domingo, 19 de setembro de 2021

Morte sobre o Tâmisa - Os macabros incidentes na Ponte Waterloo


A Ponte Waterloo é uma das mais famosas de Londres e um conhecido cartão postal da capital britânica. Cruzando o icônico Rio Tâmisa, ela foi inaugurada em 1817 com o nome de Ponte Strand. Sua arquitetura elegante de granito, famosa pelos arcos extensos e colunas de pedra sobre concreto armado, rendam-lhe o apelido de "a ponte mais nobre do mundo". Seu nome foi alterado pouco depois para Ponte Waterloo, com o objetivo de comemorar a vitória da Grã-Bretanha na batalha homônima.

Como muitas pontes, ela foi concebida para facilitar a vida dos habitantes, sendo um dos meios principais de cruzar as margens do Tâmisa e chegar ao outro lado da cidade. Até então, era preciso pagar a barqueiros ou então contornar uma grande distância que permitisse chegar ao outro extremo. 

A história da Ponte Waterloo, no entanto, é bastante estranha e cheia de momentos conturbados.

Nos primeiros anos após a sua conclusão, o governo local, visando quitar os altos custos de sua construção passou a cobrar um pedágio sobre mercadorias conduzidas sobre a porte. O resultado foi um desastre financeiro, pois os londrinos se recusavam a pagar por tal comodidade. A coisa chegou a tal ponto que em 1820, uma multidão tentou bloquear seu acesso, o que causou um grande distúrbio. A força policial foi chamada para interceder e agiu de modo enérgico, deixando vários feridos e pelo menos três mortos esmagados pelas patas de cavalos. Após a tragédia, o pedágio foi removido e a ponte aberta ao trânsito de todos.


Antes mesmo da ponte ser erguida, na margem leste do Tamisa havia um lugar sinistro chamado Execution Docks (Docas da Execução) onde bandidos, amotinados e principalmente piratas eram enforcados. O famoso pirata Capitão Kid foi executado nesse local em 1700, num patíbulo que ficava voltado para o Rio. Ainda é possível ver o piso de pedra onde se erguia a trave na qual os condenados eram pendurados para alegria da população que assistia os procedimentos. Depois de comprovada a morte, muitas vezes os corpos eram deixados ali por alguns dias para servir de alerta para outros criminosos. Apodreciam na ponta de uma corda grossa, balançando ao sabor do vento. Muitos acreditam que a energia negativa represada nesse lugar é tão forte que causa ondas de mal estar nos transeuntes. De fato, até hoje, esse é um lugar considerado assombrado em Londres.

Após a construção da ponte, ela ganhou uma triste notoriedade como um dos lugares favoritos na cidade para se cometer suicídio. A ponte era alta e fornecia o ponto ideal para os desesperados darem cabo de sua própria existência. O poeta Thomas Hood a chamou de "Ponte dos Suspiros" de onde um passo levava ao esquecimento. O pintor Impressionista Claude Monet retratou o lugar em várias telas conjurando um ar de decadência desesperada a elas. O primeiro registro de suicídio na ponte data do ano de sua inauguração: a vítima teria sido uma jovem moça que descobriu estar grávida e saltou nas águas turvas.

Infelizmente, ela foi apenas a primeira de muitos. 

Em 1840, os suicídios na ponte Waterloo eram tão frequentes que a prefeitura mandou instalar uma placa de ferro lembrando aos suicidas que aquele era um pecado mortal e que eles estariam condenando a si mesmos a uma eternidade de danação. Não adiantou muito, e o passo seguinte foi colocar uma cabine de guarda no ponto que ficou conhecido como "Trampolim dos Desesperados" de onde a maioria das pessoas pulava. O ponto era perfeito para o objetivo dos suicidas: eles podiam saltar dali e cair no rio que tinha um dos seus pontos mais profundos. Por garantia, alguns saltavam com pedras nos bolsos, âncoras amarradas nos pés ou algo pesado que os ajudasse a afundar. No inverno congelante, tal medida não era necessária, a água gelada amortecia os músculos e era questão de tempo afundar para o esquecimento. Isso quando o salto não era mal executado e a vítima acabava batendo de cabeça nos pilares de concreto ou em algum banco de areia.

Não faltam rumores à respeito dos fantasmas de suicidas que assombravam a Ponte e seus arredores. Muitas pessoas afirmavam ver ao longo das décadas figuras espectrais chorosas apreciando a paisagem, algumas delas molhadas e inchadas após afundarem no rio. Há casos emblemáticos de pessoas que supostamente tentaram socorrer essas figuras, acreditando que eram suicidas em potencial e que acabaram despencando para a morte certa. 


Contudo, nem todas as mortes na Ponte Waterloo foram causadas por vontade própria. Em 1841, o artista circense americano, Samuel Gilbert Scott realizou uma apresentação pública que reuniu milhares de pessoas nas duas margens do Tâmisa. O plano era realizar um salto ornamental do alto da ponte e nadar para a margem oposta. Scott vinha aperfeiçoando esse número e já havia realizado a façanha em outras pontes. Um andaime foi instalado para seu salto, mas uma fatalidade fez com que ele ficasse preso em um cabo que sustentava a plataforma. O artista ficou preso e acabou pendurado pelo pescoço sendo enforcado diante de uma multidão. Demorou alguns instantes para que as pessoas percebessem que aquilo não fazia parte do ato e que o homem estava morrendo. Quando o público percebeu o que se passava, houve grande comoção, correria e alguns se machucaram.

Em 1920, engenheiros constataram que as fundações da ponte haviam sido instaladas em uma base instável de areia e cascalho que não era segura. Com o tempo a ponte poderia sofrer danos irreparáveis e até desabar. Em 1930 a prefeitura decidiu derrubar a ponte e construir uma nova em seu lugar, aproveitando em grande parte o material. As obras foram interrompidas durante a Segunda Guerra quando as pontes sobre o Tâmisa se tornaram alvo para os bombardeios alemães durante a Blitz. Após sofrer danos consideráveis, a ponte foi condenada e obras se iniciaram para acelerar sua substituição. Uma nova ponte, maior e mais larga, foi parcialmente inaugurada em 1942, e totalmente aberta em 1945. A nova ponte tinha um peitoril mais alto para conter os suicidas o que reduziu em parte o número de pessoal saltando dela.

Um dos mistérios mais emblemáticos à respeito da Ponte Waterloo aconteceu em sua primeira encarnação em meados de outubro de 1857. O incidente permanece até os dias atuais como um dos grandes mistérios da história de Londres. 

Nas primeiras horas da manhã daquele dia frio, alguns rapazes estavam remando ao longo do Tâmisa quando perceberam um estranho volume pendurado por uma corda num dos pilares da ponte. Eles imaginaram que era um tapete abandonado. Curiosos, desembarcaram e correram para a ponte afim de içar o estranho volume e ver o que era. Ao trazer para a ponte, constataram que se tratava de um enorme saco de aniagem. Quando abriram o embrulho provavelmente desejaram que não o tivessem feito, porque o saco estava cheio de restos humanos, partes de corpos e peças de roupa ensanguentadas. 

A polícia logo foi chamada e uma análise dos restos, transferidos imediatamente para a chefatura de polícia, constatou que eram nada menos que 23 partes separadas de cadáveres humanos cuidadosamente embalados em pedaços de carpete. Os tecidos grossos estavam incrustados de sangue e exalavam um fedor nauseante. Mas se isso não fosse suficientemente bizarro, haviam detalhes ainda mais sinistros.


Uma análise completa dos misteriosos restos humanos mostrou que pertenciam a 2 ou 3 homens. Era difícil estabelecer a identidade ou compreender o que havia acontecido no final das contas: faltavam a cabeça, as mãos e os pés das vítimas. Os ossos foram cuidadosamente serrados para removê-los do todo num esforço para reduzir o tamanho do fardo. Também parecia que "a carne tinha sido rudemente cortada em certas partes, em especial as mais tenras" e depois fervida e curada com sal em algum momento após a morte. Os crimes haviam sido decorrentes de violência, já que os legistas identificaram ferimentos causados por diferentes armas perfurantes nas vítimas evidenciando que os crimes haviam ocorrido separadamente.

Uma reportagem da época, publicada num jornal londrino, descreveu o caso da seguinte maneira: 

"As partes encontradas consistiam de pernas, braços, coluna vertebral, articulações das nádegas e as articulações dos ombros. As cabeças, com várias das vértebras, as mãos e os pés, estavam ausentes. Com relação à condição dos restos mortais, verificou-se que a maior parte da carne havia sido removida de maneira muito grosseira, possivelmente com uma serra ou machadinha. Havia, no entanto, algumas porções dos músculos remanescentes nos membros, impregnadas com uma substância salina de natureza cristalina, como se o corpo tivesse sido colocado em salmoura ou curado com sal grosso. É a opinião do cirurgião da polícia que tal procedimento foi adotado a fim de evitar qualquer cheiro que pudesse surgir da decomposição antes que os arranjos diabólicos fossem concluídos para a eliminação do corpo.

Foram contabilizados ao todo cerca de vinte pedaços de 3 ou 4 indivíduos, todos do sexo masculino. Os maiores ossos das pernas e braços foram rudemente serrados em pedaços, divididos perto das juntas dos joelhos e da coxa. Um dos torsos havia sido rasgado em parte da musculatura da carne para exposição da coluna vertebral e remoção de algumas partes. Supõe-se que os assassinatos foram perpetrados a não mais que alguns dias; mas sobre este ponto prevalece a incerteza, em consequência das outras porções da carne presentes nos ossos. O legista é da opinião que os falecidos eram homens de 20 a 30 anos de idade".

As roupas das vítimas também aparentavam algumas esquisitices marcantes que deixaram a polícia sem palavras. Não havia etiquetas ou características de identificação em nenhum dos artigos, e a única coisa que podia ser determinada era que as meias eram procedentes da Alemanha. Os restos de um sobretudo pertenciam por sua vez a uma variedade muito cara que só podia ser adquirida por uma pessoa com recursos. Também era curioso que os bolsos das roupas haviam sido virados do avesso e alguém deliberadamente abriu as costas dos casacos e camisas. Considerando que não havia cabeça e os recursos forenses limitados na época, foi impossível identificar quem eram as vítimas.


A polícia investigou o caso, dando a ele grande destaque uma vez que a mídia fez um grande escarcéu com a descoberta macabra exigindo providências. Um ex-policial que estava na Ponte Waterloo na noite anterior à descoberta lembrou ter ajudado uma senhora idosa a erguer um pesado fardo de lona sobre a catraca na ponte. Ele disse que a mulher estava acompanhada de um rapaz mais jovem que também carregava um saco, possivelmente contendo a corda usada para amarrar o grande saco. A testemunha não prestou muita atenção no homem, e não reparou em nenhum detalhe além de que ele parecia moreno e estrangeiro.

A polícia especulou que a dupla havia tentado baixar a bolsa pela lateral da ponte com a corda e jogá-la no Tâmisa, mas que o fardo ficou preso no pilar. Os artistas da polícia fizeram um desenho da mulher e de seu acompanhante, mas ninguém se apresentou para reconhecê-los. 

O fato dos corpos trazerem evidência de terem sido desmembrados e posteriormente salgados lançou uma grave suspeita sobre açougueiros e negociantes de carne que trabalhavam na margem leste do rio. Lá haviam vários abatedouros onde o crime poderia ter acontecido, com o cheiro e sangue sendo facilmente absorvido pelo ambiente insalubre. Um dos boatos mais medonhos à respeito do crime dava conta de que Londres no período em questão passava por uma crise de desabastecimento. Alguns fizeram uma correlação entre a escassez de carne nos mercados locais da cidade e a horrível descoberta. Apesar da realização de diligências na área dos açougues, a polícia não encontrou nada conclusivo nessa linha de investigação. esperava-se encontrar as cabeças, mãos e pés e até se promoveu escavações nos aterros que recebiam os ossos e restos de animais provenientes de abatedouros, mas nada foi achado. 

Diante de tudo isso permaneciam as questões: quem eram as vítimas, porque foram cortada em pedaços e mais importante de tudo, quem os matou? Ninguém sabia, e até hoje não sabemos. 

As roupas encontradas no saco foram lavadas e expostas na esperança de que alguém soubesse a quem pertenciam, mas isso não levou a lugar nenhum. A polícia teve uma pista interessante de uma senhoria que reconheceu um casaco como sendo similar ao de um homem que havia pedido um quarto pouco antes da descoberta macabra. O homem que não deu nome, estava na companhia de uma mulher cuja descrição combinava com a da mulher idosa vista pela testemunha na ponte. Infelizmente, essa pista também também se mostrou um beco sem saída. 


No final das contas, a polícia foi forçada a concluir que havia um assassino solto na área, mas ninguém jamais foi preso ou interrogado em relação aos assassinatos, e os corpos nunca foram identificados.

Não muito depois da horrível descoberta feita na Ponte Waterloo, começaram a circular rumores de que havia um horrível fantasma à espreita nos alicerces da ponte, descrito como uma forma horrível formada por restos humanos mal ajambrados. Mendigos e vagabundos que faziam dos pilares da ponte seu lar falavam dessa suposta assombração como o "Boneco de Carne da Ponte Waterloo", um horror montado com restos costurados. 

A lenda serviu apenas para aprofundar os mistérios de um lugar já estranho e cuja história parece manchada por uma quantidade considerável de sangue e horror. As milhares de pessoas que passam atarefadas e apressadas pela Ponte Waterloo, em pleno coração pulsante da Inglaterra, provavelmente desconhecem os estranhos incidentes ocorridos nela. 

E talvez seja melhor que continuem sem saber...  

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