sábado, 12 de março de 2022

A Pata de Elefante - O monstro nascido em Chernobyl


Um monstro nasceu após o desastre na Usina Nuclear de Chernobyl

Espreitando nas profundezas das ruínas do reator, esse monstro é uma das coisas mais perigosas no mundo. Nos momentos que se seguiram ao derretimento, ficar 5 minutos na sua presença, a uma distância de menos de 20 metros causava morte certa. Imagine seu corpo sendo atravessado por 10 mil roentgen por hora, sua carne sendo corrompida, seus ossos, tecidos e órgãos bombardeados com o equivalente a centenas de raios X por segundo. 

Em poucos instantes seu corpo iria se rebelar contra essa dose maciça de energia nociva, você iria gritar e gritar a medida que as suas células perdessem a coesão, se desfazendo. Sua pele iria derreter rapidamente, seus ossos se tornariam quebradiços como giz e seus órgãos entrariam todos em múltipla falência. Fluidos seriam expelidos para fora de seu corpo e você tarde demais perceberia que estava vomitando seus pulmões, fígado, rins, baço... a morte viria rápido, mas de uma forma dolorosa e inacreditável. Em segundos, seu corpo seria uma massa informe, como uma pasta borbulhante e gotejante.  

O poder desse monstro é tamanho que mesmo hoje, 33 anos depois do incidente, ele ainda emana calor e pode matar. Seu poder diminuiu, mas ele ainda pode ser letal.


O desastre de Chernobyl, foi o maior e mais grave acidente nuclear da história. Ele ocorreu à 1:23 da madrugada de 26 de abril de 1986, quando combustível nuclear extremamente aquecido foi mergulhado em água fria, gerando uma quantidade colossal de vapor que - por conta das falhas do equipamento, criou uma reação em cadeia inimaginável no reator número 4. O resultado foi uma imensa explosão que deslocou a placa de proteção do reator, que pesava mais de mil toneladas. Uma vez arrancada de sua posição, nada protegia o maquinário que ficou escancarado, liberando radiação pura na atmosfera e cortando o fluxo de água que deveria resfriar o reator. Poucos segundos depois, uma segunda explosão ainda maior que a primeira destruiu o que restava do prédio e lançou fragmentos de grafite e partes do equipamento em toda estrutura, responsáveis por iniciar incêndios isolados.

O pânico foi imediato! Os técnicos, operários e engenheiros que ironicamente estavam realizando um teste de segurança correram para verificar os danos causados. Temiam que o reator pudesse ter sido danificado, mal podiam imaginar que ele simplesmente não existia mais! No seu lugar, havia uma cratera fumegante de onde emanava radiação como jamais havia sido registrada na história. O equivalente a várias bombas de Hiroshima por minuto.           

Depois que os incêndios causados pelo material nuclear foram controlados por bombeiros, estes começaram a descobrir o perigo invisível do reator. Os fragmentos eram tão perigosos que a mera exposição se provaria mortal. Para piorar, muitos bombeiros manipularam os fragmentos radioativos sem saber que aquelas pedras escuras iriam matá-los nos dias seguintes. Alguns sofreram queimaduras que atravessavam seus trajes de proteção. As luvas de borracha simplesmente derretiam, assim como as máscaras com mangueiras de ar. Alguns passaram a vomitar jatos de sangue, os olhos ardiam, a pele coçava e os cabelos caíam.

Eles haviam tocado na morte e os que receberam a maior carga tiveram sorte pois morreriam em poucas horas. Os outros, sofreriam por dias ou mesmo semanas, um fim doloroso e agonizante em leitos de hospital. A dose recebida era tão alta que os trajes, descartados no porão do hospital de Prypiat, continuam irradiando energia até hoje - e continuarão assim por décadas.


Os técnicos ainda tentavam entender o que havia acontecido e conscientes da radiação a que haviam sido expostos se resignavam com o que lhes esperava. As emanações tóxicas de Chernobyl com certeza os condenaria a morte ou a doença. Alguns tentavam escapar do cenário caótico, outros buscavam uma solução, incrédulos diante da tragédia que haviam liberado no mundo.

O gênio do Horror Atômico havia saído da garrafa e dificilmente conseguiriam colocá-lo de volta.

Nas semanas que se seguiram, o mundo segurou sua respiração e atônito assistiu os esforços dos soviéticos de conter a tragédia que haviam deflagrado. Sacrifícios foram feitos e apenas um comprometimento completo com o bem maior conseguiu conter o envenenamento do leito do rio e a consequente disseminação do veneno radioativo pela Europa. O custo humano e ecológico, no entanto foi incalculável.  

Mas embora o pior tenha sido evitado, algo aterrorizante começou a se formar nas entranhas da Usina devastada. O concreto por baixo do reator começou a se desfazer graças ao calor colossal que dele ainda emanava. Os restos derretidos do reator, transformados em lava super-incandescente  começaram a escorrer através do piso de concreto e foram cair no porão da unidade 4. Lá ele se solidificou em uma espetacular forma cristalina que recebeu o nome de "chernobilita".

Esse foi o monstro gestado no coração do reator. Como um bebê recém nascido, ele escorreu para fora do ventre profano onde se formou indo se aninhar na escuridão.   


Com a ajuda de aparelhos de controle remoto, essa massa intensamente radioativa foi localizada meses depois. Dela emanava tanta radiação que a primeira câmera içada derreteu e parou de transmitir mostrando apenas uma silhueta da coisa blasfema medindo dois metros de comprimento e pesando algumas centenas de toneladas. Sua aparência enrugada e coloração acinzentada lhe valeram um apelido instantâneo: "Pata de Elefante".

A coisa se tornou uma massa solidificada de combustível nuclear misturado a concreto, areia, grafite e selante. Ela escorreu através do concreto, como se fosse óleo quente atravessando uma toalha de papel, fazendo nela buraco. Encontrou seu caminho gotejando, assumindo uma forma amorfa. Em 1986, o nível de radiação da Pata de Elefante era tão intenso que se aproximar dela ocasionava a descrição acima. 

A primeira fotografia tirada da Pata de Elefante foi feita apenas 10 anos depois do desastre e naquela ocasião a massa ainda emitia 1/10 da radiação original. Pouco mais de 8 minutos em sua presença poderia ser muito perigoso. As imagens da Pata de Elefante, como a que emoldura esse artigo, possuem uma qualidade inferior já que a exposição a essa quantidade de radiação causa uma granulação no filme e efeitos luminosos.

Em maio de 1986, um sarcófago começou a ser construído - uma gigantesca estrutura de concreto armado para selar as ruínas do prédio e isolar a Pata de Elefante para sempre. Assim o mundo poderia respirar aliviado, sabendo que a coisa mais mortal jamais criada pelo homem ficaria contida nesse "berço".


Entretanto o Sarcófago de Chernobyl não foi totalmente vedado e alguns acessos foram mantidos para que pesquisadores pudessem estudar a massa radioativa e compreender seu significado. Alguns chegaram a ficar lado a lado com ela, usando trajes protetores, mas mesmo assim apenas por poucos segundos. Arriscar-se mais que alguns minutos poderia ser uma experiência mortal.

O conteúdo do Sarcófago de Chernobyl ficará ativo por pelo menos 100,000 anos, um duradouro lembrete do terror nuclear cuja tragédia afetou a vida de mais de 7 milhões de pessoas e matou milhares. Até os dias de hoje, partes da Ucrânia, Biolorússia e Rússia sofrem com os efeitos da radiação disseminada e seus efeitos ainda serão sentidos por gerações.

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