Sempre existiram lugares mágicos que permanecem a parte dos demais. São lugares lendários que parecem estar além do nosso alcance, além do horizonte e da normalidade. Histórias sobre cidades e civilizações perdidas sempre nos deixaram perplexos, existindo além dos limites de nossa civilização nas regiões mais remotas de nosso mundo. Ousados exploradores procuram esses lugares e por vezes tem sucesso nessas perigosas empreitadas. Uma história incrível envolve uma cidade engolida por uma selva amaldiçoada, perdida por eras, mas encontrada, apenas para provar que talvez a maldição que a cerca não seja apenas uma lenda.
Distribuído por mais de 20.000 milhas quadradas entre Honduras e Nicarágua há uma vasta extensão de densa floresta tropical chamada Selva La Mosquitia. É um lugar perigoso e proibido, cheio de insetos e animais perigosos, um terreno quase impenetrável de selva densa, longe da civilização, um verdadeiro mundo perdido. Foi neste lugar implacável que um dia se ergueu uma cidade lendária que os conquistadores espanhóis chamavam de "La Ciudad Blanca", ou "A Cidade Branca", conhecida pelas tribos indígenas como "A Cidade Perdida do Deus Macaco" porque diziam, continha uma gigantesca estátua com um Deus Macaco.
Os nativos relatavam aos conquistadores espanhóis que era um lugar de riquezas inimagináveis, cheia de ouro e prata, mas também com a nuvem escura de uma maldição pairando sobre ela. De acordo com as lendas locais em algum momento do século XVI, as pessoas desta cidade a abandonaram repentinamente, dizendo que ela havia sido amaldiçoada. Falavam de pestilência e doença mandada pelos deuses. Ela foi deixada pelo próprio povo para ser engolida pela selva. Sua lenda inclui incontáveis narrativas de gente que tentou encontrá-la, mas que nunca mais retornou. Por muito tempo, a Cidade Perdida construiu uma mística assustadora, no estilo Indiana Jones. Um lugar esquecido pelo mundo e perdido no tempo.
Muitos exploradores se aventuraram na selva em busca da Cidade Branca sem sucesso, e na maioria das vezes ela permaneceu como nada além de mera lenda, um lugar fora de nosso alcance e confinada a mito e especulação. Apenas em meados de 1940 o explorador Theodore Morde encontraria as ruínas de uma cidade antiga de 1500 anos, com altos muros de pedra branca, câmaras de sacrifício, uma pirâmide e uma enorme estátua de pedra de um macaco. Ele proclamou que havia localizado com sucesso a lendária Cidade Branca. Como prova, Morde trouxe consigo milhares de artefatos, mas temendo que outros exploradores arruinassem sua descoberta ou que houvesse quem a saqueasse, ele decidiu manter a informação em segredo. Morde acabou levando a localização exata da cidade para o túmulo e mais uma vez, a Cidade Branca, desapareceu nas brumas do tempo.
O tempo passou e apenas em 2012, o explorador Steve Elkins, decidiu conduzir sua própria busca pelo sítio perdido. Elkins era obcecado pela lenda da Cidade Perdida do Deus Macaco desde a década de 1990. Ele leu e estudou meticulosamente tudo o que podia encontrar sobre ela. O estudioso contava com um forte aliado, a tecnologia de ponta LIDAR, que significa "Laser Imaging, Detection and Range", um sistema que cria mapas 3D de alta resolução, mesmo de áreas encobertas por densa vegetação. O método é altamente eficaz, capaz de escanear centenas de quilômetros quadrados de selva em questão de dias. Elkins realizou o mapeamento LIDAR com financiamento privado e conseguiu encontrar o que pareciam ser estruturas retangulares, incluindo duas linhas perfeitamente lineares e um ângulo reto, o que indicava a presença de construções feitas pelo homem. Elkins diria sobre sua descoberta:
"São estruturas feitas pelo homem, não resta dúvida! Nada poderia erguer essas formas em contornos perfeitos exceto pessoas com conhecimento de engenharia e arquitetura. Eu sabia que havíamos encontrado as bases de uma cidade, uma cidade antiga, milenar. O problema é que não bastava saber que ela estava lá... nós precisávamos ir até lá e deixar os arqueólogos determinarem quando ela havia sido erguida, e por quem."
Elkins imediatamente começou a planejar uma expedição terrestre para penetrar naquela selva desconhecida e tentar confirmar o que havia sido visto do ar. Para esse efeito, ele fez com que artistas da National Geographic criassem uma representação de como a cidade poderia ter sido, fez mapas cuidadosos da área e reuniu uma expedição conjunta hondurenho-americana que incluiu o documentarista Bill Benenson, o autor mundialmente famoso e explorador Douglas Preston, e uma equipe de arqueólogos, antropólogos, engenheiros, geólogos, biólogos e botânicos. Além dos acadêmicos, a expedição contava com uma equipe treinada de especialistas em guerra de selva para proteger o grupo de cartéis de drogas que usavam a região. Os soldados também ofereceram treinamento para superar as dificuldades à frente.
Foram necessários três longos anos de planejamento para lançar a expedição. Em 2015 a equipe estava pronta para seguir e enfrentar o desafio. As dificuldades eram formidáveis devido ao terreno acidentado, animais e habitantes. Preston descreveu o que eles enfrentaram nos seguintes termos:
"A geografia - natural e humana - explica o motivo pelo qual a cidade permaneceu perdida por tanto tempo. Nesta vasta área encontramos algumas das florestas tropicais mais densas da Terra cobrindo cadeias de montanhas escarpadas, algumas com mais de um quilômetro e meio de altura, corredeiras velozes, deslizamentos de terra frequentes, ravinas íngremes, cachoeiras intransponíveis, piscinas de areia movediça que podem engolir uma pessoa viva e insetos que carregam doenças mortais. O sub-bosque está infestado de cobras venenosas, onças selvagens e moitas de gavinhas com espinhos em forma de gancho que rasgam a carne e as roupas. Em Mosquitia, um grupo experiente de exploradores, bem equipado com facões e serras, consegue viajar entre 3 e 5 quilômetros em um dia. Os povoados e áreas rurais ao redor da selva são amplamente controladas por cartéis de drogas, com uma taxa de homicídios entre as mais altas do mundo. O terreno físico é feroz, combinado com a ilegalidade e a violência circundantes que protegem esta área há séculos."
Muitos membros na equipe tinham pouca ou nenhuma experiência na selva, então precauções com a segurança estavam na ordem do dia. Nenhum forasteiro havia entrado naquela selva procurando a cidade desde os anos 1940, então eles não tinham ideia do que esperar. Os especialistas em guerra na selva tentaram acelerá-los, mas nada era fácil nesse terreno atroz. Preston disse sobre isso:
"Voamos em helicópteros e tínhamos uma equipe de três soldados especialistas em guerra na selva conosco, homens da SAS, que aceitaram o desafio de guiar a equipe e nos manter vivos. Nunca me esquecerei deles dando palestras sobre os perigos da selva: as doenças, as cobras venenosas, os animais que poderíamos encontrar, os insetos, os escorpiões, as aranhas, as formigas que te picam e requerem hospitalização e tudo mais. Eu achei que eles estavam exagerando sobre a hostilidade da selva para o benefício do grupo, então meio que descartei aquilo como exagero. Então finalmente chegamos lá de helicóptero, num lindo dia de sol. Não havia insetos, a temperatura era de agradáveis 25 graus. Olhei em volta pensando: "Que besteira, essa selva não tem nada de perigosa. É quase um paraíso. Havia flores lindas e pássaros em todos os lugares. As árvores eram gigantescas com troncos de seis metros de diâmetro. Os animais, aparentemente, nunca tinham visto pessoas antes, eles apenas vinham até nós. Então os insetos surgiram à noite, nuvens deles. Encontrei-me metido no meu saco de dormir completamente coberto de insetos rastejantes. Isso me assustou e fiquei assustado até o fim da expedição".
Naquela noite, Preston teria seu primeiro choque de realidade sobre o perigo da selva, quando uma perigosa cobra Fer-de-Lance entrou no acampamento durante a noite. Ele contou sobre o que aconteceu:
"Estava escuro como breu. Na selva à noite é muito escuro, é como estar em uma caverna. Eu voltava para minha rede e a lanterna caiu sobre uma enorme cobra Fer-de-Lance. Essa é a serpente mais venenosa do Novo Mundo. Ela estava enrolada em posição de ataque, espreitando. Eu passei pelo réptil duas vezes e ela chegou a dar um bote! Eu pedi ajuda e um dos biólogos ficou impressionado diante da Fer-de-Lance. Era a maior que ele tinha visto.
Ele cortou uma vara com cerca de dois metros e meio de comprimento - e com um movimento rápido, prendeu a cobra com a ponta bifurcada da madeira. Nesse ponto, a cobra explodiu em uma fúria de botes de um lado para o outro, expelindo veneno no ar – arcos de veneno voando. Nunca vi nada parecido. Aquela coisa tinha presas com mais de uma polegada de comprimento e era imensa. O biólogo conseguiu enfiar a madeira atrás da cabeça da cobra e depois a agarrou. Mas a cobra estava torcendo a cabeça tentando afundar suas presas nas mãos dele. O animal expeliu veneno por todo o dorso de sua mão e a pele começou a borbulhar. Ele lutou com a cobra tentando imobilizá-la, mas no fim precisou matá-la com um golpe de machete. O ataque decepou a cabeça, mas ela continuou a estalar e vomitar veneno. Nunca na minha vida vi uma cena tão horrível quanto essa. Parecia algo saído de um filme de terror."
Por vários dias, a equipe vagou pela selva, cobrindo distâncias enquanto esquivava de cobras venenosas, nativos hostis e cartéis de drogas, afastava formigas e mosquitos e contornava enormes piscinas de areia movediça. A selva era tão intensa, implacável e agressiva que o progresso era feito de forma extremamente lenta. Do nível do solo as árvores e a vegetação rasteira eram tão densas que às vezes parecia que eles poderiam estar bem em cima das ruínas sem saber. A expedição começou até a duvidar que houvesse alguma coisa lá para ser achada, tamanha era a dificuldade do terreno. Como algum povo conseguiria viver ali e ainda construir uma cidade naquelas condições?
Mas então eles tropeçaram em sinais de que as lendas poderiam ser verdadeiras. Restos de pedras que mal se projetavam através da vegetação rasteira da floresta começaram a aparecer e a medida que continuavam, mais e mais pistas floresciam do solo da selva. Primeiro eram restos de pedra agrupada, depois rocha trabalhada e finalmente estruturas criadas pelo homem.
O grupo estava diante daquilo que buscou incessantemente por anos. A Cidade Perdida do Deus Macaco uma vez mais saltava do reino das lendas para a realidade. Preston explicaria seus primeiros pensamentos ao encontrar essas relíquias há muito esquecidas:
"É incrível pensar que uma cidade perdida ainda possa ser encontrada no século XXI, mas foi exatamente isso que aconteceu. As pessoas sentem que o mundo encolheu e que não restam mais segredos. Pisamos, mapeamos, fotografamos e exploramos todos os lugares da Terra até o ponto em que parece que roubamos o mundo de seu mistério. Mas esta descoberta prova que ainda há mistérios ocultos. Há coisas que ainda não sabemos sobre nosso passado e sobre a Terra."
O arqueólogo documentou cuidadosamente cada uma das descobertas: fotografando, desenhando e descrevendo as estruturas em detalhes que pudessem ajudar as pessoas a compreender a singularidade dessas ruínas milenares.
"Posso me recordar do exato momento em que tropeçamos no esconderijo que guardava esculturas na base de uma pirâmide de terra. Eu vi pela primeira vez uma cabeça de onça esculpida saindo do chão. Brilhando com a chuva parecia rosnar, como se lutasse para escapar da terra. Foi uma imagem que falou diretamente comigo através dos séculos – forjando uma conexão emocional imediata com essas pessoas desaparecidas. O que era teórico para mim tornou-se real: essa imagem espirituosa foi criada por pessoas confiantes e formidáveis. De pé na escuridão entre os montes antigos, envolto na névoa, eu quase podia sentir a presença dos mortos invisíveis."
Preston explica algumas dessas descobertas surpreendentes:
"A descoberta mais espetacular foi o esconderijo de esculturas encontrado na base de uma pirâmide. Em uma ampla área oca, encontramos dezenas de extraordinárias esculturas de pedra esculpida – 52 ao todo. Os objetos, vislumbrados entre folhas e cipós, e atapetados de musgo, tomaram forma no crepúsculo da floresta: a cabeça de onça mencionada acima, grandes jarros de pedra esculpidos com abutres, cobras e macacos, objetos que pareciam tronos ou mesas, muitos com entalhes ao longo das bordas. Essas esculturas estavam em boas condições e se mantiveram ao longo de séculos – até que tropeçamos nelas."
A escavação do esconderijo revelou que ele era vasto. As peças foram abandonadas ao mesmo tempo em que a cidade foi abandonada, muitos ritualmente despedaçados para liberar seus espíritos, uma prática comum para objetos colocados em um túmulo. Mas este esconderijo não era o túmulo de uma pessoa – era o túmulo de toda uma cidade.
Restava ainda uma pergunta: O que teria acontecido na Cidade Branca do Deus Macaco? Que terrível catástrofe teria obrigado os habitantes a partir quase que ao mesmo tempo, deixando para trás tudo que construíram, aquilo que criaram e pelo que viveram. Arqueólogos teorizam que uma desgraça atingiu a cidade, matando a maioria dos habitantes. Os sobreviventes reuniram todos os seus objetos pessoais e sagrados, os colocaram como oferendas aos seus deuses e foram embora – dispostos a nunca mais voltar.
"Nós todos contraímos essa doença agressiva chamada leishmaniose mucocutânea. É essencialmente uma doença carnívora que se alimenta dos tecidos do corpo. É como um tipo de lepra transmitida pela picada de um carrapato que infesta toda área. Mas os parasitas causadores dela migram para o seu rosto e comem seu nariz e seus lábios até cair tudo e deixar sua face desfigurada como uma enorme ferida aberta. Então ela migra novamente e começa a corroer os ossos do seu rosto e cria um buraco na sua cabeça e, eventualmente, você morre. Isso tudo acontece se você não for medicado. É um tratamento horrível que não cura a doença, mas pelo menos detém seus efeitos. Então, estamos bem, mas foi muito difícil para alguns membros da expedição. Felizmente temos os melhores cuidados médicos do mundo e especialistas. É incrível entender que a mesma doença que matou essas pessoas e destruiu essa cidade ainda está ativa séculos depois. E ela ainda é capaz de matar."
Preston acredita que a doença tenha sido criada por uma combinação do ambiente insalubre, com a vegetação, o clima e os insetos locais. Esses elementos geraram as condições perfeitas para a doença se desenvolver. Ironicamente a distância e os obstáculos presentes na selva fizeram com que a doença não se espalhasse levando contaminação para outras pessoas. Contudo, entrar e sair dessas ruínas pode significar ser contaminado e carregar a doença para fora.
De fato, a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerou a selva de La Mosquitia como uma das mais perigosas zonas quentes de doenças tropicais no mundo. Seria um risco enorme permitir que novas expedições entrassem nas ruínas onde prolifera uma doença letal e incurável.
Douglas Preston escreveu um livro que se tornou best-seller sobre a história da cidade perdida e a expedição que a descobriu. "The Lost City of the Monkey God: A True Story" (A Cidade Perdida do deus Macaco: Uma história Real) provocou uma mistura de excitação e controvérsia entre leitores e críticos. Embora seja inegavelmente uma descoberta incrível, alguns moradores locais acusaram os exploradores de perturbar um local sagrado que deveria ficar oculto para sempre. Também há arqueólogos que criticaram o caráter aventureiro da expedição e sua falta de base acadêmica. Não obstante, a descoberta da Cidade Branca se mostra como uma das maiores do século.
Enquanto isso a cidade perdida permanece quase que completamente inexplorada. Um lugar perigoso para a presença humana, que não nos quer lá, e talvez fique melhor assim, sempre envolto em mistério e além de nossa compreensão.
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