sexta-feira, 4 de outubro de 2019

O Mistério do Bote nos Limites da Terra


Há lugares em nosso mundo que se encontram além dos confins da civilização, existindo muito além de nossa percepção e dos nossos olhos. São recantos que desconhecem pés humanos, territórios selvagens jamais mapeados que continuam iguais ao longo das eras e que parecem se ressentir de qualquer invasor, como se não desejassem nossa presença.

Nestes lugares remotos, nos limites da Terra, repousam mistérios e enigmas que desafiam nossas tentativas de compreender seu significado. Um destes mistérios envolve um estranho bote, largado e perdido em um dos menos explorados pontos de nosso planeta.

No extremo sul do mundo, em meio a um dos mais inóspitos e remotos lugares da Terra encontramos um lugar conhecido como Ilha Bouvet. Localizada a aproximadamente 1700 quilômetros ao norte da Costa da Terra da Rainha Maud, na Antártida. O lugar não é habitado, o vento sopra feroz, carregando fragmentos de gelo que mantém a ilha de origem vulcânica coberta de uma neblina densa e congelante. Aos olhos de qualquer pessoa ele parece a superfície de um mundo alienígena opressivo, insalubre e extremamente agressivo. Ainda assim, pessoas foram até lá.


Descoberta em 1739 pelo navegador francês Jean-Baptiste Charles Bouvet de Lozier, a ilha recebeu visitas esporádicas que contemplaram o ambiente fustigado por tempestades de neve e ventania. Não encontraram nada que pudesse ser aproveitado, por isso a ilha permaneceu intocada ganhando um status quase mítico. Alguns exploradores que a buscaram falharam e por isso muitos passaram a duvidar de sua própria existência. Ela foi procurada em latitudes equivocadas até que finalmente uma expedição de mapeamento a situou corretamente em 1898

Estes exploradores pioneiros a viram apenas através de lunetas e binóculos. A Ilha não era mais do que um amontoado de rochas escuras formando enormes precipícios que desafiavam as ondas geladas. Com seus quatro quilômetros quadrados, Bouvet emerge como um tipo de Deus Marinho em meio a um mar tenebroso. De fato, as condições eram tão selvagens para a aproximação, com seus rochedos e despenhadeiros, que fazê-lo, se mostrava uma impossibilidade.

Em face de sua natureza agressiva, ninguém conseguia desembarcar oficialmente na Ilha Bouvet até 1927, quando um navio de pesquisa norueguês, o Norvegia encontrou uma estreita brecha encravada entre rochedos para descer alguns homens liderados por Harald Horntvedt. Só então aquela Terra Selvagem foi reclamada e batizada Bouvetoya, embora ela tenha sido reivindicada pelos britânicos anteriormente. A expedição não ficou em terra por muito tempo, apenas o bastante para fincar uma bandeira já que era quase impossível vencer os paredões de pedra sem realizar uma arriscada escalada. Eles tentaram montar um acampamento, mas uma colônia de agressivos elefantes marinhos os expulsou.


Foi somente em 1964 que uma expedição conjunta sul-africana e britânica capitaneada pelo navio britânico USS Protector superou as dificuldades e atingiu o interior com uma equipe de sondagem. A expedição dispunha de um helicóptero que carregou os exploradores até o interior, vencendo o perigoso paredão até então intransponível. Foi durante essa incursão que descobriu-se algo completamente anormal.

A medida que avançava pelo ambiente pedregoso, o time vislumbrou uma lagoa rasa de água salgada cercada por rochedos ingrimes. Em uma das margens avistaram algo improvável que foi descrito como um "típico bote salva-vidas de baleeiro". O bote de madeira estava avariado e meio afundado, sem sinal de presença humana embora alguns poucos restos de equipamento como cordames, um balde amassado e destroços de madeira estivessem espalhados ao seu redor. Os exploradores trocaram olhares confusos, uma vez que não havia como o bote ter chegado até ali passando pelos rochedos a não ser que carregado, o que todos concordavam, seria virtualmente impossível. 

Ainda assim, ele estava lá, desafiando todas as conjecturas.

Não havia nenhuma marca de reconhecimento ou nome no bote, nada que pudesse identificar a sua nacionalidade ou a quanto tempo ele estava lá. Uma busca pelo terreno não revelou qualquer informação que pudesse ajudar a desvendar o mistério. O bote pertencia obviamente a uma embarcação maior, ele não dispunha de motor, mastro ou velas, dependendo apenas de um par de remos que estavam meio afundados na água. A rota de comércio ou de pesca de baleia mais próxima se encontrava a pelo menos mil milhas daquele ponto e nada justificaria a presença do bote ali a não ser que um navio tivesse sido abandonado e ele navegado à deriva. Contudo, persistia a questão de como ele teria chegado ao lago cercado por rochedos intransponíveis?

Na ocasião a expedição não foi capaz de realizar muita investigação a respeito do enigma já que o clima severo os forçou a montar acampamento. Na manhã seguinte, o grupo continuou nas proximidades recolhendo amostras de pedras e conchas. Também mapearam o interior da ilha, mas a questão a respeito do estranho bote salva-vidas continuava martelando em suas cabeças. Sem estabelecer uma solução eles partiram.


Dois anos se passaram e uma nova expedição visitou a Ilha Bouvet. A equipe formada por norte-americanos foi avisada a respeito da descoberta do bote e esperava solucionar o enigma, contudo algo inesperado aconteceu. Quando a equipe chegou ao lago interno o bote salva-vidas não estava mais lá, havia desaparecido como se jamais tivesse existido. A expedição chegou a mergulhar e esquadrinhar o fundo do lago, mas para surpresa geral, não o encontraram. Embora, ao explorar uma das margens do lago, o grupo tenha achado um remo abandonado, aquilo foi tudo a ser descoberto. Se não fosse pelas fotos tiradas pela expedição anterior, a história toda poderia ser considerada como uma grande farsa.

Para onde o bote pode ter ido? Como ele apareceu em primeiro lugar e como ele teria desaparecido posteriormente? 

Alguns estudiosos ofereceram teorias a respeito do incidente, mas nenhuma delas suficientemente satisfatórias para resolver o enigma. Considerando que não haviam restos humanos ou qualquer sinal de um acampamento nas proximidades, seria razoável supor que o bote estaria abandonado à deriva. Também é possível supor que ele chegou à Ilha Bouvert carregado por uma forte tempestade. Isso não seria inteiramente incomum já que a história náutica já registrou o aparecimento de botes à deriva há milhares de milhas do lugar onde eles foram largados.

Contudo, resta a questão dos rochedos que seriam um obstáculo praticamente intransponível e que terminariam por esmagar o bote se este fosse lançado contra o paredão. Seria possível que uma tempestade pudesse erguer um bote pesado de madeira e fazer com que ele fosse jogado por cima de um paredão de 20 metros? E mais, quais seriam as chances desse mesmo bote aterrizar perfeitamente dentro de um lago interno e não se despedaçar na queda? Os exploradores que encontraram o bote foram unânimes em afirmar que ele não apresentava danos estruturais e que se fosse devidamente removido da lagoa poderia flutuar novamente. Além disso, os remos que estavam dentro do bote pareciam também em perfeito estado, pousados no costado como se tivessem acabado de ser usados por tripulantes. Se ele tivesse sido arremessado violentamente daquela maneira seria mais provável que os remos ao menos tivessem se soltado.


Tornando tudo ainda mais misterioso não existe qualquer registro de embarcações baleeiras ou mercantes passando pela região entre os anos de 1955 e 1964 e que pudessem ter perdido um bote salva-vidas daquele tipo. Isso nos leva a considerar que ele possa ser mais antigo, talvez abandonado ali há séculos. Mas então, se esse é o caso, seria uma enorme coincidência ter desaparecido apenas dois anos depois sem deixar vestígios, exceto por um remo descartado na margem. Ademais, como ele desapareceu para começo de conversa?

Em 2015 surgiu uma suspeita de que o misterioso bote salva-vidas poderia ter vindo de uma expedição russa na década de 1950. No ano de 1958 a frota baleeira Slava Antártica comandada por Ivan Nosenko passou pelas proximidades da Ilha Bouvet. Alegadamente eles teriam tentado uma aproximação da ilha com o intuito de montar uma estação climatológica em terra. Considerando que uma operação dessa natureza seria altamente sigilosa, faz sentido considerar que ela não teria sido registrada oficialmente. No entanto, existem pouquíssimas evidências para provar que a expedição conseguiu chegar à costa e investigar o interior da ilha. Além disso, essa explicação responde apenas parcialmente as questões levantadas. Ainda que a missão soviética tenha estado na ilha, como ela teria conseguido deixar o bote na lagoa?

No fim das contas, ficamos sem uma explicação razoável para o caso e aparentemente essa solução jamais será conhecida. O mais provável é que apenas a tripulação original e os elefantes marinhos saibam ao certo, e que a verdade permaneça congelada para sempre num dos ambientes mais inclementes do planeta.

6 comentários:

  1. Fantástico! Mas eu queria muito a parte 2 da Gênese de Lovecraft, King. ;-;

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  2. Eu ADORO esse site, sempre que volto aqui e saio enriquecido, Obrigado por existir Luciano!

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  3. Mais um grande mistério da Antártica. Em um lugar inóspito com este muita coisa a se pensar1

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  4. A respeito da teoria do baleeiro russo, acredito que de alguma forma eles podem ter conseguido escalar o paredão e depois içarem o bote para não perdê-lo em uma tempestade, talvez. Agora ele sumir é que foi estranho. Parabéns pelo blog!

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