quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Rituais de morte 2 - (Mais) Costumes Estranhos aos nossos olhos

E já que houve interesse no artigo sobre Rituais de Morte de vários povos, aqui estão mais cinco estranhos, curiosos e bizarros costumes praticados em várias partes do mundo.

6 - Amputação Ritualística de Dedos


Se a morte não fosse algo traumático e marcante o suficiente, o povo Dani de Papua Ocidental, na Nova Guiné arranjou uma maneira de fazer com que a coisa seja para sempre lembrada.

Quando um homem morre deixando esposa ou filhos, um sacerdote se encarrega de visitar esses parentes com o intuito de amputar alguns de seus dedos. Os dedos devidamente decepados são então atados a um colar feito de cabelo humano entrelaçado e colocado em volta do pescoço do cadáver antes deste ser enterrado. O ritual se refere apenas a mulheres e crianças, como uma forma delas se recordarem para sempre e lamentar a morte de seu parente.

Segundo antropólogos, a prática visa também afastar o espírito do morto que poderia "sentir saudades" de seus parentes e assim querer visitá-los de maneira inoportuna. Tendo uma parte deles no além, o fantasma seria apaziguado e não tentaria fazer nenhum mal aos vivos.

Especialmente hedionda é a maneira como os dedos são amputados. Eles são atados com uma corda feita de cânhamo e apertados até a pele e o osso serem partidos. Ainda pior é o fato do sacerdote decidir baseado na reação da pessoa, quantos dedos devem ser arrancados. Suportar estoicamente a provação resulta em apenas um dedo decepado, mas alguém que grita ou tenta reagir, pode ter vários dedos cortados.

O ritual foi proibido e vem sendo coibido na Nova Guiné, mas o fato de haver muitas pessoas sem dedos nas regiões interioranas do país, comprova que o costume ainda é praticado.    

7. Famadihana

O povo Malagase da Ilha de Madagascar pratica esse ritual há cerca de três séculos, e embora ele venha sendo combatido e condenado igualmente por Igrejas Católicas e seitas islâmicas, ele ainda é amplamente realizado.

O Famadihama remonta a costumes tribais e a crença de que a carne aprisiona o espírito, impedindo assim que este obtenha o descanso eterno. Apenas depois de um determinado período o indivíduo é realmente considerado morto. Os Malagase enterram o falecido e o exumam repetidas vezes para verificar se o espírito ainda habita a carne. Após um período de cinco dias, o cadáver é retirado da terra para participar de uma celebração de dança e música na qual ele é o "convidado de honra". Durante a Famadihama uma pessoa (em geral alguém próximo ao morto) é escolhido e o cadáver é amarrado às suas costas para que ele possa "andar" e "dançar".

Após a celebração, o cadáver retorna para a sepultura onde descansará por outros cinco dias. Se um sacerdote julgar que o espírito ainda está "aprisionado" na carcaça em decomposição, uma nova festividade será realizada em sua honra. Apenas estes sacerdotes podem atestar se o espírito partiu e apenas então a família tem permissão para chorar e lamentar a morte de seu parente.

O ritual tende a ser extremamente animado. As pessoas dançam, cantam, comem e carregam o morto de um lado para o outro... Tudo acontece de maneira muito natural, apesar do fato de haver um cadáver com sinais claros de decomposição no recinto.

Uma vez concluído o ritual, o cadáver é enterrado de uma vez por todas podendo finalmente descansar. Não por acaso a tradução de Famadihama é algo como "A Última Festa".

8 - Totens Mortuários


Os nativos Haida da América do Norte construíam totens celebrando os atributos de animais e elementos da natureza. Esses grandes postes de madeira eram cuidadosamente entalhados com carrancas, pintados e cobertos de símbolos e adornos tribais.

Na crença dos Haida, os espíritos do além eram atraídos para esses totens, e perante eles, um xamã seria capaz de acessar os mistérios do além. Além de ser importante em muitas cerimônias religiosas, os Totens tinham uma função vital nas cerimônias funerárias. Membros da tribo eram enterrados em um fosso comunal cavado aos pés do totem. Por vezes as entranhas eram arrancadas e penduradas no Totem como forma de atrair animais selvagens que faziam o papel de emissários responsáveis por avisar ao mundo espiritual da chegada de um novo habitante.

Contudo, quando um chefe, guerreiro ou sacerdote morria a cerimônia era bem mais intrincada. Os Haida acreditavam que o morto ilustre deveria se unir ao Totem, quase se tornando parte dele. Para isso, a tribo carregava o cadáver até o Totem onde ele era esmagado, surrado e transformado em uma polpa sangrenta pela ação de amigos e parentes usando porretes cerimoniais. O objetivo desse tratamento era fazer com que o corpo ficasse apto a ser encaixado dentro de uma urna funerária mais ou menos do tamanho de uma valise. Para caber nesse compartimento exíguo, ossos eram cerrados, partidos, pulverizados...

Finalizado esse trabalho sanguinolento, a urna era depositada em um nicho escavado num lugar de honra no topo do totem de onde deveria proteger a tribo eternamente.

Missionários no século XVIII que se depararam com esse costume acreditavam que os Haida reservavam o tratamento aos seus inimigos. Não por acaso esse "mal entendido" cultural, fez com que a tribo fosse taxada como uma das mais violentas e abomináveis durante a Conquista do Oeste.  

9. Os Ritos Aborígenes


No Sertão australiano, os aborígenes possuem vários costumes praticados até hoje por tribos que vivem nas mesmas condições que seus antepassados. 

No que diz respeito aos ritos fúnebres, as comunidades aborígenes adotam um curioso costume no qual membros da família do falecido recebem "lembranças" após o funeral. Após a morte de um membro da tribo, o corpo é colocado no alto de uma plataforma de madeira e coberto com folhas e galhos onde ele é deixado para decompor - um processo que pode levar meses. Em alguns casos, o líquido que verte do cadáver em decomposição é recolhido em potes especiais a fim de que essa substância seja esfregada na pele de jovens para transferir as boas qualidades do falecido. Quando o corpo está suficientemente decomposto, os ossos são cuidadosamente retirados e pintados com a seiva de uma raiz de coloração vermelha. O que restou é depositado em uma caverna ou num tronco oco.

A parte curiosa é que os ossos devidamente tingidos de vermelho são compartilhados entre os parentes e amigos próximos do falecido para serem usados como adornos. Com as peças, eles confeccionam braceletes, amuletos, brincos e colares para serem usados com respeito e distinção. O princípio é que as pessoas próximas ao falecido tem uma lembrança bem próxima do morto, algo que podem carregar no dia a dia para lembrar dele. 

Curiosamente, o período de luto dos aborígenes compreende um ano. Durante esse período eles evitam citar o nome do morto, pois mencioná-lo em voz alta pode fazer com que ele acorde e evitam dividir quaisquer bens que ele tenha deixado. Há ainda uma série de proibições que devem ser guardadas nesse período como forma de demonstrar respeito e tristeza. 

Ao final desse prazo de um ano, os ossos são pulverizados e depositados em potes a serem enterrados. Com isso se encerra o luto e o tabu de dizer o nome ou dividir os bens é suspenso.   

10. Funeral no Zoroastrismo 


O Zoroastrismo é uma religião que surgiu na Pérsia no século VI e se espalhou por várias regiões da Ásia, sendo praticada até os dias atuais, sobretudo na Índia.

As crenças professadas pelos zoroastristas incluem diversos tabus e princípios extremamente intrincados. Uma das crenças mais importantes é que cadáveres são impuros e corrompem tudo aquilo que tocam, sejam roupas, pessoas, a água ou o próprio solo - até mesmo o fogo pode ser conspurcado se for ateado para queimar um corpo. Dessa forma é extremamente difícil dispor dos cadáveres. Para esse fim, existe uma série de rituais que precisam ser cuidadosamente observados.

O funeral se inicia com o cadáver sendo lavado com a urina de um touro (algo que é feito por um membro especialmente treinado da comunidade). Uma vez "limpo", o corpo é depositado em uma espécie de altar de pedra iluminado por uma fogueira para ser inspecionado por um "Saglid". Esse é um cão, que segundo a crença é capaz de farejar a presença de maus espíritos capazes de se alojar nos restos mortais. O Saglid seria capaz de detectar qualquer impureza presente, o que tornaria necessário lavar novamente o corpo até ele estar purificado. O cão é trazido no mínimo cinco vezes ao longo de três dias. Apenas depois disso, o cadáver pode ser levado (à luz do sol) para um prédio funerário.      

Chamada de Dhakma, ou Torre do Silêncio, essas construções são erguidas em partes afastadas das cidades por razões óbvias. A Torre do Silêncio é considerada como um lugar sagrado, cujas portas só se abrem durante o dia e onde apenas algumas pessoas podem adentrar. No topo do prédio há três círculos concêntricos onde se distingue um espaço para homens, mulheres e crianças. Os corpos são trazidos para o círculo correto, despidos (com o uso de pinças a fim de evitar qualquer contato) e deixados ali expostos aos elementos. Não demora muito até o cheiro atrair abutres que irão arrancar a carne e se alimentar dos cadáveres em um verdadeiro banquete. A exposição constante ao sol faz com que os ossos sejam ressecados e a chuva os lava de qualquer resquício de carne - em um processo que pode demorar algumas semanas. Uma vez limpos, os ossos são finalmente recolhidos e depositados em uma caverna abaixo da torre, o astodan, que preserva os restos mortais. 

Para o zoroastrismo, as almas dos mortos só podem atingir o outro mundo quando todos esses rituais forem concluídos, só então eles poderão aparecer diante de suas divindades para serem julgados. Durante a ocupação britânica na Índia entre o século XVIII e XX, houve tentativas de banir esse costume - por considerar entre outras coisas, uma questão de saúde pública. A tentativa quase resultou em uma revolta popular. 

As Torres do Silêncio ainda existem hoje em dia e em seu interior são praticados os mesmos rituais.

2 comentários:

  1. Luciano, há algum tempo atrás, eu vi uma matéria numa revista que descrevia um ritual feito por índios aqui mesmo do Brasil: Uma velha carregava os gravetos que seriam a sua própria mortalha. Depois de montar uma estrutura parecida com um cone de madeira, ela era colocada dentro dela, aí eu não me lembro se esperavam ela morrer ou se a matavam, depois de morta, ela era queimada e as cinzas depois eram aspiradas pelos parentes e amigos com o auxílio de cachimbos específicos para essa finalidade.

    No fundo, todas essas formas de tratamento dos cadáveres tem a ver com a concepção cultural da morte de cada povo. Como você diz com precisão no título, estes rituais são estranhos AOS NOSSOS OLHOS, pois damos um tratamento diferente aos mortos. Para estes povos, há toda uma estrutura de motivos para estes comportamentos.

    Nesse momento me vem a mente o romance "O Guarani", onde José de Alencar faz uma descrição romântica do ritual de canibalismo, acentuando a idéia das qualidades do morto comido passarem para seus comensais. É passada a idéia de que ser devorado pelos inimigos é sinal de reconhecimento de coragem e valor. Cadáveres de inimigos fracos ou covardes seriam descartados.

    Enfim, são tantos os rituais funerários no mundo, que se você se propor a abarcar todos, passará todo o ano de 2014 só falando neles!

    Mas voltando ao tema do blog, que é Mythos de Cthulhu, vários destes rituais podem ser utilizados para explicar influência de ghouls, mi-gos, cultistas de Cthulhu, Shub-Niggurath, até mesmo os Elders... Que tal um post com sugestões?

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  2. Todas essas formas diferentes de lidar com a morte são extremamente interessantes! Afinal, trata-se de um aspecto da natureza que afeta profundamente a psique humana, e a forma como culturas diferentes lidam com ele evidencia os diversos valores sustentados por cada sociedade.

    A ideia do comentário anterior de relacionar os rituais com o Mythos também é bastante interessante. Particularmente, num cenário envolvendo um choque cultural entre os pesquisadores e uma comunidade ou tribo de uma região remota do globo, usaria desses estranhos rituais para reforçar a atmosfera de estranheza e levantar suspeitas, que podem ou não ser confirmadas durante a resolução da aventura.

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