domingo, 13 de novembro de 2022

A Galeria do Bizarro - As Obras primas de Richard Pickman

 Ainda falando sobre o controverso artista Richard Pickman, aqui está um apanhado de telas assinadas por ele e uma breve descrição das obras.

Convidados para o Banquete

Óleo sobre tela.

Um dos quadros mais emblemáticos de Richard Pickman concluído em 1923 pouco antes dele se mudar para o ateliê mais modesto na Rua Grimanci. Executada ao longo de meses de laborioso estudo, trata-se de uma de suas pinturas mais soturnas. Ela foi exposta na Galeria Tuttle e dividiu opiniões causando a indignação de parte do público.

No centro da cena, Pickman retratou uma presença feminina única, sua antepassada Lavínia que ele sustentava, foi  acusada de feitiçaria durante a Caça às Bruxas. Sabe-se bem pouco sobre ela, mas o artista afirmava ter encontrado informações sobre sua parente nos arquivos da comarca de Salem. Nos autos do Processo constava que ela havia sido acusada de praticar feitiçaria e de manter conluio com o demônio. Esses documentos, todavia jamais foram localizados.

As figuras ao redor da mesa, os comensais da ceia profana, foram inspirados em conhecidos de Pickman, alguns colegas de estudo, professores e parentes. Não por acaso a tela causou constrangimento e gerou protestos por parte de indivíduos incluídos na imagem. Com a ameaça de um processo legal, Pickman aceitou refazer o rosto de três das figuras retratadas. 

Após grande polêmica o quadro foi finalmente apresentado na Galeria Tuttle, mas apenas por uma noite. Alguns dos visitantes da exposição se disseram ultrajados pela imagem grotesca e pela riqueza acachapante de detalhes mórbidos. À época, a exposição despertou uma forte reação no público, com boatos sobre mais de um visitante desmaiando após vislumbrar a obra. A Galeria se viu diante de um grande dilema e no fim optou por remover o quadro, sobretudo após críticas publicadas em jornais locais que chamavam a obra de "o delírio de uma mente insana".  

Pickman removeu o quadro e o levou de volta para seu ateliê. Ele recusou ofertas para vender a tela, afirmando que ela era uma de suas favoritas. "Convidados para o Banquete" adornou a parede de sua sala de jantar até desaparecer junto com ele em 1928.  

Jardim da Danação

Óleo sobre tela executado em 1925.

Uma das principais obras da série conceitual "Os Vermes da Terra".

Pickman realizou essa obra mas ela não chegou a ser exposta ao público. Ela é reminiscente do período em que ele costumava fazer seus passeios pelas florestas da Nova Inglaterra em busca de inspiração. A cena mostra uma série de criaturas monstruosas semelhantes a cães antropomorfizados acompanhando os estertores finais de uma mulher enforcada, pendendo na ponta de uma corda.

Após o desaparecimento de Pickman a obra foi redescoberta e depois de 1968, passou a ser exposta no Museu de Belas Artes de Boston.  Em 1981 ela foi citada pelo infame serial killer, o "Açougueiro de French Hill" em uma correspondência enviada para a polícia. Nesta ele ofereceu a localização do corpo de uma de suas vítimas. A cena do crime havia sido cuidadosamente trabalhada para se assemelhar a esta imagem. O assassino foi meticuloso a ponto de reproduzir o mesmo tipo de nó mostrado na imagem. Detetives da Polícia de Arkham se disseram chocados pela recriação do assassino. Por muitos anos comentou-se sobre a existência de estranhas pegadas no local, mas este detalhe jamais foi confirmado ou negado.

Após o infame incidente, o quadro foi removido da exposição, colocado em uma caixa e mantido num depósito. Ele supostamente ficou guardado, longe dos olhos do público até 1994, quando descobriu-se que a caixa onde havia sido encerrado sumiu. O caso foi tratado como roubo mas nenhuma pista sobre "Jardim da Danação" foi encontrada.

O Sabá dos Infortúnios





















Óleo sobre madeira executado em 1922

Uma das obras da série "Sacrifício" que se debruçava sobre questões religiosas. Fortemente influenciada pelo mestre espanhol Francisco de Goya, a obra reflete uma das paixões principais de Pickman, o Sabá das Feiticeiras.

As três bruxas em destaque são uma clara alusão a Hécate enquanto que a mulher cujos olhos vertem filetes de sangue é a esposa de um de seus colegas de universidade que se ofereceu como modelo. Segundo rumores, o colega em questão se disse ultrajado com a obra e rompeu a amizade que tinha com o pintor logo após ver o trabalho concluído.

Uma história pérfida associada a essa obra afirma que o primeiro filho da modelo em questão, um menino, desapareceu quando tinha quatro anos de idade. Não há entretanto como confirmar essa informação e tudo leva a crer que ela não passe de um rumor.

O quadro foi comprado após o desaparecimento de Pickman e permaneceu com um colecionador não identificado até 1967 quando foi adquirido por Noah Chrisholm e passou a fazer parte de sua coleção particular.  

O Doce Presente

Óleo sobre madeira provavelmente executado em 1923

Mais uma obra da coleção "Sacrifício" que cobre uma das primeiras séries temáticas do artista. "O Presente" foi oferecido por Pickman ao seu marchand após uma breve exposição arranjada por ele.

A obra convenceu a socialite Asenath Waite a contratar Pickman para a tarefa de retratá-la em um quadro intitulado Salomé. Pickman teria afirmado que o quadro foi resultado de alguns sonhos "muito vívidos" que ele experimentou na época, traduzido em imagens que remetem novamente a Goya. Pickman não ficou particularmente satisfeito com esse quadro, o que explica tê-lo dado ao seu marchand. Sabe-se que este vendeu a tela em 1933. 

O quadro posteriormente foi adquirido por Noah Crysholm e passou a compor a sua coleção particular de obras assinadas por Pickman. Após sua morte, ela foi negociada pelos herdeiros num leilão fechado em 2004. O novo proprietário que a arrematou permanece anônimo.

Estudo de um Condenado

Óleo sobre tela datado de 1918

Um dos primeiros trabalhos de Pickman ainda como um promissor estudante da Universidade de Minneiska, "Estudo de um Condenado" recebeu o primeiro prêmio em uma mostra de novos talentos. 

Pickman contava que a inspiração para essa obra veio de uma visita a um manicômio em Providence quando ele tinha 11 anos de idade. Alegadamente ele havia sido levado até lá por sua mãe para visitar um tio que havia sido internado. O artista contava que sua mãe o forçou a acompanhá-la para que ele visse como uma pessoa considerada insana vivia. O objetivo era assustar o menino para que ele "não terminasse num lugar como aquele". Ironicamente a mãe de Pickman passou seus dias finais trancafiada em uma instituição semelhante, após um surto esquizóide.

O artista falava pouco sobre sua mãe e não há registros precisos de sua condição mental, ainda que ela realmente tenha sido institucionalizada. Pickman acreditava que a loucura estava entranhada em sua família e que ela era uma espécie de herança de sangue. Para amigos íntimos ele afirmou temer que um dia pudesse manifestar os mesmos sintomas do tio e da mãe.

Essa tela, menos importante que as demais nunca chegou a ser vendida e permaneceu no ateliê de Pickman após seu desparecimento em 1928.    

Modelos

Óleo sobre tela.

Datada de 1927, essa obra perturbadora faz parte do tema "Os Vermes da Terra" revisitado pelo artista uma vez mais. 

Pickman afirmava que a inspiração para essas criaturas grotescas vinha de seus sonhos. Nessa época, seus poucos amigos afirmavam que ele sofria de um acentuado quadro de insônia, o que o levava a andar por horas pelas regiões insalubres de Boston. Naturalmente atraído para lugares desertos, ele costumava se refugiar em casebres em ruínas, velhos moinhos e em mausoléus nos antigos cemitérios coloniais da cidade. Há rumores de que em busca de inspiração ele tenha passado noites em claro vasculhando esses lugares na calada da noite. Alguns detratores do artista diziam que ele havia cedido a um macabro interesse pela morte o que o conduziu a atos temerarios, como violar sepulturas. Muito se falou sobre a estranha coleção de crânios, esqueletos e ossadas que adornavam as prateleiras de seu ateliê. Para alguns rivais, Pickman podia até ser um necrófilo. 

Quando apresentou esse quadro, enigmaticamente intitulado "Modelos", o artista foi sucinto em suas explanações: "Eles são algo que vi em minhas divagações entre a lucidez e o torpor. Vieram posar para mim em uma noite sem lua", disse em certa ocasião quando havia bebido algumas doses a mais de absinto.

Pickman gostava de chocar as pessoas e inventava histórias sobre suas escapadelas para os cemitérios locais. Certa vez se gabou de ter explorado uma cripta onde ossos de gerações eram estocados e montados como esculturas funestas de mórbida beleza. "Eu vi a morte de perto e passei a encarar a corrupção da carne como algo belo", teria dito.

Essa obra desapareceu em 1928 junto com o artista, mas ressurgiu em 1932.  

Os que vivem nas Profundezas

Óleo sobre madeira

Esta é uma obra estranha e que desperta certa controvérsia. Alguns críticos acreditam que constitui uma fraude e que, embora seja assinada por Pickman (com a usual letra "P" no canto direito inferior) ela não foi executada pelo artista. O estilo sem dúvida remete a ele, mas a obra surgiu em 1935, sete anos depois do desaparecimento do artista e supostamente após a sua morte oq ue reforça a hipótese de ter sido criada por um falsificador.

É curioso pois a essa altura Pickman era pouco conhecido e não faria sentido fraude seu estilo para introduzir novas obras de um artista tão obscuro.

O quadro mostrando uma cena medonha em um cemitério parece uma nova apreciação da série "Os Vermes da Terra" com a presença dos grotescos seres apresentados em "Modelos". O quadro foi encontrado em uma galeria de esgoto, próximo ao ateliê que Pickman mantinha na Rua Grimanci.

Um detalhe especialmente macabro nessa obra é que o artista parece figurar não apenas uma, mas duas vezes na pintura. Acredita-se que o cadáver eviscerado no chão seria o próprio Pickman semidevorado pelas criaturas que se fartam de sua carne. Ironicamente, a criança retratada se assemelha sobremaneira ao artista em uma foto de família tirada quando ele tinha 4 anos de idade.

Embora a obra divida opiniões no que diz respeito a autoria, ele é tratado como alguns como a última obra de Richard Pickman executada em algum momento após seu desaparecimento. O título "Os que vivem nas Profundezas" foi sugerido por um antigo colega do artista e acabou sendo adotado oficialmente.

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As obras apresentadas nesse artigo foram concebidas para o episódio quinto da série "O Gabinete de Curiosidades de Guillermo Del Toro".

Elas foram criadas pelos extraordinário artista Vincent Proce, que os concebeu imaginando obras executadas por Richard Pickman. Imagino a dificuldade dele ao tentar trabalhar com algo que pudesse emular o bizarro artista da ficção.

Eu compreendo que as imagens por serem grandes para o formato do Blog acabem estourando os limites da diagramação. Contudo, para permitir uma visão mais detalhada dos detalhes de cada quadro eu preferi manter dessa maneira. 

Os textos que acompanham as imagens são minha interpretação da origem dessas telas e da Galeria do Macabro assinada por Pickman. 

2 comentários:

  1. Os quadros e suas imagens, me trazem a lembrança o caos que o pais vive nos ultimos dias . Nem tudo que parece puro deixa de ser profano e imundo . E nem tudo que se apresenta como demônios macabros deixa de haver razão e motivo para existir. Parabéns por mais uma brilhante postagem.

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  2. Postagem espetacularmente inspirada! Seu texto é soberbo e primoroso. E os detalhes que remetem a outros relatos são a cereja do bolo. Uma grande reverência, seguida de Retumbantes aplausos ao Yellow King!!!

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