A mitologia eslava é rica em histórias e lendas impressionantes, mas nenhuma divindade da região é mais fascinante e ao mesmo tempo aterrorizante do que Chernobog, o Deus Negro.
Chernobog ou Czernobog, também conhecido como Crnoglav, Chernabog e Tchernobog, foi uma divindade de grande importância e influência entre os povos primitivos da Rússia, Ucrânia, Polônia e das nações Bálticas. Ele era considerado como o lado escuro da casualidade, o azar e a fatalidade, o terror da noite e a tragédia que aflige aos homens e mulheres mortais. A mão negra de Chernobog tocava cada mortal ao menos uma vez e quando tal coisa acontecia a existência das pessoas era drasticamente afetada. Segundo algumas interpretações, Chernobog não seria apenas o patrono das fatalidades, mas o causador delas... o que faz dele, um Deus Maligno que se dedica a promover o infortúnio.
É curioso, pois não há informações suficientes para saber se o Deus Negro um dia teve um culto ou mesmo, se ele chegou a ser venerado. É provável, no entanto, que se tal coisa ocorria, se dava muito mais por medo e respeito do que por real devoção. Isso por que Chernobog não demonstrava qualquer interesse pela vida dos mortais e não se importava em exterminar e destruir tanto homens quanto animais, suas cidades e vilarejos, seu trabalho e suas realizações. De fato, Chernobog podia apenas ser aplacado, jamais banido ou afastado. Estudiosos acreditam que o Deus Negro recebia sacrifícios e oferendas para conter sua ira. Grãos, comida, animais e vidas humanas, seriam as ofertas mais comuns fornecidas regularmente.
Outro elemento curioso é que segundo o folclore eslavo, Chernobog mantinha um equilíbrio de forças com seu irmão, Belbog, sua contraparte iluminada. Como inverso direto, Belbog era uma espécie de Deus benevolente, que garantia a felicidade, alegria e a vida. Há indícios de que Belbog gozava da devoção das tribos eslavas que pediam sua proteção e vestiam seu símbolo como uma forma de obter seu favor. Para a religião eslava, o equilíbrio era extremamente necessário, pois a vida não podia ser aproveitada em sua plenitude sem o risco de fracasso. Quando Chernobog e seu irmão, Belbog se enfrentavam, ocorria uma disputa na qual nunca havia um vencedor, pois isso causaria uma desarmonia cósmica.
Acredita-se que o reinado de Chernobog estava relacionado a metade do ano, começando no Solstício de Inverno e durando até o Solstício de Verão, quando a graça de Belbog voltava a prevalecer. A noite que marcava o solstício invernal era tida como o mais importante do ano, quando os deuses se enfrentavam nos céus e os mortais respiravam fundo, esperando que o dia amanhecesse. Se por algum acaso, o sol não surgisse o mundo estaria condenado a destruição pois o equilíbrio teria sido rompido com a vitória de Chernobog.
Infelizmente, os povos eslavos, deixaram poucos registros sobre suas divindades e muito do que sabemos à respeito delas veio através de cronistas cristãos que tentavam catequisar as tribos locais. O manuscrito mais antigo que menciona Chernobog, o Chronica Slavorum data do século XII e foi escrito por um padre alemão chamado Helmold.
Ele escreveu:
"Os eslavos têm uma estranha ilusão divina. Em suas festas e reuniões, eles passam em torno de uma tigela sobre a qual pronunciam palavras, não devo dizer de consagração, mas de execração, em nome de [dois] deuses - do bom e do mau - professando que toda sorte propícia é arranjada pelo deus bom, enquanto tudo de ruim, decorre do deus mau. Por isso, também, em sua língua, eles chamam o deus mau Chernobob, isto é, o Deus Negro."
É preciso, no entanto, lembrar que os primeiros visitantes cristãos que estiveram no Leste europeu tinham uma visão enviesada dos costumes alheios e principalmente sobre os deuses desses povos. Não demorou muito para que Chernobog fosse visto como uma manifestação de Lúcifer e do mal em estado puro. Nesse ínterim ele passou a ser considerado como o causador das aflições, tentações e provações enfrentadas pelos mortais, causador direto da doença e fome, guerras e por fim, da morte.
No século XVI, o cronista pomerano Thomas Kantzow em sua Crônica da Pomerânia escreveu à respeito do Deus Negro e dos povos eslavos:
"Eu relatei todo tipo de infidelidade e idolatria, em que eles se envolveram antes do tempo do Império Alemão. Mais cedo ainda, dizem que seus caminhos eram ainda mais pagãos. Eles colocaram seus reis e senhores, que governavam acima dos deuses e honraram os ditos homens [como deuses] após sua morte. Além disso, adoravam o sol e a lua e, por último, dois deuses que veneravam acima de todos os outros deuses. Um eles chamaram de Bialbug, que é o deus branco; ele eles consideravam um deus bom. O outro [chamaram] Zernebug, que é o deus negro; ele o consideravam como um deus mal. Portanto, eles honraram Bialbug, porque ele promovia o bem. Zernebug, por outro lado, eles honraram para que ele não os prejudicasse. E eles apaziguaram o dito Zernebug sacrificando pessoas, pois acreditavam que não havia melhor maneira de aplacá-lo do que com sangue humano. Segundo suas crenças Zernebug não busca nada além do morte do corpo e da alma do homem."
Não há como corroborar essas palavras, mas sabe-se que no século XVI, a maior parte do Leste Europeu já estava sob o domínio da religião cristã. Mesmo nas regiões mais isoladas, as tradições pagãs haviam sido suprimidas até a extinção então talvez esse trecho se refira a costumes muito anteriores ou em franca decadência.
Há uma menção sobre Chernobog ainda em um texto de meados de 1580, o História dos Caminenses, afirmando que ele seria o Deus dos Vândalos, povo que invadiu e conquistou Roma. Seus seguidores eram adeptos de causar destruição, espalhar a miséria e pilhar o que estivesse em seu caminho. O texto menciona também que os seguidores do Deus Negro realizavam sacrifícios em seu nome, decepando ou mutilando as vitimas por eles escolhidas.
Chernog é um dos deuses ctônicos, ou seja, relacionado intimamente a morte e destruição e que habita os recessos de um submundo. Sua morada segundo lendas seria o interior de uma enorme montanha onde ele reside solitário em meio a ataques de cólera e raiva cega. Alguns supunham que essa montanha poderia ficar na região da Alta Lusácia (no Leste da Alemanha), onde estão as montanhas gêmeas de Czorneboh e Bieleboh nomes muito próximo às divindades. Quando a terra tremia as pessoas aflitas culpavam o Deus em seu frenesi violento e temiam tocar o chão pois imaginavam que ele podia localizar onde estavam de pé. Os domínios do Deus eram imersos em escuridão total, sem luz ou calor, apenas uma escuridão interminável na qual era impossível ver qualquer coisa: "Os homens ficavam cegos no interior de sua morada". Não por acaso, o local era evitado e ninguém ia até lá.
O Deus em eras primevas era representado como um homem envelhecido mas com cabelos e barba negros, compleição sombria e olhos igualmente profundos. Em algumas representações supostamente traria na cabeça uma coroa, mas é possível que tal imagem seja mais modernas, assim como um traje preto com arremates de osso. Em uma mão carregava um bastão que diziam servir para misturar os ossos dos mortos em seus caixões, seu toque também revivia os cadáveres e compelia os corvos a servi-lo. Aos seus pés havia toda sorte de ser vivo rastejando e se contorcendo de horror diante da sua presença.
As representações posteriores foram mais longe ao retratar Chernobog com feições condizentes com o demônio cristão. Assim, ele ganhou chifres, asas de morcego, dentes pontiagudos e garras afiadas que lembravam o diabo medieval com o qual passou a ser associado. Um cheiro de enxofre também o acompanhava anunciando sua presença nefasta.
Apesar da sua obscura origem, Chernobog passou a receber certo grau de atenção do final do século XIX em diante. Ele foi personagem central em diversas obras, como a ópera Mlada de Nikolai Rimsky-Korsakov e o trecho "A Night on the Bald Mountain" do desenho Fantasia de Walt Disney. Seu nome ou forma também deram inspiração para vários personagens de games e quadrinhos. Mais recentemente, Chernabog figurou como personagem na série American Gods de Neil Gaiman.
Ironicamente, o Deus Negro é hoje uma das divindades antigas mais conhecidas da Cultura Eslava.
Não encontrei onde enviar, então estou postando essa sugestão de artigo aqui: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/alvo-de-lenda-pedra-que-guardaria-entidade-maligna-se-rompe-no-japao.phtml
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