E já que falamos do Rio Tâmisa, que tal uma lenda sobre esse famoso rio que corta Londres e se estende pelo sul da Inglaterra.
Localizada no Estuário de Essex, e perto da foz do Rio Tâmisa, encontra-se um pedaço de terra medindo cerca de 18 quilômetros quadrados chamado Ilha de Canvey. Em sua época de ouro, de 1911 a 1950, o lugar hospedou um requintado resort à beira mar, que oferecia hospedagem, tratamento com lama medicinal e massagens revigorantes a sua seleta clientela. Canvey possuía belas praias de areia dourada e paisagens aprazíveis que atraiam visitantes. O desastre que acarretou na desativação e abandono do local ocorreu em 1953, e veio na forma de uma forte tempestade e consequente enchente. A chuva causou o rompimento de barreiras de contenção e obrigaram a população residente a ser retirada às pressas. Na operação de evacuação, lamentavelmente ocorreram mortes, já que uma das barcas virou e pessoas foram jogadas no mar bravio. A destruição foi tamanha que a população foi reduzida a quase metade.
Antes disso, Canvey já tinha uma história bastante longa, tendo sido habitada desde os tempos da invasão romana da Grã-Bretanha. Os romanos construíram lá um pequeno forte e uma doca para conserto de embarcações que se lançavam Tâmisa acima. No século XVI, o lugar foi usado como colônia de leprosos, mantida por instituições religiosas que cuidavam dos afligidos por esse flagelo. A pequena ilha fluvial sempre teve um rico folclore, com várias lendas locais, quase sempre remetendo a fantasmas e assombrações avistadas nas águas turvas do Tâmisa. Uma de suas histórias mais famosas envolve a descoberta de carcaças bizarras de criaturas marinhas até hoje não identificadas. Estas vieram parar na costa da ilha e os moradores assustados com o que encontraram passaram a chamar as coisas de "Monstros da Ilha Canvey".
A primeira descoberta se deu em novembro de 1953 e foi feita numa praia no leste da ilha, alguns meses depois da fatídica tempestade que obrigou a evacuação. A carcaça havia sido arrastada para a faixa litorânea, e lançada pelas ondas a cerca de dez metros da arrebentação onde ficou presa a rochas. Dois moradores foram os responsáveis pela mórbida descoberta, eles estavam andando pela praia quando avistaram a coisa que à princípio julgaram ser um volume de algas. Ao se aproximar, constataram que era muito mais estranho que imaginavam, de fato, era diferente de tudo que alguém já tinha visto antes.
A praia onde os monstros foram encontrados |
"Eu estava lá. Era um jovem de nove anos na época. Notei um grupo de colegas em uma multidão na praia. As crianças estavam cutucando com pedaços de pau. Eu realmente toquei nele! No início pensei que fosse uma pessoa, pois só conseguia ver parte dela através da multidão. Sua carne NÃO era de escamas de peixe. Tinha cor castanha que não parecia com carne humana, era estranha com uma textura de casca de laranja. Lembro-me de gritar para as outras crianças: "É uma sereia". Devo dizer que mesmo aos 66 anos, minha memória de longa data é excelente, principalmente do dia em que vi minha primeira sereia."
Infelizmente, a carcaça foi submetida apenas a um exame superficial, antes de ser considerada inofensiva e cremada sem qualquer identificação conclusiva pelos zoólogos que foram chamados para examiná-la. Na época, tal coisa era relativamente comum, já que dado o estado de deterioração e o fedor aviltante, não seria possível preservar a coisa.
A história tinha tudo para ser apenas isso, uma mera curiosidade, mas haveriam outros desenvolvimentos que tornariam a lenda bem mais estranha e duradoura. No começo de 1954, outras criaturas seriam encontradas na mesma faixa de areia e adjacências. A primeira pelo reverendo Joseph Overs enquanto caminhava pela praia com seus filhos. A criatura estava boiando em uma piscina natural, mas já havia sido parcialmente devorada por pássaros. Overs diria mais tarde que era "uma espécie de peixe diferente de tudo que ele havia visto, com olhos fixos e uma boca dilatada. Tinha dois pés perfeitos, cada um com cinco dedos rosados e barbatanas dorsais".
Ele chamou outras pessoas para ver a coisa e segundo todos os relatos, era muito semelhante à primeira criatura misteriosa encontrada no ano anterior, só que esta era consideravelmente maior, medindo quase 2,5 metros de comprimento. Quando foi examinado, descobriu-se que tinha pele rosada rígida como a de um porco, bem como pés com garras claras "dispostos em forma de 'U' com um arco central côncavo." Por mais estranho que isso fosse, mais uma vez a descoberta foi descartada e a carcaça eliminada. Os moradores lembram que uma tentativa de remover a coisa usando uma lona falhou miseravelmente e o corpo da criatura perdeu integridade vindo a se desmanchar quase que por inteiro. O cheiro era tão nauseante que as pessoas desistiram de tentar carregá-la. Uma fotografia foi tirada na ocasião, constituindo o único registro do monstro.
A fotografia do Monstro da Ilha, ou ao menos a que foi publicada em 1954 |
"Eu estava andando pela praia com meu cão, Pickles quando de repente ele parou e começou a latir insistentemente. Deviam ser umas seis horas da tarde, mas o sol ainda estava alto e eu consegui definir algo na arrebentação das ondas. Era uma forma que rolava na marola e era arrastada até a areia. Eu observei por alguns instantes tentando definir do que se tratava, pois à primeira vista parecia um corpo. De repente, duas outras coisas semelhantes saíram do mar e caminharam lentamente na direção daquela que parecia estar morta. Eles andavam de maneira vacilante, arqueados, como se não tivessem familiaridade com deslocamento fora de seu ambiente natural. Eles caminharam até a coisa e tentaram arrastá-la de volta para o mar, mas não conseguiram. Eu tentei conter Picles, mas ele latia sem parar e as coisas ouvindo a algazarra levantaram as cabeças e olharam na minha direção. Elas então começaram a voltar para o mar deixando seu companheiro morto para trás."
Rob voltou para o vilarejo e pediu ajuda a dois pescadores que retornaram com ele até a praia. Os dois confirmaram ter visto uma carcaça idêntica às duas anteriores, mas menor, com talvez 180 centímetros de comprimento. Eles tentaram puxar ela da água, mas as ondas fortes acabaram reclamando os restos e o levaram de volta para o mar onde ela desapareceu. O relato logo se espalhou pela Ilha e as pessoas estavam realmente assustadas, temendo agora a existência não apenas de criaturas bizarras trazidas pela maré, mas de outras que estariam bem vivas.
O caso ganhou popularidade e foi citado em rádios e jornais da época. Ele também é citado no livro
Stranger Than Science, do pesquisador paranormal e personalidade do rádio Frank Edwards. No livro, Edwards juntava algumas notícias escassas da época e enfatizava os relatos das testemunhas. Mais impressionante, ele havia supostamente descoberto outros relatos bem mais antigos, remontando aos séculos XVIII e XIX, mencionando estranhos monstros marinhos no litoral da Ilha de Canvey.
Em tempos modernos, acredita-se que as carcaças eram grandes espécimes de animais conhecidos como peixe-monge (monkfish), que inegavelmente guarda semelhança com as coisas encontradas nas praias de Canvey. O peixe-monge é um animal de profundidade típico do Mar do Norte, mas relativamente incomum no Estuário do Tâmisa. Contudo espécimes tão grandes quanto os descritos pelas pessoas que viram as carcaças, são desconhecidos.
Considerando que temos muito poucas evidências fotográficas e nenhuma carcaça foi apresentada, o debate continua até hoje. As única foto supostamente tiradas do Monstros da Ilha Canvey não foi verificada, e outra popular foto da criatura feita em 1955 parece mostrar um tamboril e não um dos monstros que vieram dar na ilha.
O site Anomaly Info disse sobre o enigma de Canvey:
"A ideia de que a carcaça pertencia a um peixe-monge era geralmente aceita com poucas evidências para sustentá-la. A foto publicada junto com o artigo de jornal em 1954 trazia a manchete 'Peixe com pés encontrado no Tâmisa' e a imagem fotográfica creditada ao Reverendo Overs. Contudo, o historiador local Geoff Barsby refuta a imagem. Barsby escreveu vários livros sobre a história da Ilha de Canvey e também foi entrevistado na televisão sobre o assunto. Ele diz que a fotografia publicada no jornal não condiz com o animal que foi achado na praia em 1954. Segundo ele, a maioria das testemunhas que viram o alegado monstro na época, disseram que a fotografia enviada pelo Reverendo era diferente daquela que foi publicada, sobretudo no que dizia respeito ao tamanho da criatura. Barsby acredita que um dos editores trocou a imagem e usou uma foto mostrando um monk-fish para ilustrar o artigo. Possivelmente a qualidade da fotografia de Overs não era boa o suficiente e ele preferiu usar outra imagem disponível."
Pesquisadores sugerem que a criatura misteriosa poderia ser outro criptídeo famoso supostamente encontrado no século XVI e que gerou grande repercussão. A criatura em questão ganhou o apelido de Peixe-Bispo por sua semelhança desconcertante com um homem trajando a indumentária dos bispos medievais. Um exemplar de Peixe-Bispo teria sido capturado em 1433 no Mar Báltico e oferecido como presente ao Rei da Polônia que desejava mantê-lo como curiosidade em sua corte. Diz a lenda que um Bispo que foi chamado para ver a criatura chamou a atenção para o fato dela em determinado momento imitar seu gesto de fazer o sinal da cruz. Com efeito, ele pediu que o Rei libertasse o ser, acreditando que ele poderia ser um animal sagrado. Supostamente, um segundo exemplar teria sido capturado em 1531 na Costa da Alemanha, mas este morreu depois de ser levado para terra. A criatura foi descrita em detalhes pelo biólogo Conrad Gesner em seu tratado zoológico Historia Animalium.
Um retrato falado da criatura vista na Ilha |
A foto em questão certamente não parece mostrar o que foi descrito nos relatórios, e também é difícil ver um peixe-monge ou tamboril sendo descrito como tendo fortes patas traseiras para andar com dedos claramente delineados. Ademais, os biólogos marinhos que foram chamados para examinar os restos disseram que não se tratava de nada que eles já tivessem visto anteriormente. É perfeitamente plausível inferir que eles reconheceriam os restos de um peixe-monge se estivessem diante de tal coisa.
Com tudo isso, o que podemos tirar dessa misteriosa história?
O que seriam os estranhos restos trazidos para o litoral da Ilha de Canvey? Seriam eles uma espécie de criatura marinha desconhecida? Haveriam outras dela habitando as profundezas? Ou tudo não passou de uma simples confusão quanto ao reconhecimento de um peixe? O que dizer então do relato de Rob Wallis que jura ter visto dois deles andando na praia e tentando recolher um terceiro?
Com tantas perguntas sem resposta, seria de se esperar que outros relatos a respeito de Monstros Marinhos surgissem na Ilha, mas curiosamente mais nada apareceu, exceto um rumor na década de 1970 que se provou mera invenção de crianças. O Monstro da Ilha de Canvey continua sendo um mistério que provavelmente não conhecerá solução, a não ser que alguma outra carcaça seja lançada na praia e dessa vez especialistas tenham acesso a ela.
Deep Ones?
ResponderExcluirÓtimo texto
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