domingo, 10 de outubro de 2021

Plano de Vingança - O Esquadrão judeu que exterminava nazistas


Seres humanos, como espécie, têm um senso profundamente arraigado que dita: quando injustiçados, queremos retribuir na mesma moeda. Existe um desejo instintivo de buscar algum equilíbrio e justiça nas coisas, uma fé talvez equivocada na ideia de que, se eu te deixar em paz, você me deixa em paz, e se me prejudicar, você também será prejudicado. Parece ser uma parte indelével de nosso ser, e é por isso que a vingança se tornou algo tão debatido em nossa sociedade.
Vingança, doce vingança. Servida quente ou servida fria. Tanto faz!  

Embora seja natural querer revidar daqueles que nos fizeram mal, um grande dilema moral é estabelecer até que ponto isso é certo. Há um momento em que a vingança cruza um limite invisível entre o certo e o errado na direção da parte mais escura da alma humana? Um caso que certamente estimula essa discussão ocorreu na esteira de uma das maiores manchas da história da humanidade, quando um grupo de determinados indivíduos buscou revidar violência com igual violência, levando o ditado "olho por olho, dente por dente" a um novo patamar.

Além de todos os combates sangrentos, a Segunda Guerra Mundial promoveu talvez a maior atrocidade isolada na história da humanidade. O Holocausto decretado contra o povo judeu pela Alemanha Nazista foi uma orgia horrível de morte e injustiça, com cerca de 6 milhões de judeus mortos impiedosamente em campos de concentração e incontáveis ​​outros separados de seus entes queridos com suas vidas destruídas. Após o Holocausto, os sobreviventes se encontraram perdidos e em frangalhos, à deriva em uma névoa escarlate, incapazes de se ajustar à vida normal após o pesadelo que viveram. Foram deixados em tal estado de turbulência, com suas vidas tão esvaziadas e viradas do avesso que a morte era quase preferível. A única palavra que servia para aplacar sua dor era: "vingança".

As pessoas estavam com raiva, fervendo de ódio contra os nazistas e gritando por sangue, mas para a maioria essas eram apenas fantasias mórbidas que não poderiam realizar. Ao invés disso, trataram de reconstruir suas vidas e encontrar alguma normalidade, deixando aqueles sombrios impulsos guardados bem no fundo. No entanto, para um grupo de sobreviventes do Holocausto, vingança era mais do que apenas fantasia, e eles pretendiam fazer algo à respeito.

Eles teriam a vingança, custe o que custar. 

O Holocausto matou 6 milhões de judeus

Após o Holocausto, uma das coisas mais frustrantes para os judeus era quão pouco estava sendo feito para levar seus algozes à justiça. Apesar de todo o assassinato e destruição que haviam sido infligidos aos judeus, poucos nazistas estavam respondendo pelos seus crimes, e ainda menos estavam sendo presos e executados. Era um tapa na cara que aqueles crimes pudessem ser varridos para debaixo do tapete da história com apenas uma pequena fração dos vilões responsabilizados. De uma lista original com milhares de procurados, que incluía líderes nazistas, pessoal de campos de concentração e outros envolvidos no genocídio, apenas 300 enfrentaram acusações formais e tiveram alguma punição severa. À despeito do famoso Julgamento de Nuremberg que condenou os comandantes da máquina nazista, os oficiais de menor patente, soldados e burocratas que cometeram ou permitiram atrocidades haviam escapado impunemente.

Esta situação gerou indignação e resultou em tentativas de subverter o processo normal de justiça. Por exemplo, o Mossad - Serviço Secreto de Israel, realizou operações secretas para eliminar e capturar alvos considerados legítimos. Adolf Eichman, um dos idealizadores do processo de extermínio judeu, foi capturado na Argentina e levado para julgamento em Israel em 1960.  Mas antes disso, alguns vigilantes espalhados pelo mundo também quiseram agir, formando grupos com o objetivo de matar nazistas. Em 1945, um desses grupos, que se autodenominava "Nakam" (Vingadores) levou à cabo planos ambiciosos de vingança.

A operação foi ideia de um poeta, escritor, ativista e líder partidário judeu chamado Abba Kovner, que havia participado da revolta judaica no Gueto de Vilna e ficou obcecado por vingança após uma visita aos locais de vários campos de concentração. Ele também conversou com sobreviventes do Holocausto e ouviu os horrores que eles tinham a relatar. Kovner sentiu que as vias normais de justiça não eram suficientes, que a situação do povo judeu havia sido esquecida. Seu plano de vingança era simples. Ele iria matar nazistas, tantos quanto possível. Kovner recrutou um grupo heterogêneo de cerca de 50 sobreviventes do Holocausto, a maioria homens na casa dos 20 anos e com a mesma sede de vingança gravada em suas mentes. 

Eles acreditavam que a única maneira de prevenir os horrores de um novo Holocausto, era cobrar um número horrível de mortes sobre os alemães, como foi feito com eles. Para isso, 6 milhões de alemães deveriam morrer. Kovner chamou o plano de "uma nação por uma nação". Ele acreditava que apenas um ato de retribuição da mesma magnitude do Holocausto levaria o mundo a sanar o que ele chamava de "falência moral". Ele defendia que "o ato deve ser chocante. Os alemães devem saber que depois de Auschwitz não pode haver retorno à normalidade em suas vidas."

Abba Kovner discursando à respeito de seus planos

O Nakam começou de forma discreta. Eles identificavam ex-oficiais da SS e funcionários que trabalharam para os nazistas. Estes eram marcados para morrer e seriam executados pelos membros do Nakam em ações coordenadas. Os ataques deveriam envolver qualquer meio à disposição dos membros, desde  atropelamento, enforcamento, tiros, facadas, explosões, envenenamento e o que mais fosse possível. Muitas dessas mortes seriam encenadas para parecer suicídios. 

Os Vingadores usavam documentos falsos, identidades forjadas e disfarces de policiais ou pessoal médico para ajudá-los em suas infiltrações, e não hesitavam em viajar para outros países para cumprir suas sentenças de morte extrajudiciais. Eles estiveram na Espanha, América Latina e Canadá, onde encontraram nazistas procurados. Mas tudo isso era muito lento, desorganizado e não estava causando o impacto que Kovner esperava. Eles haviam matado talvez algumas dezenas de nazistas dessa maneira, o que não estava afetando seu alvo de 6 milhões de alemães mortos. Eles precisavam de uma perda de vidas horrível e decisiva de uma só vez. Foi assim que nasceu o "Plano A".

A ideia por trás do Plano da Nakam era em essência bastante simples, basicamente envolvia envenenar o abastecimento de água de uma grande cidade alemã para matar o maior número possível de pessoas. Eles selecionaram quatro alvos potenciais para seus planos sombrios: Hamburgo, Nuremberg, Frankfurt e Munique, eventualmente estabelecendo que o alvo prioritário seria Nuremberg. Com o local decidido, eles procuraram o veneno de que precisariam e se infiltraram no serviço de abastecimento de água municipal da cidade. 

Um homem chamado Joseph Harmatzwas, usando uma identidade falsa, se infiltrou numa posição que lhe permitiria agir e o próprio Kovner viajou para a Palestina, para obter o veneno. Embora Harmatzwas tenha conseguido usar subornos para se instalar na companhia municipal de água e conseguir acesso ao sistema de abastecimento, Kovner não conseguia o veneno na quantidade necessária. Quando finalmente obteve a substância, ele foi detido pelo Mossad para interrogatório. O veneno seria contrabandeado para a Alemanha em tubos de pasta de dente, no entanto, durante a viagem, ele foi descoberto por oficiais britânicos que suspeitavam de documentos falsos. Em pânico Kovner jogou todo o carregamento de veneno no mar. Ele foi forçado a retornar sem qualquer veneno, o que provavelmente foi melhor, pois dentro da própria organização, as pessoas estavam tendo dúvidas se o massacre de centenas de milhares de civis inocentes, incluindo mulheres e crianças, era a forma correta de obter vingança.

Brigada de Judeus que participou do levante dos guetos

A organização, no entanto, não via qualquer problema moral em matar aqueles que estiveram diretamente envolvidos com o Holocausto, o que deu origem ao Plano B.

O Plano B tinha um escopo um pouco mais modesto, e visava envenenar o pão de cerca de 50.000 oficiais da SS que estavam sendo mantidos em campos de prisioneiros de guerra em Nuremberg e Munique. O Nakan procurou arsênico localmente e depois se infiltraram nas padarias da região que abasteciam os campos de prisioneiros, envenenando cerca de 3 mil pães enviados para o campo de internamento de Langwasser. No entanto, enquanto cerca de 2 mil  prisioneiros de guerra alemães tenham ficado terrivelmente doentes, poucos ou nenhum deles, realmente morreu, o que é curioso porque mais tarde uma investigação estimaria que havia uma enorme quantidade de arsênico na padaria. É possível que o arsênico tenha sido muito pouco, enquanto outra hipótese é que os prisioneiros de alguma forma perceberam que havia algo errado no gosto do pão e por isso não comeram o suficiente. É um mistério, mas o fracasso foi fundamental para garantir que tramas semelhantes não ocorressem em outros campos de prisioneiros, o que decretou o fim do Plano B.

Ironicamente, os planos da Nakan, eram financiados com a compra de notas falsificadas de 5 libras feitas por prisioneiros judeus em campos de concentração e vendidas no mercado negro italiano. A maioria dos membros restantes da organização começaram a desistir de planos em larga escala, concentrando-se em alvos individuais. Assim eles teriam matado cerca de 2 mil "nazistas aposentados" entre os anos de 1945 e 1957. Em uma operação especialmente impressionante, um ex-oficial foi assassinado num hospital com uma injeção contendo querosene. Em outra, um médico que trabalhou em Auschwitz teve seu carro explodido. 

Os membros do Nakan aos poucos foram debandando, a maioria  decidiu se estabelecer em Israel, alguns deles ainda amargurados por seus atos de vingança não terem sido bem-sucedidos. Com o passar dos anos, eles envelheceram e morreram. Em 2019 havia apenas 4 membros remanescentes, comprometidos com o que haviam feito, impenitentes e insistindo que o que fizeram foi "um ato de grande importância".
Soldados israelenses ao lado do Comandante Kovner

Nenhum deles jamais foi acusado de qualquer crime e de fato, a Lei de Israel não prevê punição para cidadãos do país que eliminam indivíduos envolvidos diretamente no Holocausto. Quanto a Kovner, ele se tornou muito ativo no Governo de Israel após este declarar sua independência em 1947. Ele se tornou Capitão da Brigada Givati ​​e participou da Guerra Árabe-Israelense em 1948. Controverso até mesmo dentro de sua própria nação, ele era tido por muitos como um extremista que chamava os inimigos de "cães" e "víboras" o que gerou polêmica em sua nova pátria. Nos últimos anos de sua vida, ele continuou se manifestando, embora nunca tenha assumido um papel político. Ele morreu em 1987 de câncer, deixando para trás um grande legado.

A história do Nakam foi publicada inúmeras vezes em livros e foi foco de um documentário chamado Holocaust: The Revenge Plot. Suas ações nos deixam muito o que ponderar. Embora certamente muitas pessoas estejam dispostas a compreender a posição dos vingadores, outros acham que seus planos eram extremistas e perigosos. Até onde se está disposto a ir em nome da vingança? Tal coisa não acabaria descambando para um ciclo interminável de violência insana?

A validade da vingança é uma questão antiga que provavelmente continuará nos desafiando até o fim dos tempos. Se nos ferem, não temos o direito de ferir nossos algozes? A incrível narrativa do Nakan, os Vingadores do Holocausto, se mantém até hoje, preservada como uma excentricidade histórica que levanta muita discussão.

2 comentários:

  1. Seria extremista se tivessem levado a cabo o lance de envenenar um monte de gente que não fez nada. Agora, matando só os nazistas comprovados... Acho justo.

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  2. Imagina essa turma indo atrás de de um nazista mas o cara é um cultista? Fazer uma campanha no pós-guerra ia ser algo legal.

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