento, o curso tenha sido naturalmente alterado, ocasionando as cheias da área mais baixa. O mato cresce selvagem no que resta do cemitério: grandes urzes que se dobram com o vento e arbustos repletos de espinhos cobrem as margens.

É preciso caminhar quase às cegas enquanto se procura o local exato, e é possível que uma pessoa não familiarizada com o terreno acabe caindo e quebrando a perna. Os restos se espalham aqui e ali, pedaços da construção e ossos que emergem de tempos em tempos boiando nas piscinas de água estagnada que batem na altura da canela.

Os restos da casa estão lá, uma parede semi-desabada, o piso de pedra e a entrada para o que seria um porão. Loff avisa que é preciso tomar cuidado redobrado aqui já que há buracos entre as pedras assentadas. Ela própria já visitou Nes algumas vezes e sempre se surpreende com algum detalhe que lhe passou desapercebido. Ela reconhece que o local tem uma aura desagradável que remete ao seu passado macabro, mas é sincera ao dizer que jamais viu nada sobrenatural. 

Mas há muitos outros que não concordam com essa constatação e o que não falta são histórias. Um dos relatos mais populares, envolve um rapaz que vivia em uma fazenda há algumas milhas de distância do Cemitério e que uma determinada tarde decidiu visitar o local. Ele teria explorado a margem do rio e observado por algumas horas o que havia restado. Em determinado momento, ele teria ouvido uma voz fantasmagórica que dizia:

 "Venha para nós... venha para nós... venha para nós..."


O rapaz contou que virou as costas e correu o mais rápido que pode de volta para sua casa. Mas a coisa mais assustadora segundo ele, é que por alguns instantes ele perdeu a consciência e quando recobrou, havia dado uma dúzia de passos na direção do cemitério... como se algo ali o comandasse a fazê-lo.

Outra história popular foi compartilhada por um casal que reside na margem oposta do Cemitério e são os vizinhos mais próximos do lugar, apenas um quilômetro e meio de distância. O casal comenta a respeito de luzes estranhas que iluminam o céu noturno de tempos em tempos. Eles também contam a história de um morador de Gimli que decidiu explorar o Cemitério há alguns anos e que jurou ter visto uma série de aparições vagando pela gleba alagada. Ele também foi sábio em correr dali o mais rápido possível.

 Nos últimos anos, o pântano tem sido cruel com o Nes. Os alagadiços tem invadido o cemitério mais e mais a cada ano. Restos de esqueletos tem sido carregados pelo rio e depositados nas margens onde ficam expostos. Um morador local, Gilbert Duttormsson, que usava a região próxima para cuidar do gado durante a temporada mais seca, costuma fazer o trabalho de coletar os ossos que são levados. Uma vez por ano ele leva o que decsobre nos bancos de volta para o Cemitério, cava um buraco e enterra em uma vala. A erosão tem se acentuado e esqueletos inteiros tem sido literalmente cuspidos da terra. O município de Riverton ofereceu jazigos para enterrar os cadáveres em seu cemitério.

Mais recentemente visitantes relatam histórias sobre vozes que são ouvidas no pântano. Algumas chamando forasteiros para a parte mais profunda e escura, onde é fácil perder o rumo. O terreno irregular, marcado por depressões e fissuras é cheio de armadilhas e as piscinas de água estagnada podem ser profundas. Um homem caindo numa dessas pode desaparecer por completo e não encontrar o caminho de volta à superfície. Até onde se sabe, ninguém morreu explorando o pântano, ao menos segundo as fontes oficiais.


Finalmente existe outro perigo bastante razoável e ameaçador. O vírus de varíola que devastou a colônia pode ter resistido e possivelmente ainda se mantém ativo passado tanto tempo. Os habitantes locais costumam dizer que são imunes pois herdaram bons genes de seus antepassados que sobreviveram à epidemia. Ainda assim, é habitual que qualquer pessoa visitando a área seja questionada se foi inoculada contra varíola e se sua vacinação está em dia.      

Há muitas histórias estranhas e surpreendentes na região de Manitoba e na costa do Lago Winnipeg. Essa é uma das regiões mais místicas do Canadá e xamãs afirmam que toda área é tocada pelos espíritos ancestrais. Nes parece ser apenas um elo na corrente de mistérios que cercam essa área de florestas antigas e matas intocadas.

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