Talvez esses sectos sejam o exemplo mais concreto do poder de influência dos Grandes Antigos sobre a raça humana. Povos primitivos, bem como sociedades civilizadas extremamente sofisticadas foram inspiradas pelos sonhos de loucura enviados pelo Grande Cthulhu.
O que une diferentes indivíduos em partes distantes do mundo numa mesma crença nefasta? O que faz com que professem fanática devoção a uma divindade inumana? O que os motiva e congrega para venerar um horror além da compreensão?
Embora a imagem estereotipada do cultista seja a de um maníaco vestindo um manto e portando uma medonha faca recurva, cultos e cultistas são, de fato, muito diferentes entre si. No que diz respeito ao Culto de Cthulhu isso não é diferente. O Culto de Cthulhu é em essência uma organização religiosa, cujo maior propósito é promover o despertar de seu senhor e uma nova era de caos e mudança.
Embora todos os cultistas possam ser julgados como insanos, isso não significa que todos os cultos são formados por indivíduos incontroláveis ou suicidas. Na maioria dos casos, há sim loucura, mas em outros tantos; determinação, obstinação e ambição motivam os membros do Culto e os impelem a cumprir as tarefas ditadas pelos seus mestres. A maioria deles crê que se servirem seus superiores à contento, receberão algum tipo de recompensa. No caso de Cthulhu, essa recompensa é incerta, afinal, a maioria deles sabe que o Despertar de seu Senhor anuncia o Fim dos Tempos. Mesmo assim, os servos de Cthulhu acreditam que serão poupados para se tornarem os mestres da nova ordem, que sofrerão mudanças que os tornarão algo mais do que humanos ou que irão obter o favor de seu Deus. Cada seita, no entanto, sinaliza com algo diferente para seduzir seus fiéis e obter sua devoção cega.
Em tempos imemoriais, ainda na aurora do homem, o Grande Cthulhu era venerado abertamente como uma força real.
O Culto de Cthulhu remonta a pré-história humana, pinturas rupestres encontradas em cavernas e ídolos de pedra indicam que o culto estava presente no Neolítico. É possível que as primeiras sociedades tenham sido de alguma forma inspiradas por Cthulhu que enviou a indivíduos sensitivos suas emanações psíquicas. Guiados por visões, esses xamãs primitivos comunicavam aos demais membros da tribo as visões que recebiam.
A medida que as sociedades foram se desenvolvendo, o culto de Cthulhu as acompanhou. A mítica cidade de Atlântida construiu enormes templos de granito devotados não apenas a Cthulhu, mas aos seus filhos Ghatanathoa e Ythorgtha. O culto na cidade, considerada por muitos estudiosos como o berço da civilização humana, operava abertamente sendo um dos mais influentes entre os dignatários nas camadas mais elevadas da sociedade. Os Sacerdotes de Cthulhu estavam entre os cidadãos mais importantes, com acesso aos nobres e aos governantes. Eram temidos por conhecer os segredos do além e por secretamente praticar artes negras. O Grande Cthulhu era considerado o Deus dos Sonhos e dos Presságios, uma divindade neutra quanto a humanidade, reverenciada como uma entidade do Caos.
Na Hyperborea ele era chamado de Kthulhut, e foi o principal rival do Deus Batráquio Tsathoggua, venerado por raças pré-humanas como os voormis. Os conquistadores humanos vindos de terras além-mar, introduziram o culto de Kthulhut nas terras por eles dominadas e em pouco tempo o Culto se espalhou pela gloriosa capital Commoriom. O povo da Ilha de Mu por sua vez temia Cthulhu e recorria aos seus três filhos para aplacar sua ira. Templos de basalto devotados a Zoth-Ommog, Ythorgtha e Ghatanathoa eram os mais procurados pelos fiéis. A obscura sociedade humana de K'n-yan, que até hoje habita cavernas azuis nos subterrâneos da Terra, continua seguindo rituais voltados a seu Deus maior, "Tulu". Foram também os seguidores de Cthulhu os responsáveis por expulsar os membros remanescentes do povo-serpente que vivia na antiga Valúsia.
O reinado absoluto de Cthulhu como Deus das primeiras civilizações foi aos poucos diminuindo, sobretudo quando cultos devotados a ele começaram a ser associados com magia negra, sacrifícios e consórcio com a raça dos Abissais. O medo afastou a maioria dos fiéis que temiam o teor profano e a blasfêmia associada aos rituais de Cthulhu.
Quando cada uma dessas míticas civilizações inevitavelmente ruiu, o conhecimento místico e a crença em Cthulhu foi gradualmente substituída pela crença em outras divindades terrestres. Heróis e campeões que se colocaram contra Cthulhu e seu Culto ganharam status divinos passando a ocupar um patamar elevado que deu origem aos primeiros panteões.
Mas o Culto de Cthulhu jamais desapareceu por inteiro.
Fragmentos dessas antigas crenças viajaram pelo mundo, chegando a recantos distantes onde descendentes dessas civilizações ainda prestavam homenagem ao Grande Antigo. É possível que o culto tenha sido a partir de então professado secretamente, exceto em sociedades extremamente primitivas. Estudiosos acreditam que ele continuou atuando clandestinamente à margem da sociedade.
Há claros indícios de que o Culto de Cthulhu perseverou na Babilônia e na Mesopotamia. Seus cultistas faziam parte de uma importante Sociedade formada por navegadores na Fenícia que honrava também Dagon e estava em conluio com os Abissais. Eles estavam infiltrados entre mercadores que navegaram pelo Mar Vermelho e atingiram o Mediterâneo, estabelecendo bases entre os etruscos que antecederam aos romanos. O Culto se adaptou, prosperando no submundo, na forma de irmandades fechadas que mantinham em segredo suas atividades. Vilarejos de pescadores serviam como fachada para reuniões e rituais que tinham participação de abissais que por sua vez, abençoavam as cerimônias.
Na Grécia clássica, o Culto de Cthulhu era forte em Creta, Lesbos e Minos, todas ilhas do Mar Jônico. Algumas sociedades religiosas prosperaram usando para isso alianças com cultistas que lhes ofereciam riquezas das profundezas e conhecimento mágico. Entre os sacerdotes gregos, haviam aqueles que ligavam Cthulhu aos Titãs, como Pai de Todos Eles. Ele seria o progenitor daqueles que antecederam os Deuses clássicos, compelido a dormir sob as ondas, aguardando o dia de seu despertar.
Pequenos mas bem organizados cultos existiam também na terra dos Parthians, na Síria e na Judéia. Junto com escravos e mercadorias, a crença em Cthulhu viajou através do oriente, desde as montanhas da Asia Central, passando pela India e Oriente Médio. Ela encontrou terreno fértil para se enraizar e assumir diferentes aspectos, sobretudo nas Montanhas inacessíveis do Tibet onde surgiram mosteiros devotados a ele.
No poderoso Império Romano, o Culto conquistou influência entre ricos mercadores que negociavam com estrangeiros vindos dos rincões mais distantes do Império. Nos movimentados portos romanos os cultistas operavam secretamente: manipulando, assassinando e controlando o comércio marítimo e as atividades pesqueiras. Assumindo a forma de cultos de marinheiros e homens do mar, seus membros tinham relação íntima com tribos de Abissais que habitavam as profundezas do mediterrâneo.
A litânia "Iä, Iä", ou "Eu estou faminto! Eu estou faminto!" repetida com um mantra, lançava o medo no coração dos infiéis. Cthulhu agia na sombra através de seus seguidores e ninguém estava seguro.
Na Idade Média, a ação do Culto parece ter declinado substancialmente na Europa, se restringindo a alguns bastiões costeiros e recantos litorâneos isolados, principalmente na Espanha, Portugal e Ilhas Britânicas. De alguma forma, o Culto de Cthulhu experimentou algum tipo de retrocesso, cedendo espaço para outras crenças e divindades. Especula-se se em determinado momento, as emanações psíquicas de Cthulhu diminuíram sua intensidade ou se o Deus perdeu o contato com a humanidade. Isso permitiu que cultos de Shub-Niggurath, Nyarlathotep e Tsathogua ganhassem espaço.
Mas não demorou para que Cthulhu retornasse nos séculos seguintes, justamente quando os homens se lançaram para conquistar novas terras e empreender jornadas além mar. Talvez o Grande Antigo, submerso em seu mausoléu submerso tenha captado essas viagens e sentido a oportunidade para uma vez mais se dedicar a corromper a mente humana. De qualquer maneira, quando o homem chegou à América, Cthulhu já era conhecido entre as principais civilizações pré-colombianas: Astecas, Maias e Incas possuíam cultos secretos dedicados ao Deus dos Sonhos.
Da mesma forma, na África subsaariana, os Cultos de Cthulhu existiam sob o nome de Clulu e Tuluh, prosperando em enclaves tribais na porção oriental do continente. Tribos envolvidas com o Culto atuavam no comércio humano que abasteceu a Europa e América com milhares de escravos. Os principais centros de Culto eram o Congo e Tanzânia, mas dissidentes estavam presentes com força no Sudão e na Nigéria. É perfeitamente possível que membros do Culto tenham viajado em porões de navios negreiros para as colônias distantes, carregando consigo rituais blasfemos incorporados a crenças ocidentais por intermédio de sincretismo. Para alguns antropólogos, elementos do Culto de Cthulhu, estariam presentes em algumas religiões africanas.
Um estudo bastante documentado foi realizado em 1860, pelo Professor William Channing Webb da Universidade de Princeton. Enquanto explorava a costa norte da Groenlândia, Webb descobriu uma pequena e isolada tribo de esquimós diferente de qualquer outra. Evitada e temida pelas demais tribos da região, o bando degenerado praticava rituais abomináveis incluindo sacrifício humano. Esses rituais eram praticados diante de antigas pedras entalhadas representando uma imensa figura marinha com a cabeça de um polvo - um tornasuk, ou demônio, que os primitivos chamavam de Cthulhu.
Embora a tribo esquimó tenha desaparecido sem deixar vestígios, os desenhos dos ídolos copiados por Webb, guardavam incrível semelhança com representações divinas veneradas por outros povos primevos. Uma tribo habitando a remota ilha de Rotorua, na Polinésia tinha como divindade principal um deus ou demônio marinho incrivelmente similar ao tornasuk e seus rituais selvagens eram idênticos aos dos esquimós.
Mais curioso ainda era a similaridade de símbolos e padrões usados por povos separados por incrível distância geográfica. Webb identificou alguns símbolos em diferentes culturas primitivas como pertencentes ao antigo alfabeto Tsath-Yo, um dia usado pelo povo hiperbóreo. As anotações antropológicas de Webb sugerem que estes povos de alguma forma tiveram uma origem comum, sobretudo no que diz respeito a sua religião e mitologia.
Com base no polêmico estudo feito por Webb, outras tribos isoladas encontradas na América do Sul, Ásia Central, África, Nova Zelândia e na costa do Alasca apresentavam elementos religiosos similares. O trabalho sugeria que estes povos fossem descendentes de civilizações antigas que preservaram a crença em Cthulhu e que compartilhavas de uma mitologia bastante próxima, glorificando entidades chamadas de Ktulu, Cathultus, Clulu ou Tulula, sendo que todos no fim das contas, eram o mesmo Deus: Cthulhu.
À luz do século XX, parecia improvável que um Culto tão antigo e primitivo quanto o devotado ao Grande Cthulhu existisse, exceto em regiões absolutamente isoladas e pouco civilizadas do mundo moderno.
Mas à bem da verdade, o Culto de Cthulhu, em suas várias encarnações, continuava presente.
Em meados de 1906, uma obscura seita com orientação vodu, foi desarticulado pela polícia de Nova Orleans. Suspeitos de inúmeros sequestros e assassinatos, o culto operava no interior dos ermos pântanos da Louisiana praticando o que os colonos descreviam como "algum tipo de magia negra demoníaca". Seus membros eram degenerados que se entregavam a cerimônias blasfemas incluindo sacrifícios de sangue e a veneração de estátuas medonhas. Imensas fogueiras ardiam na parte mais fechada do pântano e corpos mutilados eram empilhados aos pés de Clooloo, a entidade por eles venerada. A maioria dos acusados capturados pela diligência policial foi considerada insana demais para enfrentar julgamento e apenas dois foram julgados e enforcados pelos seus atos temerários.
Um dos homens capturados, um velho chamado Castro, relatou que o culto de que fazia parte era muito maior e antigo do que se poderia imaginar. Ele aludia a um culto global atuante em várias partes do mundo sob nomes diferentes, mas que em essência professava a mesma crença infame.
Segundo Castro, Cthulhu, o Grande Antigo um dia seria libertado de sua prisão ancestral proclamando com o seu retorno o fim da Era do Homem e o início do apocalipse de todas as coisas materiais e espirituais. O culto preparava a humanidade para a servidão e aqueles devotos a ele tentavam ganhar seu favor através da cega adoração. Em seu testemunho incoerente, o prisioneiro afirmava que Cthulhu era o mais antigo dos deuses da humanidade e que ele jamais deixaria de ser venerado.
Verdade ou mentira, os tentáculos de Cthulhu invadem outras crenças. Mesmo religiões modernas e sofisticadas não estão imunes a influência do Grande Antigo. Na marcha para o Oeste americano durante o século XIX, várias seitas messiânicas se basearam em mais do que o Velho Testamento para converter fiéis e mostrar o caminho da salvação (ou da destruição). A presença de Cthulhu se manifesta no coração de seitas apócrifas e de igrejas separatistas cristãs, seja no meio oeste dos Estados Unidos, na Coréia do Sul ou na Rússia. Sectos proliferam incorporando rituais antigos acrescentando simbolismo religioso ao Mythos em um sincretismo espúrio.
Mesmo irmandades e corporações formadas por marinheiros, pescadores e homens do mar ainda são suspeitas de adorar divindades marinhas ancestrais como Cthulhu, Dagon e Hydra. Na costa da Nova Inglaterra, na cidade portuária de Innsmouth uma Seita chamada Ordem Esotérica de Dagon congregava seus membros em rituais que remetiam diretamente ao Mythos em cerimônias envolvendo entre outras coisas a miscigenação do sangue humano com o de Abissais. Por ocasião de uma intervenção do Governo Federal em 1928, Innsmouth foi fechada e grande parte de seus residentes envolvidos com a Ordem de Dagon aprisionados. Consultando os documentos e arquivos encontrados no templo, ficou claro que o culto era muito mais vasto do que se poderia supor com ramificações em várias cidades e portos do mundo. Filiais da Ordem Esotérica de Dagon estavam presentes nos portos de Marselha, Xangai, Singapura, Rotterdan e Santos, cada qual com suas próprias características, mas todos guardando semelhança no que dizia respeito ao seu Deus e quanto a forma como ele era adorado.
Na conturbada década de 1920, uma facção do Culto de Cthulhu operando em Nova York se fixou na região ao norte do estado, plantando sua influência nas comunidades de imigrantes que se estabeleciam no novo mundo. O culto foi duramente confrontado por autoridades locais e desarticulado antes que atingisse um número elevado de membros. Fenômeno semelhante foi experimentado no Haiti onde o Culto de Cthulhu se entranhou na cultura do vodu até quase ficar indissociável dele.
Durante os anos 1930, o Culto de Cthulhu encontrou partidários em grupos revolucionários no Norte da África que pleiteavam se libertar de seus colonizadores. No Marrocos, Sudão e Argélia, as brasas do Culto se reavivaram misturando fanatismo e nacionalismo, usado como ferramenta e instrumento de identidade nacional. O mesmo fenômeno pôde ser visto ao longo dos anos 1950 e 1960, nas repúblicas centro-africanas e mesmo nos anos 1970 com as guerras de independência de Angola, Uganda e Tanzânia. Algo similar apareceu no Laos, Camboja e Indonésia, sendo entretanto duramente combatido.
A presença do Culto de Cthulhu ao redor do mundo, mesmo em uma época que nós convencionamos pautar pela ciência e razão, prova que a influência do Grande Antigo continua moldando a mente dos homens. É improvável que a presença de Cthulhu um dia abandone de vez a humanidade. É bem verdade, que há períodos de maior atividade, quando as emanações de telepáticas de Cthulhu se fazem mais claras, como o que ocorreu em 1925 quando R'Lyeh emergiu pela última vez. Desde então a influência parece ter arrefecido, ainda que seu ressurgimento seja mais do que certo.
Contudo, mesmo quando o Deus sonhador parece menos ativo em sua prisão sepulcral, com certeza seu culto está de alguma forma agindo nas sombras, conspirando e tramando seu retorno.
Ninguém sabe falar o nome dele não importa a época.
ResponderExcluirSksksks é verdade
ResponderExcluirto gostando muito dessa série de artigos envolvendo o "salvador do mundo".
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