segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Segredo nos Olhos do Morto - A Estranha Técnica da Optografia Forense


A última coisa que os olhos de um morto viram parece ser um segredo perpetuamente escondido dos vivos, um mistério indevassável que ninguém é capaz de penetrar.

Ou será que não?

Existe um ramo bizarro da ciência médica que acreditava ser possível captar a última imagem vista por uma pessoa morta recentemente. A imagem derradeira ficaria gravada na retina gelatinosa que envolve o globo ocular, a partir de sua recuperação, seria possível encontrar assassinos e resolver crimes. Parece ficção ou loucura, mas era nisso que se baseava a Optografia Forense.  

A noção foi proposta pela primeira vez por um monge jesuíta chamado Christopher Schier no século XVII, depois dele alegar ter sido capaz de preservar uma imagem colhida na retina de um sapo durante um processo de dissecação. Ele supôs que essa imagem apagada seria a última coisa que o pobre sapo viu antes de sua morte, embora ele não tivesse real compreensão de como tal coisa poderia acontecer. A despeito de suas conclusões superficiais, o monge escreveu seu trabalho, que foi publicado em um conceituado jornal de medicina britânico e debatido por médicos e profissionais da área. Ironicamente, o conceito acabou bastante difundido, mas foi apenas com o surgimento da fotografia que ele passou a ser considerado e estudado mais a fundo. 

Passados mais de 200 anos, ele continua despertando curiosidade.


Quando o processo de fotografia foi criado em 1840, começou-se a imaginar que o olho humano funcionaria de uma maneira bastante semelhante a uma câmera. Isso levou a crença de que similarmente a uma câmera, o olho humano seria capaz de capturar e conservar imagens. Partindo desse pressuposto, começaram a surgir vários experimentos para testar essa hipótese.

Em 1863 um fotógrafo britânico fez a fotografia do olho de um boi segundos depois dele morrer e usou um microscópio para procurar evidências de imagens que pudessem ter ficado gravadas na retina do animal. Ele alegava que depois de inspecionar as retinas, conseguiu discernir a imagem do curral em que o animal havia sido abatido. Com base nisso, ele proclamou que aquela era a última coisa que o boi havia registrado antes de receber o golpe fatal que o matou.

Em 1876 a ideia recebeu novo fôlego com a pesquisa do psicólogo Franz Christian Boll, que descobriu que havia um pigmento existente nos bastões de nossa retina que branqueavam quando expostos à luz mas que podiam ser restaurados na escuridão, mesmo depois da morte. Esse pigmento foi chamado de "púrpura visual", que é conhecido nos dias atuais como rodopsina. Essa descoberta foi estudada por outro psiquiatra e Professor da Universidade de Heidelberg chamado Wilhelm Friedrich Kühne, que se tornaria no futuro uma das figuras mais proeminentes no campo da optografia e que ajudaria a popularizar ainda mais esse estranho ramo.

Kühne acreditava que esse pigmento e as reações foto-químicas que Boll havia descoberto poderiam ser combinadas para preservar imagens retidas no olho no exato momento da morte, como as imagens em uma câmera poderiam ser reveladas quando expostas diretamente a componentes e luz. Ele acreditava que se uma maneira fosse encontrada para permanentemente realçar a imagem na retina, esta poderia ser revelada de modo semelhante ao que acontece em uma placa fotográfica. De fato, de acordo com Kühne o olho humano era exatamente igual a uma placa de fotografia e tinha o mesmo potencial para ser revelado. 

A ideia obviamente atraiu muitas pessoas no campo da investigação policial como uma possível ciência a ser utilizada para descobrir a identidade de assassinos. Kühne não perdeu tempo e começou a pesquisar um processo para impulsionar suas teorias, que ele registrou com o nome "Optografia" (Leitura Ótica).   


Como objetivo de refinar o processo e descobrir como fazer a revelação das imagens vestigiais, Kühne começou a fazer as pesquisas em animais de laboratório, em sua maioria sapos e coelhos. Os métodos adotados para suas experiências estavam longe de serem sofisticados, consistindo basicamente em amarrar os animais, forçá-los a olhar para uma pessoa que seria responsável por matá-los. Em seguida, a cabeça era removida, bem como os olhos para evitar qualquer tipo de deterioração capaz de arruinar o experimento. Os olhos eram então mergulhados em uma solução química em um quarto escuro, finalmente eles eram cortados ao meio e o pigmento adicionado com uma solução de alumínio. Posteriormente a retina era banhada em ácido sulfúrico com o intuito de cementar a imagem.

Em 1878 alguns desses experimentos resultaram em resultados dramáticos. Em um dos resultados mais impressionantes, Kühne conseguiu "revelar" o que parecia ser um vulto que teria sido preservado nas retinas de um coelho no momento de sua morte. O experimento foi visto com excitação e ele recebeu recursos para prosseguir em seus testes. Entretanto, a medida que os resultados se mostravam pouco promissores, o optógrafo começou a ficar frustrado, já que a maioria das revelações resultavam em imagens granuladas, desfocadas ou indistintas. Ele escreveu em seu diário:

"Não estou preparado para dizer que os olhos não são capazes de fornecer informações visuais. Tenho fé de que tal processo pode ser obtido, mas a forma correta de obtê-lo continua a me escapar".

Posteriormente Kühne teria determinado que a imagem poderia ficar gravada por um período de até duas horas na retina de coelhos e de pelo menos 3 horas na de um boi. Depois desse período, a imagem começaria a perder sua integridade na medida que a retina experimentasse um progressivo ressecamento.     


É claro, o objetivo real do experimento era conduzir testes em seres humanos, o que Kühne teve a chance de fazer em 16 de novembro de 1880. Em uma determinada manhã ele foi convidado a assistir a execução de Erhard Gustav-Reif, que havia sido sentenciado a morrer na guilhotina por ter afogado seus filhos. Tão logo a guilhotina caiu e separou a cabeça do homem, Kühne se colocou a trabalhar, removendo os olhos do cadáver para seu experimento. Trabalhando rápido, uma vez que o tempo era vital para o sucesso, ele cortou o olho esquerdo do condenado e o passou pelo processo de análise. Surpreendentemente, Kühne teria alardeado o sucesso do experimento. Ele teria sido capaz de ver uma imagem clara colhida na retina condizente com o momento final do detento.

Embora a imagem não exista mais, há uma ilustração dela publicada pelo Professor Kühne em seu trabalho intitulado "Observações da Anatomia Ocular e Fisiologia da Retina", publicado no ano de 1881 que é bastante ambígua mas mostra o que parece realmente ser uma lâmina. Alguns sugeriram que a imagem ao invés de ser a de uma lâmina, poderia ser dos degraus que conduziam até a plataforma onde ocorreu a execução, já que a cabeça teria rolado ao invés de cair na cesta onde estava destinada a ficar.

Ainda que esses resultados tenham deixado muito a desejar, os experimentos continuaram sendo muito populares e a optografia permaneceu sendo estudada ao longo do século XIX e XX. Ela era por vezes dramaticamente mencionada pela mídia sensacionalista, afirmando que incríveis imagens podiam ser observadas nos olhos de vítimas de crimes violentos. Alguns defensores do método acreditavam que misturas caseiras, que envolviam desde óleo de peixe até bálsamos e unguentos poderiam ser usados para revelar as imagens. 

Há rumores de que legistas que tomaram parte na investigação dos notórios crimes de Jack, o estripador, ocorridos em Londres em 1888, teriam recorrido a Optografia Forense. Segundo boatos, os olhos do cadáver de Mary Jane Kelly teriam sido removidos para que um especialista em optografia tentasse obter um vislumbre do misterioso matador. É claro, nenhuma imagem surgiu magicamente dos olhos da quarta vítima do matador de Whitechapel.

No reino da ficção, a ideia foi muito aproveitada por escritores que usaram a Optografia como base para suas histórias. Em 1902, Jules Verne escreveu um caso dos Irmãos Kip (Les Fréres Kip), em que os irmãos investigadores livravam um acusado de assassinato depois de obter dos olhos do cadáver uma imagem de um diferente assassino. Desde então, a optografia apareceu em programas de televisão como Doctor Who e Fringe.


O uso da optografia forense chegou ao ponto em que ele se tornou bastante aceito pela polícia, que contratava artistas para desenhar os olhos das vítimas. Em alguns casos, estes eram fotografados com lentes adaptadas para focar exatamente na retina. Na Alemanha, existe um famoso caso em que a optografia foi utilizada como evidência no julgamento de Fritz Heinrich Angerstein em 1924. Angerstein foi acusado de ter matado 8 pessoas, incluindo sua esposa. O legista do caso alegou ter encontrado na retina de duas das vítimas a imagem do acusado segurando uma machadinha. Angerstein seria condenado e executado pelos crimes, em parte porque as evidências optográficas, possuíam enorme credibilidade nos julgamentos. 

Ela chegou ao ponto de que assassinos ocasionalmente destruíam os olhos de suas vítimas temendo que eles pudessem de alguma forma denunciar a identidade do perpetrador. Um caso ocorrido na Inglaterra chama a atenção exatamente nesse sentido, conforme descrito nesse trecho d eum jornal da época:

"Nas primeiras horas da manhã de 27 de setembro de 1927, ocorreu um crime chocante pela sua brutalidade... o Policial P.C. Gutteridge do Condado de Essex foi alvejado a tiros enquanto desempenhava seu trabalho. Ele foi encontrado na beira de uma estrada baleado com três tiros na cabeça. O primeiro disparo que provocou sua morte acertou em sua testa. Posteriormente os demais foram disparados exatamente nos olhos de uma distância curta, não maior do que 10 centímetros. As autoridades acreditam que tal coisa tenha sido feita pelo assassino, temeroso de que sua identidade pudesse ser descoberta por métodos de optografia".  


Outro caso de assassinato em que a optografia foresense foi empregada ocorreu em Fevereiro de 1914 envolvendo a morte de Theresa Hollander de 20 anos. O pai da vítima encontrou o cadáver da filha próximo de uma lápide no cemitério de St. Nicholas em Aurora, Illinois. A jovem havia sido violentamente agredida até a morte com um pedaço de madeira que foi achado posteriormente. Os olhos da vítima estavam abertos com uma expressão de absoluto terror! Um optografista forense foi convidado a realizar o exame da retina, uma vez que os policiais incumbidos da investigação haviam ouvido falar da técnica. O principal suspeito era seu antigo namorado, Anthony Petras, que negava qualquer participação no ocorrido. A polícia adiantou os trabalhos removendo cuidadosamente os olhos a Srta. Hollander e tirando fotografias de suas retinas. No dia seguinte, o jornal Washington Times escreveu:

"As fotografias dos olhos foram realizadas conforme o conselho de um oculista local, que disse à polícia que as retinas poderiam registrar a última visão da vítima, segundos antes dela expirar. A fotografia segundo fontes será usada como prova no processo contra o principal acusado Anthony Petras e mostrada ao Juri durante o julgamento no Sábado".   

Infelizmente,a despeito de todas as informações,a  técnica falhou em mostrar qualquer imagem suficientemente nítida. Petras foi julgado duas vezes pelo crime, e negou envolvimento no crime. Ele acabou sendo liberado por falta de provas. O assassinato de Theresa Hollander permanece um mistério até hoje.


Eventualmente a popularidade da Optografia Forense e seu uso como ferramenta de investigação começou a decair. Isso ocorreu principalmente pela dificuldade em obter imagens de boa qualidade das retinas dos mortos. Os olhos, segundo o consenso precisavam ser removidos poucas horas após a morte e preservados de maneira perfeita. Além do mais, muitos dos casos em que a técnica foi tentada se mostraram pouco confiáveis. O método era simplesmente muito complexo e pouco prático. Embora o método tivesse um mérito em potencial, seu resultado não era consistente o bastante para torná-lo aceito.

Não demorou para que ele acabasse caindo em desuso, mas esse não foi o fim da Optografia Forense.

Desde 1975 houve um renovado interesse no método através dos esforços do fisiologista  Evangelos Alexandridis que reavaliou alguns dos estudos feitos pelo Professor Kühne. Durante seus estudos, Alexandridis foi capaz de reproduzir alguns optogramas de coelhos que haviam sido anestesiados, amarrados e forçados a olhar para janelas e painéis, inclusive um quadro de Salvador Dali, antes de serem mortos e terem seus olhos removidos. Alguns dos espécimes forneceram imagens que se mostraram promissoras, mas o estudo não foi bom o bastante para validar a técnica. Essa foi uma das últimas vezes que a optografia foi testada de maneira científica. A prática gradualmente voltou a desaparecer, tornando-se uma curiosidade macabra do estudo médico-legal. 

Mas será possível que a Optografia tenha algum mérito científico? Será possível de alguma forma ter acesso a visão final de uma pessoa no exato momento em que ela morreu? Com o equipamento correto será que poderíamos ter acesso a essa derradeira visão? Mesmo que a ideia pareça ter sido definitivamente abandonada pela ciência médica, será que um dia teremos acesso aos segredos contidos nos olhos dos mortos?  

Por muito tempo, a expressão "Homens mortos, não contam histórias" foi aceita como uma verdade incontestável, mas através da estranha Ciência da Optografia isso poderia ser mudado.

3 comentários:

  1. Caralho q foda. Li sobre isso em um comentário e vim pesquisar. Isso seria mto útil em investigações. Acredito q com o investimento certo, podemos popularizar esse método!

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  2. Vi isso em Robocop, vim averiguar pra ver se tinha algum fundo de verdade.

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  3. Eles fazem isso no filme "As loucas aventuras de James West" eu vim ver se era um conceito inventado do filme ou se existia

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