quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Cinema Tentacular: Bird Box - O Mundo acaba e você fica às cegas


Bird Box finalmente chegou ao Netflix.

O filme muito aguardado vem cercado de expectativa a respeito de como o roteiro conseguiria traduzir o livro de Josh Malerman em que os personagens passam a maior parte do tempo com os olhos vendados. Além do desafio de colocar isso na tela, havia ainda o de contar uma história de apocalipse de modo original, sem cair nas armadilhas típicas do gênero.

A favor da produção está a presença de peso de Sandra Bullock, estrela que dispensa apresentações e atrai fãs a despeito do tipo de filme em que dá o ar da graça. A Netflix não poupou esforços não apenas na promoção de Bird Box, mas na qualidade da produção. Tudo ali é de primeira e a produção, feita para o canal de streaming é extremamente caprichada, não fica devendo nada a super-produções dos grandes estúdios.


O resultado?

Bem, digamos que Bird Box promete muito. Ele começa bem demais, e imediatamente prende nossa atenção ao narrar sem rodeios uma história sobre a queda da civilização - que ocorre de forma repentina e assustadoramente rápida. Na trama, de um dia para o outro, pessoas comuns tem suas vidas destruídas e são apresentadas a uma nova realidade de medo, terror e paranoia. Se essa premissa é suficiente para manter as coisas interessantes até o fim, é justamente o final que perigosamente quase coloca tudo à perder.

Dirigido por Susanne Bier e adaptado diretamente da novela de Malerman, um best seller lançado em 2014, Bird Box se divide em duas linhas narrativas: na primeira Malorie (Sandra Bullock) tenta guiar um casal de crianças chamados apenas de Menina (Vivien Lyra Blair) e Menino (Julian Edwards) através de uma paisagem apocalíptica - enquanto vendados navegam por um rio à caminho de algum tipo de refúgio para os sobreviventes. A outra conta como tudo começou e como Malorie experimentou os acontecimentos que devastaram a civilização e a obrigaram a se esconder em uma casa de subúrbio com um grupo de estranhos na mesma situação.


Um dos méritos do filme é que o roteiro não tenta explicar o que está acontecendo. Ele não busca contar o que aconteceu ou o que está provocando a crise que parece estar se alastrando pelo mundo inteiro. Há teorias, algumas muito bizarras, de que poderiam ser espíritos, criaturas, doença que estão causando o horror... mas o fato é que ninguém sabe e o surto crescente de suicídios e violência mundo à fora continua em ritmo alarmante. A única certeza é que essa loucura é algo contagioso e se espalha através da visão. Um mero vislumbre, de seja lá o que for, é suficiente para despertar a loucura. Não existe cura! Não existe maneira de evitar!

A única solução imediata é fechar os olhos, de preferência com vendas, e não sair de casa.

Não há como evitar algumas situações típicas de filmes a respeito do apocalipse que já vimos um milhão de vezes. Como sempre temos as misteriosas transmissões de rádio, pessoas diferentes confinadas no mesmo ambiente, ansiedade com a segurança de amigos e parentes, paranoia a respeito de suprimentos e um medo crescente de que a relativa segurança do refúgio possa ser quebrada a qualquer momento. Tudo isso está lá. Embora Bird Box trabalhe esses elementos de forma muito eficiente é impossível afastar a sensação de deja vu. 

T

Os monstros são no entanto uma novidade. Uma vez que eles matam através da visão, as criaturas não precisam caçar ou atacar as pessoas. Seu poder está em forçar suas vítimas a remover as vendas e encará-los. O fato de não se poder ver as criaturas remete à máxima de que "não há nada mais assustador do que o desconhecido". As tais criaturas estão presentes ao longo do filme inteiro, mas elas não são vistas, a não ser através de sua interação com o ambiente (movendo objetos e plantas) ou através de sombras espreitando. Comparações com o filme "A Quiet Place" são inevitáveis já que a premissa dos filmes é bastante semelhante. Mas lá as criaturas podiam ser vistas claramente e eram uma ameaça física se você fizesse qualquer ruído que as atraísse. Em Bird Box os monstros permanecem como um mistério indecifrável, o que contribui para construir uma aura de incerteza.

Uma diferença do livro para o filme envolve a presença de pessoas que acabam se entregando à loucura. No livro essas pessoas são citadas, mas no filme, esses maníacos que resolvem se bandear para o lado das criaturas recebem maior destaque. O que ajuda a criar um panorama de desconfiança e paranoia que justifica o medo de seus vizinhos. Novamente, o roteiro não explica porque algumas pessoas são imunes a loucura suicida (supostamente por já serem loucos), mas a noção de que alguns abraçam de coração a loucura, achando as criaturas "lindas" e uma forma de "purificação" é inquietante.

O filme possui bom ritmo e a direção trabalha a a sensação de tensão reinante com eficiência. Existem boas cenas em que os personagens exploram as ruínas do mundo devastado e nestas paira sempre uma dúvida de quantos irão sobreviver à experiência. Boa parte da tensão do filme reside na interação dos personagens confinados e obrigados a conviver sob um mesmo teto. 


Bird Box conta com um elenco cheio de rostos familiares, mas infelizmente a maioria deles não tem a oportunidade (ou tempo) de aparecer suficiente para nos importarmos com eles. A maioria dos personagens não passam de estereótipos que aos poucos vão sendo eliminados. Em um grupo que inclui Sarah Paulson, Tom Hollander e BD Wong, apenas John Malkovich realmente se destaca. Porém, mesmo o personagem dele, um viúvo, duas vezes divorciado e que não está nem aí para seus vizinhos, soa meio lugar comum. Se não John Malkovich não fosse um ator tão bom, com certeza o personagem seria apenas um babaca genérico.

O fato de Malorie ser a única personagem presente em ambas linhas indica que algo muito ruim aconteceu com todos os outros em algum momento da história. Bird Box, se sustenta quase que inteiramente na visão de Malorie e Sandra Bullock se mostra à altura da tarefa de carregar o filme inteiro nas costas. Ela faz bonito nas cenas de tensão em que é mais exigida e é fácil simpatizar com ela.


De um modo geral, Bird Box é um filme recomendável, ainda que ameace perder o pique em determinados momentos. Os monstros são assustadores, mas seu poder de incomodar vai sendo anulado aos poucos, quando entendemos como eles funcionam. Os coadjuvantes são interessantes, mas acabam morrendo antes que possamos conhecê-los melhor. O filme tem tensão, mas mesmo ela acaba sendo neutralizada pela alternância das duas linhas narrativas. E o final... bom o final, por um triz não estraga todo o filme em uma conclusão "sessão da tarde" que destoa do que havia sido mostrado até então.

Está longe de ser um suspense memorável, menos ainda um horror que vai marcar época, mesmo assim é uma produção divertida. Ideal para colocar na sua lista, assistir quando tiver um tempo e depois remover sem remorso.

Trailer:



5 comentários:

  1. Bird Box me lembrou mais Fim dos Tempos do Shyamalan... Todos com quem conversei disseram que o filme é bom mas é fraquinho...

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  2. No meio do filme, quando o lunático que deixaram entrar na casa espalha seus desenhos na mesinha da sala, vocês perceberam as referências e similaridades?

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  3. Infelizmente achei fraco. A falta de coerência dos "monstros" na historia me fez cair a suspensão da descrença o tempo todo, por isso acabei não sentindo tensão no filme como deveria :/

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  4. Gosto do livro, ele realmente foca no medo do desconhecido de fato, vcs n sabe como as criaturas são como foi exposta naqueles desenhos, n se sabe se elas são boas, más, qual o objetivo delas, no livro elas n forçam as pessoas , nem manipulam ninguem, são as pessoas q n suportam olhar pra elas, é aquela coisa do conhecimento perigoso, no qual existe uma verdade tão forte que nem a mente humana consegue suportar, tipica do terror lovercraftiano.

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