A morte é uma das únicas certezas que temos ao longo da nossa vida, e a única dúvida é como e quando vamos partir. Essa é uma preocupação real de muitas pessoas que de fato, perdem o sono temendo uma morte lenta e dolorosa, quem sabe provocada por uma doença, acidente ou condições debilitantes. Mas ao menos, nos dias atuais, não precisamos nos preocupar com certos tipos de morte que afligiam as pessoas no passado em períodos muito menos tolerantes marcados por extrema crueldade.
Conforme relatado no Journal of Archaeological Science, recentemente, um grupo de arqueólogos encontrou os restos mortais de um homem que teve uma das mortes mais pavorosas da história. Os ossos, achados nas proximidades de uma catedral, foram examinados por pesquisadores da Universidade de Milão, na Itália. O esqueleto mostrava sinais inequívocos de tortura e de uma prática de execução apavorante.
Segundo os responsáveis pela descoberta, o rapaz deveria ter algo entre 17 e 20 anos de idade no momento em que foi assassinado, provavelmente no século XIII. O relatório publicado recentemente conta que em um primeiro momento foram percebidos sinais de ferimentos simétricos ao longo das pernas e braços da vítima, o que logo levou os pesquisadores a concluir que ele havia sofrido algum tipo de violência intencional. Mas as peculiaridades das lesões, bem com a gravidade delas, fizeram com que os autores do estudo sugerissem que o rapaz, na verdade, havia sido executado com um método lendário comumente conhecido como "Roda" ou ainda "Roda do Despedaçamento".
Para aqueles que não estão familiarizados com tal coisa, talvez seja o momento de dar um passo atrás e parar de ler aqui. Os detalhes sobre a Roda não são nada agradáveis e os elementos que constituem essa prática abominável constituem combustível para pesadelos.
Ainda conosco? Curioso para saber mais? Então vamos lá...
Não há como dizer de maneira simples. A Roda era algo terrível, uma das coisas mais medonhas concebidas pelo homem e supostamente praticada como punição em várias partes do mundo antigo até meados da Idade Média. Contudo, tudo indica que a prática ainda era prevista no Código de Leis Penais da Bavária até 1831, o que não apenas é bizarro, como incrivelmente chocante.
Embora a execução na roda seja mencionada em vários documentos, é bastante raro encontrar restos de vítimas que passaram por esse suplício. Por muito tempo, os historiadores chegaram a se dividir à respeito da real utilização do método, acreditando que ele poderia ser apenas uma forma de execução sugerida, mas cuja aplicação prática não passava de lenda. Contudo, a partir do século XIX, arqueólogos começaram a encontrar restos humanos que sugeriam a utilização da roda como método de execução.
O conceito da Roda parece ter surgido na Terra dos Francos, no século VI. São Gregório, Bispo da cidade francesa de Tours descreveu a utilização da roda com forma de execução para bandidos de estrada. A prática descrita por Gregório envolvia amarrar a vítima e deixá-la estirada em uma estrada para que fosse atropelada por uma carroça pesada. A punição ao que tudo indica, refletia uma forma de compensação, para fazer um criminoso sofrer o mesmo que este havia imposto a uma vítima. Uma vez que o método não era nada prático, adaptações foram surgindo para tornar a execução mais satisfatória.
Na França medieval, a Roda era usada de forma diferente e ainda mais bárbara. Os condenados a esse tipo de execução eram em geral ladrões de estrada que haviam cometido assassinato contra viajantes ou peregrinos. A execução era reservada também para assassinos de crianças, estupradores e em alguns casos filhos que matavam os próprios pais. Na França medieval, o martírio na roda podia ser abreviado pelo carrasco à pedido de um juiz ou do público que decidiam quando a vítima havia sofrido o suficiente. Nesse caso, o executor se valia de um grande porrete ou então de uma marreta usada para desferir um potente golpe contra o peito do réu. Esse golpe era tratado como uma forma de terminar com o sofrimento infligido, por isso recebeu o nome Coup de Grace (Golpe de Misericórdia). Alternativamente, em alguns lugares da França, o indivíduo podia receber o benefício do "retentun" que consistia em um estrangulamento de misericórdia, realizado para abreviar seu sofrimento na roda.
A execução na Roda foi importada por vários povos e levada para diferentes partes da Europa. Na Escócia há pelo menos um caso famoso envolvendo um criado chamado Robert Weir que foi sentenciado a ser "quebrado na roda" depois de ter assassinado o patrão à pedido da esposa deste em 1603. No Império Habsburgo e na Rússia Imperial, a Roda era usada como forma de execução reservada aos revoltosos e revolucionários que atentavam contra os governantes. Na Suécia, um revoltoso chamado Johann Patkul foi sentenciado a morrer na roda depois de ser condenado por traição contra o rei Charles XII. Mesmo nos Estados Unidos, durante o período colonial, a roda chegou a ser empregada para punir escravos revoltosos. Em 1730, onze escravos da Louisiana foram condenados a serem "quebrados na roda" depois de se revoltarem e matarem seus patrões e atear fogo numa plantação.
A roda posteriormente começou a ser abolida na maioria dos países, considerada uma forma de execução arcaica e desnecessariamente cruel. Na prática, contudo, ela continuou a ser praticada na Prússia e na Áustria, sobretudo contra criminosos violentos acusados de assassinatos que causavam repercussão. A última execução de que se tem notícia teria ocorrido em 1841.
Mas o que é exatamente a Execução na Roda e no que consiste esse martírio brutal?
Como o próprio nome evidencia, a prática envolve uma tortura realizada com o auxílio de uma roda de madeira, geralmente do tipo usado em carroções ou carros de boi. O condenado era amarrado com os membros dispostos entre os raios da roda, deixando-os em uma posição vulnerável. Em seguida, o carrasco cumpria a pena usando uma marreta, maça ou pedaços pesados de roda para desferir golpes contra braços e pernas. Cada golpe visava produzir uma fratura, partindo os ossos e causando uma dor lancinante. Os verdugos eram instruídos a desferir entre três e quatro golpes em cada membro, produzindo as fraturas desejadas. O corpo assim, era despedaçado lentamente, com os membros sendo dilacerados pouco a pouco. Para aumentar o tormento, os golpes podiam ser desferidos com intervalos de trinta minutos, ou até mais, período no qual a vítima era deixada para a fúria do público, que podia atirar frutas podres, pedras e esterco nela.
Em alguns casos, a punição era conduzida com a ajuda da população ou dos parentes próximos das vítimas do réu. Estes eram convidados a participar da execução, usando para isso porretes e pedregulhos que eram usados para quebrar os membros expostos. Em certos casos, os carrascos indicavam onde os golpes deveriam ser desferidos, mas muitas vezes a pouca familiaridade das pessoas com o procedimento acabava provocando danos imprevisíveis.
No Sagrado Império Germânico, a execução na roda era mais sistemática e os códigos legais dispunham que os golpes deveriam ser desferidos com intervalos não maiores do que duas horas, mas nunca inferiores a uma hora para que o condenado tivesse tempo de "contemplar seu sofrimento". Os registros legais descrevem como deveria ser realizada a execução de forma correta:
"Primeiro, o condenado era colocado de barriga para baixo com as mãos e pernas amarradas numa tábua para ser arrastado por um cavalo até o local da execução. Os membros eram então amarrados a uma roda e golpeados da seguinte forma: Duas vezes em cada braço, uma vez acima do cotovelo e outra abaixo. Depois, cada perna recebia o mesmo tratamento, um golpe acima e outro abaixo do joelho. O nono e último golpe era dado no meio da espinha vertebral que se partia com o impacto direto desferido no meio das costas. O corpo alquebrado, então, era entrelaçado entre os raios da roda e esta era pregada no alto de um poste horizontal fincado no chão. Se a vítima estivesse viva, ela era deixada para morrer "flutuando" na roda, onde seu corpo, depois, seria abandonado para apodrecer."
No entanto, o procedimento podia variar de acordo com o lugar e com o sadismo do público. Segundo documentos datados de 1581, o assassino de crianças Peter Niels recebeu nada menos do que 42 golpes de marreta em seus membros que foram literalmente despedaçados. Os golpes foram desferidos por parentes das suas vítimas convidados a participar da execução. Ao fim do procedimento, o registro atesta que "não havia praticamente mais nenhum ponto que pudesse ser quebrado no corpo do réu". Com efeito, ele foi então decapitado com um golpe de espada.
Além do sofrimento que a roda impunha nas suas vítimas, havia um fator adicional nesse tipo de execução. As pessoas mortas na roda eram consideradas como as mais desprezíveis e portanto dignas daquele tormento lento e doloroso. A mera ameaça do uso da roda como forma de execução servia para fazer as pessoas confessarem seus crimes, admitirem sua culpa ou apontarem cúmplices como forma de se livrar dessa forma de execução. Ser "quebrado na roda" era considerada uma enorme desonra e uma sentença cabível apenas aos criminosos mais odiosos e indivíduos acusados de cometer os atos mais atrozes. Ademais, quando alguém era morto na Roda, o corpo muitas vezes era abandonado aos elementos, sem receber sequer o benefício de ritos fúnebres ou de um enterro digno. Um corpo mutilado daquela forma, além do mais tinha negado o direito à ressurreição pelo dogma católico.
Conforme descreve o Padre sueco Lorenz Hagen:
"O martírio de uma vítima da Roda continua muito depois que este expira pelos ferimentos que partiram seus ossos. Ele segue sofrendo indignidades como ser devorado por aves carniceiras, atrair insetos e até mesmo raios que fulminam os restos içados até o alto de postes onde ficavam por semanas. Mas o pior é que um corpo tratado com o rigor da Roda tem negado o direito de renascer na glória de Cristo, a punição definitiva".
Em certos casos havia uma punição imposta para qualquer pessoa que tentasse remover os restos ou depositá-los em uma sepultura. As cortes judiciais instituíam que os restos deveriam permanecer no local em exposição por no mínimo 2 semanas, e só então poderiam ser removidos para se dar cabo deles. Aquele que o fizesse antes do momento, podia ser multado ou até receber chibatadas em praça pública por desobedecer a lei.
Mas não foram apenas criminosos desprezíveis os condenados a essa punição brutal. Segundo os historiadores da cristandade, Santa Catarina, filha do governador da cidade de Alexandria, foi condenada a ser martirizada na Roda depois de ter adotado a Fé Cristã. Ela foi condenada pelo Imperados Maxentius que empreendeu uma dura perseguição aos cristãos em meados do século IV. Após interrogar e torturar Catarina, o Imperador ordenou que ela fosse levada até um patíbulo e "quebrada em uma roda". Contudo, por milagre e intercessão divina, quando ela foi deitada na roda, esta se partiu ao meio. Isso não impediu que ela fosse decapitada, mas o fato da roda se partir foi visto como um milagre. Isso levou alguns lugares que usavam a roda como pena capital a dispor que, se por qualquer motivo, uma vítima fosse deitada na roda, e esta se partisse, ela deveria ser colocada em liberdade. Não há nenhum caso conhecido onde tal coisa tenha acontecido.
A Roda do Despedaçamento constitui um exemplo medonho da criatividade humana empregada em nome do sadismo e de um conceito dúbio de justiça. O que teria feito o rapaz cujos ossos horrivelmente dilacerados foram achados em Milão? Que crime ele teria cometido para justificar esse tipo de sofrimento? E seria realmente a medida a mais correta a ser aplicada? Para as pessoas de antigamente, aparentemente a resposta para essa questão é sim.
No mangá Berserk do lendário Kentaro Miura (R.I.P.), há uma referência a roda do despedaçamento, onde os condenados a essa brutal execução, retornam como demônios
ResponderExcluirDa hr
ResponderExcluirOutras referências a essas rodas é o filme the Devils (1971) do Ken Russell e os Wheel Skeletons das catacumbas do Dark souls 1.
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