Num mundo um dia dominado pelos Antigos, não é de se estranhar que objetos tocados por eles guardem enorme poder. Perdidos nas cidadelas em escombros, nas ruínas engolidas por selvas e desertos ou no interior de templos submersos, repousam os derradeiros tesouros de nosso planeta. Foram estas as ferramentas manipuladas pelos Deuses em tempos idos, criadas com o seu consentimento, com propósito e razão que nos escapa à compreensão. São eles as peças centrais de um imenso quebra-cabeças que pode lançar uma luz sobre a natureza inescrutável desses seres, ou nos condenar de uma vez por todas ao horror de um saber profano.
Estes são os infames Artefatos do Mythos de Cthulhu e meramente tomar conhecimento de sua existência constitui um perigo inenarrável. Pois ponderem: O que pode ser mais perigoso para seres frágeis e de mente primitiva, como nós humanos, do que manusear objetos concebidos pelos Deuses?
Juntem-se a nós na apreciação dos mais inefáveis artefatos e engenhos urdidos por estes seres, e tema o dia em a existência de um deles vier à tona.
Hoje falaremos de um dos mais poderosos e temidos artefatos ligado ao Mythos. Uma peça única que viajou através das eras, cuja existência simboliza uma comunhão com os Deuses Exteriores e que passou de mão em mão, por civilizações e povos - muitos dos quais não-humanos, perdendo-se e sendo achada incontáveis vezes.
Estamos falando é claro do lendário Trapezoedro Brilhante.
Não há como datar quando e de que forma o Trapezoedro foi criado. O que se sabe é que ele é mais antigo que toda a vida na Terra e que provavelmente existirá muito depois da existência do último ser se extinguir. Há teorias de quem ou o que pode ter sido seu idealizador, mas essas hipóteses parecem tão eivadas de dúvida e mitos que é impossível ter certeza de qualquer coisa.
A primeira teoria diz respeito a Nyarlathotep, o Caos Rastejante que teria criado o Trapezoedro como exercício de sua vontade divina. Ele teria imbuído a pedra com uma centelha ardente de sua própria consciência, vinculando para sempre o objeto à sua existência nefanda. O objeto teria sido construído com um propósito desconhecido, embora o infame tomo de conhecimento blasfemo escrito por Ludwig Prinn, o De Vermis Mysteriis, especule que a pedra encerra parte da alma de Nyarlathotep, e que na iminência de sua destruição, o Deus Exterior possa renascer à partir dela. Se isso for verdade, explicaria a razão pela qual o Caos Rastejante parece tão achegado a esse Artefato. Não explica entretanto, porque tal objeto ao longo da história esteve nas mãos de tantos donos.
A segunda hipótese contempla sua criação através de uma raça de crustáceos primitivos, antepassados diretos dos Fungos de Yuggoth. Estes supostamente teriam criado o Trapezoedro Brilhante, encerrando no seu interior uma imensurável energia que impulsionou seu desenvolvimento e lhes permitiu evoluir para uma das espécies mais importantes do cosmos - os Mi-Go. O artefato teria sido trazido para a Terra, após uma escala na colônia de Yuggoth, ainda que o Necronomicon seja da opinião que ele foi criado lá. Na época, os Mi-Go travavam uma guerra pela primazia do planeta contra a Raça Ancestral e os Xothianos liderados pelo Grande Cthulhu. Os Mi-Go teriam perdido o Trapezoedro para a Raça Ancestral que o reclamou não apenas como espólio, mas como uma arma legítima a ser usada no conflito. Contudo, mesmo a Raça Ancestral temia usar o poder do artefato, pois desconfiava que manipular suas energias causaria danos permanentes no tecido da própria realidade. A Raça Ancestral teria construído então um relicário metálico no qual o artefato foi depositado. Essa caixa protetiva deveria para sempre conter a peça e impedir que ela caísse nas mãos de seus inimigos. Não se sabe em que circunstâncias o Artefato foi perdido, mas é possível que o incidente tenha ligação com a decadência das cidades da Raça Ancestral ou com as sucessivas revoltas dos Shoggoth.
Seja como for, o Trapezoedro desapareceu por milênios enquanto a vida na terra progredia para formas e variações impensadas pelos geneticistas da Raça Ancestral. O artefato persistia como uma evidente forma de poder e muitas raças pré-humanas desejavam tê-lo. De fato, eles disputaram avidamente pela sua posse. Diferentes tribos do Povo-Serpente se digladiaram para tê-lo, até que uma poderosa facção se mostrou mais implacável que as demais e o reclamou para si. O Trapezoedro foi levado então para a lendária cidadela de Valusia, onde feiticeiros aprenderam com ele os segredos da Ilusão.
Contudo, um objeto tão poderoso acabou causando disputas entre as castas do Povo-Serpente. Para evitar uma guerra civil, ele foi enviado para a distante Lemúria. Após um tempo nesse reino, em poder de uma seita de adoradores do Caos Rastejante, o Trapezoedro foi roubado e ressurgiu na corte do mítico Rei Kull da Atlântida. Inimigo declarado do Povo-Serpente, o monarca usou o artefato contra seus algozes e arrancou deles parte de seus poderes hipnóticos. Em algum momento de seu reinado, Kull julgou que o Trapezoedro acabaria causando sua queda, e resoluto, o atirou no oceano antes que isso acontecesse.
Depois que os mares tragaram a Atlântida e a Terra Hiboriana substituiu o Mundo Antigo devastado por uma hecatombe, vários feiticeiros buscaram o Trapezoedro. O célebre Livro de Skelos citava o artefato e mencionava o poder nele contido. Muitos magos do Mundo Antigo buscaram por ele, inclusive o grande bruxo estígio Thoth Amon que devotou parte de sua existência a tê-lo. Mas não seria na Era Hiboriana que o item ressurgiria, mas muitos séculos depois.
Diz a lenda que um humilde pescador minoano lançava suas redes no Mediterrâneo, quando percebeu que havia apanhado algo além de peixes. Ao abrir a curiosa caixa de metal, seus olhos se tornaram os primeiros a ver o artefato após milênios. Sabendo que estava diante de algo de valor inestimável ele mudou o curso de sua embarcação e seguiu para o Egito. Na época, o Reino do Nilo era governado por um Faraó despótico que alterou as leis para incluir seus próprios deuses blasfemos. Nephrem-Ka se tornaria o Rei-Feiticeiro da Quinta Dinastia, o último a venerar Nyarlathotep como Deus acima de todos Deuses. Quando o Faraó tomou em suas mãos o Trapezoedro Brilhante, ele soube que o Caos Rastejante havia lhe abençoado com um presente inestimável.
Mas o horror ímpio de Nephrem-Ka não ficaria impune para sempre, após muitos anos, ele foi desafiado pelo povo egípcio cansado do regime apóstata e dos seus deuses atrozes. Temendo que seu reinado terminaria em sangue, o Faraó ordenou que seus mais estimados artefatos fossem encerrados num vasto Labirinto em Kish. Ele pretendia evitar que a pedra caísse nas mãos de seus opositores e tencionava recuperá-lo mais tarde. Entretanto, o Faraó não teve a chance de reaver seu tesouro e acabou assassinado durante a revolta que encerrou sua dinastia.
Séculos mais tarde, outro governante egípcio encontraria o artefato e o usaria como ferramenta para se perpetuar no poder. A infame Rainha Nitocris, devota do Faraó Negro, um avatar de Nyarlathotep, obteve o Trapezoedro das profundezas do Labirinto de Kish no sexto ano de seu reinado. Mesmo rivalizando Nephrem-Ka em malevolência, Nitocris reinaria por relativamente pouco tempo. Antes de morrer, ela ordenou que seu corpo fosse revivido pelos seus feiticeiros e que seus tesouros estivessem à sua disposição quando voltasse. Seu vasto tesouro foi movido de volta para o Labirinto de Kish que se provou um excelente esconderijo. Lá, seus itens inestimáveis e sua riqueza nababesca deveriam aguardar sua senhora de direito. Não se sabe o que transcorreu então, mas o Trapezoedro Brilhante continuou no centro do labirinto junto com outros tesouros, intocados por milênios.
Apenas em 1844, uma escavação arqueológica liderada pelo Professor Enoch Bowen encontrou um acesso que lhe conduziu ao Labirinto de Kish. Em seu interior claustrofóbico, ele emergiu com exuberantes artefatos e é claro, a magnífica joia. Após essa fantástica descoberta, Bowen decidiu encerrar abruptamente a expedição e retornar à sua terra natal, a cidade de Providence em Rhode Island. Inexplicavelmente ele fundou o Culto da Sabedoria Estrelada (Starry Wisdom Cult), uma seita de caráter místico religioso devotada ao estudo de mistérios ocultos. Bowen presidia a estranha congregação tendo o Trapezoedro como relíquia sagrada. Os curiosos rituais e os rumores à respeito do caráter peculiar do Culto fizeram com que ele fosse muito mal visto pela vizinhança.
Após a dissolução do Culto em 1877, o artefato permaneceu na Igreja até meados de 1935, quando foi descoberto pelo autor e artista Robert Harrison Blake. Após estranhos eventos conectados com distúrbios da lei e da ordem, além da morte incomum de Blake numa noite escura de tempestade, um médico local recolheu o artefato e sem olhar para ele, o lançou nas águas da Baia de Narragansett. Membros do Culto da Sabedoria Estrelada que ressurgiu posteriormente acreditam que a Seita irá se tornar uma religião preponderante quando o artefato ressurgir conforme suas crenças.
O Trapezoedro Brilhante é uma joia relativamente pequena que se assemelha a um cristal de quartzo. Ele é quase que completamente preto, mas uma análise cuidadosa revela estrias avermelhadas de um tom escarlate irradiando de seu núcleo para fora. Muitas pessoas descrevem um curioso brilho interno que provavelmente é de onde se origina seu nome. A pedra é um poliedro com várias faces lisas irregulares medindo não mais que 10 centímetros de altura. Ele é geralmente encontrado em uma caixa de metal com uma tampa de encaixe deslizante. A tal caixa, cuja natureza desafia qualquer classificação, é decorada com símbolos rúnicos gravados na tampa e hieróglifos nas laterais. Material e símbolos similares foram vistos em artefatos coletados pela Expedição Miskatonic à Antártida em 1937. Quando acondicionado na caixa, a joia fica suspensa no centro desta por uma série de suportes que se projetam do interior do recipiente formando um suporte. Nenhum método conhecido pelo homem seria capaz de danificar o artefato ou a caixa que o protege.
Aqueles que manipularam ou meramente estudam o objeto detalhadamente o descrevem como uma coisa claramente alienígena. Testemunhas afirmam que a joia causa uma sensação enervante, um tipo de angústia inexplicável que acomete as pessoas mais sensíveis. Alguns sequer suportam ficar no mesmo ambiente que ele. Olhar para a pedra por alguns segundos é o suficiente para que ela proporcione assombrosas e bizarras alucinações. Essas visões desconcertantes envolvem outras dimensões, paisagens de mundos alienígenas e golfos do tempo e espaço além da imaginação humana. As revelações proporcionadas por essas alucinações infundem na mente do indivíduo uma descarga de informações aviltante sobre a natureza dos Mythos de Cthulhu. Em outras palavras, a simples visão grava nos recônditos da mente humana revelações fulminantes de conceitos cósmicos apocalípticos. Uma vez que a mente humana não é talhada para absorver esse influxo de informações o efeito tende a ser extremamente danoso. Indivíduos manifestaram confusão, desmaios e até convulsões. Alguns efeitos podem se assemelhar a uma crise aguda de Encefalite e vítimas levadas ao óbito não são desconhecidas. Há casos de pessoas que jamais se recuperaram da exposição ao Trapezoedro, mas outros conseguem suportar a experiência absorvendo o choque de forma menos traumática considerando toda experiência como uma revelação divina.
Alguns teóricos dos Mythos de Cthulhu alegam que o artefato possui uma forte ligação com doenças, infecções ou mutações anormais. Sua mera proximidade pode acelerar a metamorfose corpórea de indivíduos com propensão a se transformarem em Abissais ou Carniçais.
O Trapezoedro Brilhante que também é conhecido em alguns círculos místicos como Joia ou Cristal do Caos está intimamente associado a Cultos e Feiticeiros devotados a Nyarlathotep. Trata-se de um dos principais artefatos relacionados ao Caos Rastejante e muitos cultistas ouvem lendas à respeito de sua existência. Cultos como a Irmandade do Faraó Negro ou o Culto da Língua Sangrenta consideram o artefato como uma relíquia sagrada e aspiram encontrá-lo como um dever divino. De fato, cultos dedicados a Nyarlathotep já empreenderam expedições e realizaram buscas ao redor do mundo na tentativa de determinar seu paradeiro. É irônico que um Culto relativamente pequeno e pouco expressivo como a Sabedoria Estrelada tenha obtido sucesso onde grandes seitas com milhares de associados falharam. É possível entretanto que o artefato "escolha" aquele que irá descobri-lo, uma crença bastante difundida entre os fiéis.
Aqueles que ficam expostos ao artefato podem experimentar, além da sensação descrita anteriormente, um pressentimento de grave ameaça, como se algo estivesse lhes observando. A definição é precisa já que a entidade conhecida como Assombro na Escuridão é capaz de perceber as pessoas que estão de posse do Trapezoedro. O Assombro é um Avatar de Nyarlathotep semelhante a um morcego gigante feito de sombras vivas e com um olho vermelho dividido em três lobos. A criatura é contatada diretamente pela joia cristalina e pode irromper de seu interior se após o contato a peça for colocada num lugar dominado pela escuridão. O Assombro é particularmente sensível a fontes luminosas e não consegue subsistir em tais ambientes, sendo repelido por luzes, contudo, na escuridão completa ele atinge o auge de seu poder constituindo uma ameaça a todos que estiverem em seu alcance.
Conhecendo a tumultuada história do Trapezoedro Brilhante até aqui, é perfeitamente plausível supor que ele está fadado a reaparecer à qualquer momento. Entre os cultistas, existe a crença inabalável de que a joia escolherá um novo portador e este gozará das bênçãos do Caos Rastejante. Quando tal escolha acontecer conforme preconizado, este indivíduo terá papel marcante nos eventos humanos. No século XVIII alguns teóricos acreditavam que Napoleão Bonaparte o teria encontrado na Campanha do Egito, o mesmo tendo ocorrido com Adolf Hitler que certos ocultistas reputavam ter localizado o artefato. Não por acaso, a lenda do Anticristo está intimamente relacionada a essa joia. O que acontecerá quando ele for descoberto uma vez mais é aberto a suposições. Alguns alegam que o indivíduo que o fizer, se tornará um receptáculo para Nyarlathotep, iniciará uma guerra devastadora ou que estará fadado a despertar os Antigos.
Seja lá o que acontecer, o objeto constitui uma ameaça suprema.
Assista o vídeo do canal Explorando Segredos e Mistérios, inspirado pelo nosso artigo do Mundo Tentacular:
Adorei a matéria seria interessante mais material como esse de itens mais obscuros dos mythos
ResponderExcluirme deixou um pouco nostálgico. lembro que em 2015 ou 2016 eu tava vendo páginas aleatorias na vs battle wiki quando encontrei uma falando sobre o trapezoedro brilhante. fiquei interessado e quis saber mais, então descobri sobre demonbane, o mythos de cthulhu e esse blog.
ResponderExcluirExiste alguma replica dele, queria muito comprar
ResponderExcluirSeu blog me ajuda muito com minhas leituras, obrigado
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