quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

Innsmouth - A História oficial de uma cidade costeira maldita


O artigo a seguir examina o que se sabe a respeito de Innsmouth com informações que são de conhecimento público entre as pessoas que vivem nas proximidades da cidade costeira. O relato contém suposições e crendices locais, mas nenhuma constatação a respeito de entidades sobrenaturais. Em cenários lovecraftianos, ele pode ser usado como um guia de referência para o que os jogadores sabem ou descobrem pesquisando à respeito da história da cidade. 

As revelações sobre os mistérios e horrores que habitam Innsmouth serão apresentados no artigo seguinte.

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O vilarejo pesqueiro de Innsmouth surgiu na nascente do Rio Manuxet na Costa de Massachusetts. O local era em tempos remotos um pedaço de terra pantanosa, com extensos charcos de água salgada, lagos estagnados e mosquitos. Os nativos da Tribo Pawtuxet evitavam o local, acreditando que ele era o lar de demônios e todo sorte de espíritos malignos. Para lá exilavam os indesejados, os criminosos e mentalmente insanos, uma condenação que não raramente levava os condenados à loucura.

Quando os primeiros colonos britânicos se fixaram por ali, construíram pequenas cabanas e um atracadouro rústico para seus barcos de pesca. Os nativos consideraram aquilo uma transgressão e tentaram afugentá-los. Mencionaram as lendas e várias histórias sobre monstros marinhos e um povo que vivia das profundezas, mas poucos os levaram à sério. Algumas famílias de colonos partiram, outras entretanto, resistiram e lá se estabeleceram. Parecia consenso que o lugar não era bom para fincar raízes. Ainda assim, as águas profundas favoreciam aqueles que se aventuravam no mar aberto e estes retornavam com redes cheias de pesca. Do período colonial há lendas sobre estranhos avistamentos e captura de peixes nunca antes vistos - espécimes monstruosos com apêndices vestigiais. A região de Devil´s Reef sem dúvida era a que mais atraía a atenção pela quantidade de barcos perdidos ali e pelos estranhos relatos sobre "monstros marinhos" naquele local. O caso mais grave se deu pelos idos de 1631, quando uma família inteira de pescadores desapareceu sem deixar vestígios. Na época culparam os nativos, mas os vizinhos desconfiavam de algo pior.

A despeito das dificuldades, mais famílias foram atraídas e estas deram origem a pequena comunidade. As docas foram construídas pouco depois com apoio de investidores que pretendiam desenvolver a atividade pesqueira até então insipiente. Innsmouth foi oficialmente fundada em 1643, tendo na época uma população de 250 almas. Ela evoluiu de um modesto povoado de pescadores, para um centro de comércio marítimo no curso de poucas décadas. A posição estratégica de Innmouth favorecia a chegada e partida de embarcações em rota para Boston, Rockport e Marblehead. Os marinheiros locais ganharam fama como destemidos e habilidosos.

Durante a Guerra de Independência, Innsmouth participou ativamente do esforço revolucionário. Vários capitães locais converteram-se em corsários predando navios com a bandeira britânica e atacando os navios mercantes que estavam alinhados com a Coroa. Inúmeras embarcações foram mandados para o fundo do mar e suas preciosas cargas pilhadas pelos sedentos lobos do mar. A Costa de Innsmouth, próxima a Devil´s Reef, viu pelo menos uma batalha naval entre a Marinha Real e os corsários.

Uma visão do cais à beira mar em meados de 1925

Innsmouth em seus tempos mais afortunados

Com o fim do conflito, as docas ganharam ainda mais importância como porto de entrada para navios estrangeiros. Innsmouth estava sempre apinhada de embarcações provenientes de terras distantes, despejando no cais mercadorias exóticas e marinheiros de pele morena, nativos de recantos exóticos à meio mundo de distância. Estranhos idiomas e sotaques eram ouvidos no porto e a população, por conta disso, se tornou bastante tolerante com povos e costumes diversos. Com o tempo, escritórios de companhias de transporte marítimo também se fixaram no cais aumentando o fluxo de negócios. Os navios de Innsmouth navegavam para mares distantes, trazendo de volta de suas longas jornadas especiarias que faziam a fortuna dos comerciantes locais. Haviam histórias curiosas sobre monstros marinhos espreitando no litoral, mas a maior parte delas eram tidas como meras superstições.

A prosperidade da cidade foi alavancada também pela construção de moinhos nos bancos do Manuxet e pelos rentáveis negócios de um certo Capitão Obed Marsh. Marsh era um bem sucedido comerciante local, pioneiro ao estabelecer rotas comerciais para as Índias. O nome da família se tornou famoso e os cargueiros a serviço dos Marsh singravam os sete mares. Havia contudo, a suspeita de uma conduta pouco ética, com concorrentes sendo perseguidos ou encontrando dificuldades criadas pelas autoridades. Obed controlava boa parte das atividades mercantis em Innsmouth e dizem as más línguas, tinha participação nas tavernas beira-mar que atuavam como bordéis e casas de vício.

Porém, em meados de 1840, a ruína se abateu sobre a até então próspera economia da cidade. Os Marsh perderam importantes contratos comerciais pela má fama que haviam estabelecido. Além disso, uma série de acidentes desastrosos, culminando com a perda de duas embarcações e a respectiva carga numa tempestade, ameaçavam conduzir a família à bancarrota.

Uma ilustração do Capitão Obed Marsh com 25 anos

Obed Marsh supostamente com 82 anos

Foi nessa época que Marsh deu início às reuniões da Ordem Esotérica de Dagon, uma sociedade ou culto que combinava elementos das Sagradas Escrituras com superstições trazidas dos mares do sul. As primeiras reuniões aconteciam na própria casa de Marsh, mas logo estas foram transferidas para a antiga Igreja Congregacional abandonada que foi arrendada pela Seita. Quando a Ordem se estabeleceu, alguns vizinhos torceram o nariz para a misteriosa congregação, mas ninguém ousou levantar a voz contra ela. Era bem sabido que Marsh havia passado um bom tempo entre nativos nas Ilhas da Polinésia e rumores circulavam que ele havia se envolvido profundamente nos seus rituais. Corriam ainda boatos de que ele teria casado com uma nativa, com quem teve filhos e de quem adotou os costumes. Ninguém havia visto a mulher e muitos se perguntavam porque ela não saía da mansão da família.

Tal era o comprometimento de Marsh que ele em pessoa presidia os rituais secretos da Ordem. Alguns na cidade comentavam que os membros veneravam divindades profanas, mas poucos podiam provar que algo além das reuniões de uma fraternidade de marinheiros ocorria atrás das pesadas portas da imponente sede. Os sons soturnos e cânticos profanos, além de luzes e trajes exóticos acrescentavam muita desconfiança às atividades da Ordem de Dagon.

Em 1846 Innsmouth foi varrida por uma epidemia de cólera. A doença se espalhou numa rapidez desconcertante e devastou a cidade e seus habitantes. Os registros da época mencionam cadáveres espalhados nas ruas e enorme desespero entre os residentes. Nunca se soube ao certo quantas pessoas morreram, mas a praga reduziu a população a um número ínfimo. O que aconteceu durante o longo inverno daquele ano, quando a cidade esteve isolada por barreiras, permanece um mistério. Existem indícios de que violência e pilhagem tenham ocorrido livremente e que as leis tenham perdido sentido. Quando visitantes chegaram, encontraram Obed Marsh e sua Ordem Esotérica administrando a cidade, mantendo a lei e ordem (à sua maneira).

O prédio da Ordem Esotérica de Dagon (1927)

Detalhe da Fachada e da entrada principal

Embora Innsmouth tenha retomado a atividade comercial nos anos seguintes, ela continuou em franca decadência. Os Marsh fecharam seus negócios de transporte marítimo e passaram a se concentrar exclusivamente na indústria pesqueira, tornando-se aos poucos os únicos empresários na cidade. Os povoados vizinhos hesitavam em negociar com o povo de Innsmouth, mesmo quando seus mercadores ofereciam moedas de ouro, supostamente recuperadas de naufrágios como pagamento.

Mas havia algo mais sinistro acontecendo, algo que estava estampado na própria fisionomia de alguns moradores de Innsmouth. Estes começaram a apresentar um aspecto doentio e ter uma miasma desagradável de água salobra os acompanhando para onde quer que fossem. Aqueles que ainda visitavam a cidade quase deserta mencionavam o aspecto perturbador dos últimos residentes - seus olhos arregalados, a pele escamosa e as feições batráquias. Alguns supunham que aquilo podia ser uma sequela da doença que acometeu a cidade, mas outros tinham explicações menos ortodoxas. Falava-se de relações incestuosas, doenças trazidas de outras terras e até castigo divino. Embora ninguém soubesse exatamente o que havia acontecido, era certamente algo estranho. Aos poucos os moradores de Innsmouth começaram a ser evitados e a cidade entrou em sua última espiral de colapso.

Até onde se sabe, Innsmouth prosseguiu sob o comando da Família Marsh que detinha uma espécie de monopólio sobre os negócios e controle com mão de ferro sobre a população. O local recebia poucos visitantes, mas os que iam até lá afirmavam que a decadência transformara os habitantes de Innsmouth em um bando de degenerados. Durante a Guerra Civil Americana, a cidade apresentou poucos voluntários, muitos dos quais não foram aceitos a despeito de sua experiência como homens do mar. Ninguém queria trabalhar com eles por serem estranhos e terem uma aparência que incomodava os demais recrutas.

Parte do porto de Innsmouth

O Porto de Innsmouth

Em 1875, o centenário e recluso Obed Marsh, Patriarca do clã, cedeu seu lugar ao seu primogênito, Barnabas Marsh, indivíduo não menos estranho e igualmente devotados a Ordem Esotérica. Barnabas assumiu o controle da Empresa pesqueira e fundou a Refinaria Marsh que se concentrava na extração de metais valiosos. Apesar dessa mudança ter revitalizado, ao menos parcialmente a combalida economia local, ela trouxe poucos benefícios para a população. O velho Marsh morreu em 1878, mas a notícia de seu falecimento só foi divulgada semanas depois.

A decadência prosseguiu devorando as entranhas da cidade, mas poucas pessoas se importavam com o que acontecia por aquelas bandas. Muitos consideravam que as histórias bizarras sussurradas eram exageradas e pouco críveis, sobretudo aquelas que ligavam a Ordem de Dagon a algo diabólico. De certa forma, ninguém estava particularmente interessado no que acontecia em Innsmouth e o povo de lá, também não desejava muito contato com forasteiros. Até mesmo a estrada de ferro que passava por Innsmouth e levava a Rowley acabou sendo desativada e deixada para enferrujar.

Os anos passaram e Innsmouth se tornou um vilarejo esquálido com casas e construções dilapidadas, uma sombra pálida do que foi um dia. O Clã dos Marsh a essa altura havia dividido a administração de seus bens entre os herdeiros, filhos de Barnabas: Rowley, Robert e Sebastian. Cada um deles se tornou responsável por um ramo dos negócios, ainda que a palavra final fosse sempre de Barnabas.

Com a chegada do novo século, pouca coisa mudou em Innsmouth. As atividades da Ordem Esotérica de Dagon passaram a ser conduzidas por Robert Marsh que assumiu o posto de líder da congregação. Robert aliás foi o escolhido para cuidar dos negócios da família quando Rowley decidiu seguir carreira na medicina e Sebastian teve de se afastar por questões de saúde.

Visão da antiga Innsmouth e do porto

Visão da Rua principal e da praça de Innsmouth

Em 1923, os Marsh se associaram a contrabandistas de bebida e passaram a operar um rentável esquema para burlar a Lei Seca. Engradados com whisky canadense eram trazidos à bordo de navios pesqueiros da companhia e entregues aos sócios dos Marsh no submundo. O lucro exorbitante com a operação favoreceu Robert que foi nomeado por Barnabas seu legítimo sucessor.

Mas o sucesso seria passageiro, já que as atividades criminosas acabaram atraindo a atenção do Departamento do Tesouro Nacional que investigava contrabando de bebida. O depoimento de uma testemunha, o jovem Robert Martin Olmstead despertou o interesse de agentes do governo sobre o que acontecia em Innsmouth. Eles deram início a uma investigação que revelou uma série de atividades criminosas ocorrendo na cidade. Em 1927, com apoio das Forças Armadas, Innsmouth foi invadida para captura e prisão de membros da Família Marsh. Durante a Operação, vários prédios foram dinamitados, a sede da Ordem Esotérica entre eles e boa parte da população capturada e posteriormente transferida para presídios militares. Rumores persistem que um submarino até recebeu ordens de torpedear um alvo desconhecido em Devil's Reef, embora essa noção seja absurda para a maioria.. 

O teor da Operação foi mantido em sigilo e a razão para envolvimento das forças armadas, embora muito questionado, jamais foi inteiramente explicado. Dentre as poucas informações que chegaram a público, comunicou-se que os criminosos instalados em Innsmouth tinham acesso a armamento pesado, o que justificou acionar os militares. Os casos de abuso de autoridade e prisões ilegais chegaram a ser investigadas, mas o Governo Federal utilizou de prerrogativas especiais para processar em sigilo de justiça os capturados na operação. Nos meses e anos que se seguiram, entidades de direitos civis protestaram veementemente sobre o ocorrido, alegando que prerrogativas constitucionais haviam sido ignoradas. No final, poucos receberam permissão de visitar os prisioneiros e menos ainda de consultar os autos processuais. 

A aparência estranha do povo de Innsmouth

Uma rara imagem de uma família de pescadores em Innsmouth em 1921

Após a operação conduzida em Innsmouth, a cidade foi ocupada pelo exército e uma quarentena imposta impedindo a entrada de curiosos na área. A Mansão dos Marsh e a sede da Ordem de Dagon foram criteriosamente investigados e supostamente vários documentos e objetos acabaram removidos para análise posterior. A cidade em si foi fechada em 1929, a entrada em Innsmouth é proibida para indivíduos sem permissão expressa e todos acessos foram bloqueados por cerca e contam com postos de vigilância.

Há muitos rumores sobre o que realmente teria acontecido em Innsmouth e porque a cidade segue sob estrita administração militar. Alguns acreditam que uma ameaça biológica teria sido liberada na cidade, outros que o local teria sido evacuado após algum tipo de acidente. As forças armadas não se manifestaram sobre uma grave intervenção militar em solo americano. Já o Governo Federal classificou a operação no vilarejo sob a Lei de Medidas Extraordinárias e se negou a comentar.

Os dossiês relativos a Operação realizada em Innsmouth permanecerão lacrados e não poderão ser revelados até 2028.

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