domingo, 30 de dezembro de 2018

A Donzela de Ferro - Uma Horrenda e Infame Forma de Execução


Won't you come into my room, I wanna show you all my wares
I just want to see your blood, I just want to stand and stare
See the blood begin to flow as it falls upon the floor
Iron Maiden can't be fought, Iron Maiden can't be sought

Iron Maiden - Iron Maiden

O torturador empurrou a pobre vítima para dentro da Donzela de Ferro, enquanto ela gritava em desespero.

"Não! Isso, não! Piedade! Piedade!" ela gritou e implorou quando viu a Donzela de Ferro aberta à esperando..

Mas de nada adiantava. Uma vez posicionada no interior da Donzela de Ferro a porta foi fechada e seu abraço extraiu da pobre mulher um lamento longo e doloroso. O som era música para os ouvidos do torturador. E logo um fluxo de sangue começou a escorrer do interior do instrumento de tortura a medida que os espinhos penetravam cada vez mais fundo em sua carne.

*     *     *

Donzelas de Ferro talvez sejam os aparelhos de tortura mais notórios e temidos.

Mas será que eles realmente foram usados ao longo da história?

A resposta mais simples para a questão provavelmente é: Não.

A presença de Donzelas de Ferro em praticamente todas as câmaras de tortura é um mito disseminado a partir do século XVIII, quando esses impressionantes instrumentos de suplício se tornaram acessórios em peças teatrais a respeito da Era Medieval. Elas se tornaram extremamente populares em montagens de histórias góticas e nas famosas peças de Grand Guignol em que morte e tortura eram encenadas para o delírio do público. Contudo, a probabilidade de que esses terríveis aparelhos de tortura tenham sido largamente utilizados na Idade Média, é pequena.


Isso não torna a ideia da Donzela de Ferro menos aterrorizante. A Donzela de Ferro (Iron Maiden) é descrita como uma caixa de metal do tamanho de uma pessoa adulta. No interior desse aparelho diabólico eram colocadas pontas agudas de metal que ficavam presas na parede interna e na porta. A vítima era colocada dentro da caixa e a porta fechada fazendo com que os espetos perfurassem seu corpo em lugares chave. O ideal era que os cravos não atravessassem nenhum órgão vital, para que a tortura pudesse se prolongar. Para tornar a coisa ainda mais terrível, as Donzelas de Ferro possuíam um dispositivo de manivela operado pelo torturador que permitia mover a parede, fazendo com que os cravos avançassem empalando lentamente a vítima. Esta experimentava um sofrimento indescritível e uma morte lenta causada pelo choque do sangramento.

Ok, sinistro.

Mas basicamente pura ficção. A primeira referência histórica a respeito da Donzela de Ferro é feita muito depois da Idade Média, no final do século XVII. O filósofo alemão Johann Philipp Siebenkees escreveu a respeito de uma alegada execução ocorrida no ano de 1515. A vítima teria sido um falsificador de moedas da cidade de Nuremberg que enfrentou o abraço da donzela e sucumbiu em seu interior depois de dois dias de tortura incessante.

Na mesma época que a descrição foi feita por Siebenkees, Donzelas de Ferro começaram a aparecer convenientemente em museus na Europa. Isso inclui a infame Virgem de Nuremberg, possivelmente a mais conhecida das peças de tortura que ficou exposta no Museu da cidade como uma relíquia de tempos menos tolerantes. Curiosamente, a Virgem de Nuremberg jamais foi usada para torturar, ela foi construída no início de 1800 para ser exposta. A peça teria sido destruída em um bombardeio aliado em 1944 e uma substituta foi forjada em 1954. 

Siebenkees não foi o primeiro a imaginar o uso da terrível caixa de metal cheia de cravos como aparelho de tortura. Um livro em latim, chamado "A Cidade de Deus", escrito no século quinto depois de Cristo, relata uma medonha tortura sofrida pelo General romano Marcus Atilius Regulus nas mãos dos cartagineses. Segundo a narrativa ele foi trancafiado em uma caixa de metal com espinhos de ferro. Marcus não teria morrido no aparelho, ele foi levado dentro da caixa até o local de execução onde acabou sendo decapitado.

O historiador grego Polybius, que viveu no ano 100 aC, também ajudou a espalhar uma história similar. Polybius contava que o tirano espartano Nabis mandou construir um engenho de metal com a face de sua esposa Apega na porta. No interior da caixa haviam pregos de metal que se enterravam no corpo dos que eram postos ali dentro. O diabólico mecanismo era usado em cidadãos que se recusavam a pagar impostos ou que ousavam se rebelar contra o governante.  

Polybius escreveu em uma crônica a seguinte descrição do aparelho sendo usado:

"Quando o homem foi colocado na caixa, a porta foi fechada e seus gritos puderam ser ouvidos. Seus braços e mãos, bem como suas costas, foram atravessadas por pregos aguçados de ferro que cobriam as paredes internas da caixa. Quando a porta foi empurrada por Nabis, os espetos perfuravam a vítima em um abraço mortal... ele fez o homem prometer que jamais falaria novamente contra seu Rei. Aquele homem sobreviveu, mas outros tantos não tiveram a mesma sorte e pereceram no interior da infame Caixa de Metal que era carregada para as praças com intuito de intimidar os revoltosos".

É difícil dizer se qualquer dessas narrativas são verdadeiras - historiadores da antiguidade tinham forte tendência a exagerar e criar situações, mas o conceito da Donzela de Ferro não parece ter surgido na Idade Média. De fato, o período é associado a vários tipos de tortura, mas a grande maioria delas foram adaptadas a partir de métodos bem mais antigos. Mesmo o famoso rack de tortura, um instrumento associado a tortura medieval, usado para estender braços e pernas provocando o rompimento de articulações, não foi concebido no período. Ele já era conhecido nos tempos de Alexandre, o Grande. Da mesma forma, existem menções sobre cadeiras de ferro em que vítimas eram amarradas e o assento aquecido gradualmente até queimar o pobre diabo. Tal implemento, famoso na Europa Medieval parece ter sido uma criação dos persas. Os persas também teriam criado o conceito da crucificação que os romanos usaram extensivamente como forma de execução. Uma vez que a crucificação passou a ser identificada com o martírio de Cristo, ela deixou de ser utilizada na Idade Média.

Tudo indica que os torturadores medievais eram menos engenhosos do que se pensa, já que foram poucas as modalidades de tortura desenvolvidas no período.

Isso, no entanto, não significa que a tortura não acontecia na Idade Média. Ela ocorria, e com enorme frequência. Tortura era empregada como forma de extrair confissões de culpa, para preparar uma pessoa condenada, para punir certos tipos de transgressão e em alguns casos, usada como ferramenta da própria execução.


Existia a noção na Era Medieval de que as pessoas se tornavam realmente honestas quando eram sujeitas a considerável sofrimento. A verdade aflorava através da dor e da punição ao corpo. Os torturadores eram instruídos a jamais produzir ferimentos graves o bastante para causar a morte antes que a vítima confessasse seus crimes. Um torturador experiente conhecia seu ofício bem o bastante para prolongar o sofrimento de sua vítima por horas ou mesmo dias, extraindo cada gota de sofrimento através do uso de suas ferramentas.

Entretanto, a tortura medieval não era tão elaborada quanto imaginamos. Cordas, ferros em brasa e chicotes eram as ferramentas preferidas dos torturadores. Estes não eram particularmente criativos em seus métodos. Dispositivos de tortura eram algo incomum, mesmo nas famosas masmorras e câmaras de tortura dos castelos medievais. De certa forma, aparelhos como estes eram pouco confiáveis e os torturadores por vezes iam longe demais e acabavam matando as vítimas antes da hora. Métodos mais simples, podiam ser mais eficazes, afinal, causar dor não é uma ciência complexa. De fato, alguns historiadores medievais acreditam que muitos aparelhos de tortura até podiam adornar as masmorras, mas eles eram usados muito mais para intimidação do que na prática.

A frase, "mostre os instrumentos" era comumente utilizada como forma de intimidar e soltar a língua da vítima antes mesmo que qualquer ferimento fosse produzido. Um prisioneiro podia ser levado até a masmorra e apresentado aos terríveis aparelhos de tortura e isso muitas vezes era suficiente para que ele confessasse tudo, mesmo aquilo do qual não sabia ou pelo qual não era responsável. Donzelas de Ferro podem ter cumprido justamente essa função, a de ser um estímulo a confissão, através de uma ameaça clara do que ela representava.


Muitas das lendas a respeito de tortura medieval surgiram no século XVIII e XIX, quando as pessoas pareciam interessadas em atribuir aos seus antepassados um perfil mais brutal do que o seu. A ideia era atribuir ao período medieval um caráter selvagem para torná-los menos selvagens.

Mas com todos esses fatos, será então que a Donzela de Ferro nunca passou de uma lenda?

Talvez não... existem documentos e documentos que confirmam a existência de tais instrumentos em tempos medievais, ainda que fossem extremamente raros, restritos apenas aos maiores castelos comandados pelos Senhores mais poderosos que podiam se dar ao luxo de mandar construir tais engenhos de sofrimento.

Criar uma Donzela de Ferro demandava grande capacidade em metalurgia e conhecimento em manipulação de metais. A peça conforme descrita é muito mais do que uma simples caixa com espetos agudos, estes precisavam ser soldados, a porta devia possuir molas e o mecanismo de manivela deveria demandar ainda mais engenhosidade por parte do ferreiro.

Os documentos mais confiáveis a respeito da existência de Donzela de Ferro vem das Terras Germânicas. Eles mencionam a existência de um dispositivo chamado Schandmantel que pode ter servido de inspiração para a construção das Donzelas. O Schandmantel (que significa barril da vergonha), era um tipo de barril de madeira reforçado com ferro no qual uma pessoa era colocada. As paredes desse barril tinham cravos de ferro rebitados que se enterravam na carne da vítima,sobretudo quando ele era rolado no chão para frente e para trás.


Existem inclusive desenhos de Shandmantel com figuras femininas entalhadas na tampa, que podem ter servido como inspiração direta para as Donzelas de Ferro que se tornaram mais tarde populares.

No Museu da Tortura de Praga, na atual República Checa, existe um dispositivo datando do século XVI que parece muito com uma Donzela de Ferro. Ela é uma espécie de caixa do tamanho de uma pessoa adulta, com uma estrutura de metal mas recoberta de couro, dotada de furos. Nesses espaços intermitentes, lanças ou cravos podiam ser enfiados para perfurar uma pessoa presa no interior.

Curiosamente, não existe no mundo nenhuma Donzela de Ferro que comprovadamente foi construída (e usada) na Idade Média. Muitos museus possuem em seu acervo tais instrumentos de tortura, mas mesmo as peças mais conhecidas não passam de versões construídas após o século XVII. Embora tudo leve a crer que as Donzelas de Ferro não passem de uma ficção, não há como se descartar a brutalidade e violência que o ser humano é capaz de desencadear. A concepção desse e de outros instrumentos de tortura apenas demonstram como nossa espécie é criativa e eficiente quando se trata de nos ferirmos uns aos outros.

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