sábado, 2 de novembro de 2019

O Machado Sangrento - A Onda de crimes que aterrorizou Nova Orleans



A história está repleta de misteriosos assassinos que agem na calada da noite e cuja identidade jamais é descoberta. Esses criminosos parecem se materializar direto de pesadelos, para atacar das sombras e lançar terror no coração das pessoas. Esses enigmáticos monstros parecem vir de lugar nenhum para invadir nossas cidades e mesmo nossas casas, capturando-nos em um medo paralisante. E quando concluem seu trabalho sangrento, simplesmente desaparecem novamente deixando para trás vítimas e perguntas que nem sempre são respondidas. 

O mais famoso desses espectros malignos, sem dúvida foi o sanguinário Jack, o estripador que assombrou Londres no final do século XIX. Mas nem de longe ele foi o único a deixar um legado sombrio após sua passagem. De fato, um dos mais persistentes e brutais assassinos do século XX não é tão conhecido, mas os seus feitos assombrosos causaram enorme comoção na América dos anos 1920. Com um furor assassino que teve duração de 2 anos , essa figura semeou o terror na cidade de Nova Orleans, na Louisiana. Seu reinado de terror foi tamanho que as pessoas na cidade temiam pelo pior, trancava-se em casa e compravam armas para se defender desse inoportuno visitante noturno. Alguns, no entanto, afirmavam que nada daquilo adiantava, pois o matador teria ao seu dispor poderes diabólicos, usados para lhe garantir força sobre-humana, além é claro, invisibilidade que lhe permitia ir e vir conforme desejasse. Seus crimes se tornaram lendários, com uma aura quase mítica de mistério indecifrável que permanece sem solução até hoje. 


O reinado de terror da misteriosa figura que ficaria conhecida como "O Homem do Machado" (The Axeman) começou na noite de 22 de maio de 1918, quando Jake e Andrew Maggio, foram alertados pelo que pareciam ser murmúrios de uma pessoa vindos do quarto adjacente, onde seu irmão Joseph Maggio e a esposa, Catherine estavam dormindo. Os dois irmãos ficaram preocupados e levantaram para investigar o que estaria acontecendo. Bateram na porta, mas não houve qualquer resposta. Os dois perceberam momentos depois que a porta da cozinha da casa havia sido cuidadosamente arrombada. Realmente preocupados os dois voltaram a porta e decidiram derrubá-la. Lá dentro, se depararam com uma descoberta aterradora.

O quarto parecia ter sido inteiramente tingido de vermelho - a cama e lençóis, os armários, as paredes e o chão, nada havia escapado incólume. Encontraram o irmão Joseph ainda vivo, mas sangrando em profusão de vários ferimentos direcionados na cabeça. Ao seu lado estava Catherine, que já não se encontrava com vida. Ela havia sido morta por dezenas de golpes violentos que por pouco não seccionaram seu tronco.  

Joseph tentou falar alguma coisa para seus irmãos, mas estes não conseguiram entender o que ele dizia. Quando um médico enfim foi chamado, ele já estava morto pela perda maciça de sangue. A polícia também foi chamada imediatamente . Um exame rápido dos detetives apurou que Catherine havia sido morta com um corte profundo na garganta que quase a decapitou, em seguida, sua face foi golpeada repetidas vezes até ser completamente desfigurada. Joseph recebeu três ferimentos na face, um deles tendo deixado um profundo sulco diagonal em seu rosto. A suspeita inicial de que havia sido uma arma pesada se confirmou quando um dos detetives localizou um machado ensanguentado enrolado em uma camisa que pertencia a Joseph no banheiro. Ali estavam também várias roupas que aparentemente pertenciam ao assassino que decidiu trocar de roupa evitando deixar o local coberto de sangue. Uma navalha também foi encontrada na pia do banheiro.

Um retrato do que havia acontecido começou a se desenhar rapidamente. Foi deduzido que o assassino arrombou a porta usando um formão e um martelo para remover a porta em painel e entrar na casa. Uma vez lá dentro, ele se moveu sorrateiramente sem despertar as pessoas na casa, atacando violentamente o casal enquanto este dormia. Os golpes com o machado deixaram Jospeh e Catherine sem reação. Em seguida, ele usou a navalha para cortar a garganta de Catherine de uma orelha a outra. Os dois receberam então mais uma sucessão de golpes direcionados na cabeça com intento de matá-los de uma vez por todas. O legista posteriormente contou que Joseph recebeu um total de 5 ataques enquanto que Catherine somou 9 golpes de machado.

Nas proximidades da casa, os detetives encontraram outra pista bizarra; uma mensagem rabiscada com giz similar a uma caligrafia infantil. As palavras escritas no muro diziam o seguinte:

"Sra. Maggio irá sentar-se essa noite da mesma forma que o Sr. Toney"

Ninguém foi capaz de entender quem poderia cometer tamanha brutalidade contra o casal. Os dois eram jovens e bem quistos na vizinhança, um casal no início de sua vida. Ninguém conseguiu decifrar o que significava a estranha frase, não havia nenhuma "Sra. Toney" na vizinhança e ninguém soube dizer a quem a mensagem poderia se referir. Roubo também não parecia ser a motivação para o crime, já que a carteira de Joseph e a caixa de jóias de Catherine permaneceram intocadas. Os detetives concluíram que a intenção única do assassino era matar suas vítimas e deixar o local sem ser visto.

Os irmãos que ocupavam o quarto ao lado afirmaram ter chegado da rua pouco antes da meia noite e que não ouviram nada de estranho. Eles usaram a porta da frente e por isso não perceberam que a porta da cozinha havia sido arrombada. Também não perceberam qualquer ruído ou movimento suspeito.

O primeiro suspeito do assassinato foi exatamente o irmão mais velho do falecido, Andrew Maggio. A suspeita principal recaiu sobre ele depois que descobriu-se que a navalha usada para cortar a garganta de Catherine pertencia a ele. Andrew se defendeu dizendo que a navalha de fato era dele, mas que o instrumento, usado em sua profissão de barbeiro ficava no banheiro e poderia ter sido facilmente encontrado pelo assassino quando este vasculhava a casa. A postura fria de Andrew, mesmo depois da descoberta dos corpos, também depunha contra ele. O suspeito contou que estava na cidade celebrando seu último dia de folga antes de se juntar à Marinha para lutar na Grande Guerra. Ele contou ter bebido bastante e que retornara por volta de 23:50, já encontrando as luzes apagadas e a casa em silêncio. Ele e Jake tinham a chave da casa e afirmaram ter entrado em silêncio. A despeito de suas explicações, Andrew Maggio foi preso e considerado como  o principal suspeito até que se determinasse não haver provas concretas. Ele foi liberado alguns dias depois.  

A polícia interrogou vários suspeitos que poderiam estar envolvidos no crime, mas não conseguiu fazer mais nenhuma prisão.  A medida que eles cavaram o caso, descobriram que haviam outros assassinatos similares que haviam ocorrido em uma vasta área entre Louisiana e Texas durante os anos de 1911 e 1912. Uma busca mais criteriosa localizou relatórios de 49 mortes, incluindo famílias inteiras, que foram executadas de modo implacável com machado em suas próprias camas. Em ao menos um desses crimes, uma mensagem críptica foi deixada na forma de uma anotação onde se lia: "Quando Ele fez a inquisição em busca de sangue, Ele não esqueceu do choro dos humildes". Embora não existisse nada concreto para ligar esses casos ao caso Maggio, além das similaridades, uma pista parecia promissora. A última vítima feita em 1912 era um homem chamado Tony Schiambra, que segundo alguns amigos próximos atendia pelo apelido de Toney. 

Mesmo sem qualquer indício ou evidência sólida para ligar os crimes, eles suspeitavam que a morte dos Maggio poderia ser o prenúncio de uma nova onda de crimes. Contudo, o que a polícia podia fazer a essa altura era esperar e ver o que iria acontecer a seguir. 

Eles não tiveram de esperar muito. 

Pouco menos de um mês depois, na manhã do dia 28 de junho de 1918, as portas de uma padaria cujo dono era o imigrante polonês Louis Besumer foram encontradas trancadas por um entregador. Achando aquilo um pouco estranho, o entregador, foi até a entrada dos fundos que também estava trancada. Foi um choque quando de repente o padeiro apareceu na janela coberto de sangue, afirmando ter sido atacado por um homem armado com um machado. A polícia foi chamada e logo ficou-se sabendo que Louis e sua amante Anna Lowe, haviam sido atacados por um agressor portando um machado  que acertou o padeiro na têmpora direita e o deixou inconsciente. Anna também foi atacada, golpeada repetidas vezes até perder os sentidos, sua orelha foi arrancada por uma navalha e levada. Assim como aconteceu no caso Maggio, um painel de madeira da porta dos fundos foi removido com cinzel e martelo. Mais uma vez, o agressor não levou objetos de valor. A arma usada no ataque foi encontrada colocada atrás de uma porta e foi reconhecida pelo padeiro como sendo a arma usada pelo invasor. 

Levada ao hospital para tratamento Anna Lowe começou a fazer um estranho relato repleto de elementos contraditórios. Primeiro ela disse ter sido atacada por um homem alto e negro, mas depois ela mudou de ideia e começou a acusar Besumer afirmando que ele havia sido o responsável pelo ataque. Ela também começou a fazer acusações infundadas, inclusive de que Besumer era um espião alemão infiltrado. As alegações deram origem a uma série de artigos sensacionalistas em jornais da época, mas tudo indica que nenhuma dessas alegações fosse real. O caso atraiu muito a atenção do público, em parte por conta das teorias conspiratórias e pelas escandalosas circunstâncias em que o padeiro (que era casado) foi encontrado na companhia de uma amante.  

Alguns dias depois, Lowe acabou morrendo em decorrência de complicações cirúrgicas na tentativa de recuperar os nervos de sua face. Besumer chegou a ser acusado formalmente, mas a falta de provas acabou por inocentá-lo. Ele alegava não ter visto o agressor que o atacou enquanto o casal estava dormindo.


Em 5 de agosto de 1918, bizarramente, no mesmo dia em que Anna Lowe morria na mesa de cirurgia, um homem chamado Edward Schneider voltou de viagem  encontrando sua casa estranhamente silenciosa, sem que sua esposa grávida o recebesse. No quarto do casal ele faria a horrível descoberta da jovem mulher caída em uma poça de sangue coagulado. O escalpo da Sra. Schneider foi parcialmente aberto por um golpe e alguns de seus dentes foram quebrados por outro que lhe atingiu a mandíbula. Uma investigação do apartamento onde o casal vivia apontou para um arrombamento na porta dos fundos com martelo e cinzel. Mais uma vez, nada foi subtraído da cena do crime.

Felizmente, ela ainda estava viva e um médico foi chamado às pressas para tratar do ferimento.  No hospital, a Sra. Schneider disse ter sido vítima de um invasor armado com um machado. A figura escura, nas suas palavras parecia "um tipo de assombração escura", como uma sombra. Ela era incapaz de recordar detalhes do ataque. A despeito de seus ferimentos a mulher ainda conseguiu levar a gravidez ao fim e dar a luz a uma saudável menina. 

Com o ataque a Schneider e um claro modus operandi da parte do agressor, a polícia começou a acreditar que estava diante de um criminoso que atacava em série e esse foi o momento em que o pânico se instaurou na cidade de Nova Orleans. As suspeitas seriam comprovadas quando um novo ataque ocorreu apenas cinco dias mais tarde. Em 10 de agosto de 1918, duas irmãs chamadas Pauline e Mary Bruno foram acordadas no meio da madrugada por um estranho som emanando do quarto de seu tio, Joseph Romano. Quando elas saíram para verificar, se depararam com uma sombra alta e sinistra, vestindo um sobretudo marrom e chapéu enterrado na cabeça. Quando Pauline soltou um grito de horror, a figura sem se voltar na direção delas, saltou para a escada e correu velozmente escapando em segundos. Pauline posteriormente descreveu o movimento do invasor como "estranhamente ligeiro". As duas irmãs encontrariam seu tio deitado na cama, coberto de sangue, com uma série de medonhos ferimentos na face causados por uma arma afiada e pesada. Embora ainda estivesse vivo quando foi levado para o Hospital mais próximo, Joseph acabou sucumbindo em face dos ferimentos no dia seguinte. Foi descoberto que embora o aposento tenha sido revirado, nada de valor foi evado. Um machado ensanguentado foi então encontrado no pátio dos fundos da casa, por onde o invasor escapou após o grito de Pauline. Assim como havia ocorrido em todos os outros casos, a porta dos fundos havia sido arrombada daquela mesma maneira que se tornou um tipo de cartão de visitas do Homem do Machado.

O Caso Romano marcou o início do pânico e paranoia que se espalhou como um incêndio por Nova Orleans. As pessoas começaram a temer que o lunático poderia estar e qualquer lugar e que eles poderiam ser a próxima vítima. Ninguém se sentia seguro, e passou a ser comum que as pessoas trancassem as portas e erguessem barricadas por temer ficar cara a cara com a lâmina afiada do maníaco. Grupos de vigilância começaram a se formar, indivíduos armados ofereciam seus serviços para proteger ruas e bairros, mantendo estranhos sob observação. Foi mais ou menos nesse momento que os jornais da cidade começaram a chamar o terrível intruso de "Homem do Machado".

Informações falsas e dicas de suspeitos de ser o Homem do Machado começaram a pipocar por toda Nova Orleans, a maioria destas absurdas ou ilusórias. Em um caso, um vendedor afirmou ter encontrado um formão na casa de um vizinho que acabou sendo acusado. Em outro episódio bizarro, testemunhas afirmavam que o assassino se disfarçava de mulher para vagar pela cidade sem que ninguém percebesse. Uma testemunha afirmou ter viso o "demônio" pulando uma cerca e uma caçada humana teve início resultando na agressão de um turista que sequer estava na cidade à época dos crimes. Em outro violento incidente, um ladrão foi capturado e arrastado para uma praça onde por pouco não foi linchado por uma multidão que suspeitava que ele poderia ser o Homem do Machado. Várias pessoas relatavam que a porta de suas casas eram forçadas, descobriam machados em seus jardins e afirmavam estarem sendo perseguidas por homens furtivos. A histeria se espalhou pela cidade sem controle e as pessoas se perguntavam quando o maníaco atacaria novamente.


A Polícia estava totalmente perdida em sua caçada ao culpado. O homem não deixava pistas, nenhum traço de sua passagem foi encontrado nas cenas dos crimes. As autoridades tentaram até buscar impressões digitais, um método até então novo e revolucionário, mas nada foi achado de conclusivo. As vítimas não tinham nada em comum, nenhuma delas se conheciam ou viviam próximas umas das outras, tudo indicava que os crimes eram motivados pela oportunidade que se apresentava para o matador, sem uma razão, sem um propósito ou motivo. Tudo o que poderia se supor a respeito dele é que o homem arrombava as portas, entrava armado com um machado que ele próprio trazia e utilizava para matar. Em seguida ele partia tão silenciosamente que ninguém o via.

Depois do ataque a Romano, a despeito dos muitos relatos e alarmes falsos, nenhum ataque aconteceu por meses deixando a impressão de que a loucura havia se dissipado. Contudo, o terror estava apenas se preparando para uma nova e assustadora reviravolta. Em 10 de março de 1919, o matador atacou novamente, dessa vez em um bairro de imigrantes chamado Gretna, localizado nos bancos do Rio Mississipi. Nessa noite, um homem chamado Charles Cortimiglia foi atacado por um sujeito portando um machado. 

Por volta das 23 horas, Rosie, a esposa de Cortimiglia ouviu gritos no fim da rua e abriu a janela bem a tempo de testemunhar o marido sendo atacado. O assassino não se deteve, percebendo a mulher que ainda estava na janela, ele correu na direção desta e a derrubou com um soco, saltando para o interior da casa. Lá dentro ele encontrou Mary, a filha de apenas dois anos do casal. Apesar dos gritos desesperados de Rosie implorando por piedade, o louco golpeou a criança repetidas vezes com a arma a deixando morta no chão. Não satisfeito ele ainda acertou dois golpes na mulher que foi abandonada em uma poça de sangue.

Um vizinho chamado Iorlando Jordano veio em auxílio da família e encontrou a cena do massacre. Rosie, mesmo com o crânio fraturado por um golpe da arma ainda estava abraçando o corpo sem vida de sua filha. Embora a criança tenha morrido em decorrência do ataque brutal, Charles Cortimiglia e sua esposa sobreviveram ao encontro que lhes deixou além do trauma, profundas cicatrizes na cabeça e pescoço, bem como fraturas.  


Quando a polícia chegou ao local, eles encontraram um machado coberto de sangue encostado no alpendre e cabelo das vítimas ainda grudados na lâmina. Nenhuma impressão digital foi descoberta na arma ou na janela que o matador usou para ganhar acesso à casa. Quando estava bem o bastante para contar à polícia o que viu, Rosie Cortimiglia descreveu seu agressor como um homem velho e gordo, exatamente a descrição de Iorlando Jordano, o sujeito que veio em seu socorro. A polícia desconsiderou o testemunho acreditando que Rosie estava confusa e que o ataque havia se tornado um borrão em sua memória. Charles Cortimiglia deu um testemunho diferente no qual descreveu o maníaco como um homem alto, forte e com cabelos pretos longos.    

O incidente causou uma segunda onda de terror nas ruas de Nova Orleans. A polícia por sua vez começou a trabalhar com teorias cada vez mais bizarras que beiravam o surreal. Alguns detetives acreditavam que o responsável pelos crimes trabalhava em um Circo como homem forte, outros defendiam que ele era um índio selvagem, outros assumiam que seria um imigrante russo de mais de dois metros e meio de altura... a teoria mais bizarra, talvez fosse a que supunha que o responsável pelas mortes não fosse humano, mas um gorila que teria fugido do Zoológico local. Jornais lançaram teorias ainda mais estapafúrdias, de que o assassino podia ser um anão que aproveitava sua baixa estatura para enganar a todos. 

O público tinha as suas teorias favoritas, sendo que uma começou a ganhar enorme popularidade. Segundo algumas pessoas, o Homem do Machado não podia ser capturado e não deixava pistas por um motivo muito simples: ele era uma criatura sobrenatural!

Alguns sussurravam que o assassino seria um tipo de fantasma, demônio ou ainda, uma entidade mágica. Essas noções eram reforçadas pelas circunstâncias misteriosas dos ataques. O matador teria força sobrenatural e velocidade que lhe permitia saltar cercas e derrubar portas. Outros poderes atribuídos ao matador incluíam a capacidade de transformar seu próprio corpo em fumaça e assim adentrar moradias por frestas e batentes da porta. Um jornal publicou uma matéria na qual afirmava categoricamente que uma presença alada havia sido vista sobrevoando o Bairro de Gretna na noite do ataque. Na manhã seguinte, uma manchete bizarra estampava a primeira página de um jornal: "Homem Alado é visto voando sobre os Bancos do Mississipi". Haviam ainda os que faziam um paralelo entre o assassino de Nova Orleans e o mais famoso matador do século XIX - Jack, o Estripador. Para estes, o Homem do Machado não era outro senão o próprio Estripador londrino, que havia imigrado para a América afim de prosseguir em seu sangrento trabalho.


Por mais bizarra que já estivesse a situação, ela estava prestes a se tornar ainda mais surreal. Apenas três dias depois do ataque à Familia Cortimiglia, o assassino entraria em contato com o público, de uma maneira bastante similar a utilizada por Jack, o estripador em seu reinado de mortes décadas antes. A comunicação veio na forma de uma carta endereçada ao editor do New Orleans Times-Picayune na sexta feira, 14 de março de 1919. A missiva, que parecia ter sido escrita por um louco, alimentou as especulações já existentes a respeito de forças demoníacas em ação no caso. Ela também permitiu um vislumbre da mente anormal do matador e de suas claras intenções de ganhar publicidade e manipular o público em seu benefício próprio.

A carta tinha o seguinte texto:

"Estimados mortais:

Eles nunca me apanharam e nem jamais conseguirão. Eles nunca me viram, pois sou invisível, como o éter que envolve a Terra. Eu não sou um ser humano, mas um espírito demoníaco da parte mais quente do inferno. Eu sou o que vocês Orlenianos e sua polícia estúpida chamam de Homem do Machado. Quando eu achar apropriado, voltarei para coletar mais vítimas. Eu já escolhi quem devem ser elas. Eu não deixarei nenhuma pista, exceto meu machado sangrento, com os miolos de quem escolhi para me fazer companhia no outro lado.


Se vocês quiserem, digam à polícia para ser cuidadosa em suas buscas. Eu sou um espírito razoável. Não me ofendo com a maneira como eles conduziram a investigação no passado. De fato, eles tem sido tão estúpidos que não apenas eu, mas Sua Majestade Satânica também fica impressionada. Digam a eles para tomar cuidado. Que eles não tentem descobrir o que eu sou, pois nesse caso acabariam por incorrer na ira do Homem do Machado. Por outro lado eu sei que a polícia continuará se esquivando de me capturar, como já aconteceu antes. Eles devem temer me capturar.


Sem dúvida, vocês Orlenianos me vêem como um simples assassino, mas eu sou muito pior que isso. E eu posso ser ainda pior! Se eu quisesse, poderia fazer minhas visitas toda noite. Eu poderia assassinar milhares de seus melhores cidadãos, pois eu estou em contato com o próprio Anjo da Morte. Prestem atenção pois na próxima quinta-feira, por volta de 12:15 eu estarei em Nova Orleans novamente. Entretanto, na minha infinita piedade, farei a vocês uma proposta. Aqui vai:


Eu gosto muito de jazz, e juro por todos os demônios e diabos das regiões abissais que pouparei aqueles que colocarem para tocar em suas casas, na maior altura possível, discos de jazz. Se todos tiverem um disco de jazz tocando, bem será melhor para vocês. De uma coisa podem ter certeza, qualquer casa silenciosa nessa quinta-feira poderá receber minha visita e do meu machado.


Bem, uma vez que sinto frio e falta do calor de meu Tártaro natal, devo deixá-los por hora, terminando por aqui. Espero que publiquem essa carta, e que tudo corra bem, mas saibam que sou o pior espírito que já existiu, seja aqui ou no reino da fantasia.


Seu,

Homem do Machado

A noite mencionada na carta se tornaria uma ocasião lendária que seria lembrada nos anais da história de Nova Orleans. Clubes, bares e casas atenderam prontamente a proposta do monstro e tocaram Jazz até o raiar do dia, em um volume altíssimo como se suas vidas dependesse disso. Pessoas em todos os cantos da cidade tocaram Jazz e dançaram, o ar ficou cheio de energia e som. O famoso compositor Joseph Davilla chegou até a escrever uma música especificamente para a ocasião que ele chamou apropriadamente de "The Mysterious Axeman’s Jazz (Don’t Scare Me Papa)" que se tornou um enorme sucesso. Nessa fatídica noite de Jazz e festividades não ocorreu nenhum ataque na cidade, como havia sido prometido, ainda que não se saiba se foi pelos motivos extravagantes do assassino, ou não. Em certos clubes e casas, as pessoas compareceram armadas esperando que o assassino pudesse aparecer, mas nada aconteceu. Foi uma noite agitada, mas sem maiores eventos. Por um instante as pessoas acharam que as coisas voltariam à tranquilidade e se dedicaram apenas a festejar e aproveitar a vida... mas infelizmente, isso não iria durar.


Em 10 de agosto de 1919, um comerciante local, conhecido como Steve Boca bateu a porta da casa de seu vizinho, Frank Genusa no meio da madrugada. Boca estava ferido e sangrava em profusão, e depois de ser atendido desmaiou e foi levado ao hospital mais próximo. Ele posteriormente iria se recuperar dos ferimentos, mas seria incapaz de lembrar como havia se dado o ataque. Tudo que ele se recordava era de uma figura alta e vestida de preto na ponta de sua cama. A polícia descobriria que nada havia sido levado da casa, embora os sinais inequívocos de arrombamento estivessem à vista. 

Os ataques continuaram em 3 de setembro de 1919, quando vizinhos foram checar a casa de Sarah Laumann e a encontraram inconsciente com uma enorme ferida na cabeça em sua própria cama. A porta da frente havia sido arrombada e um machado estava encostado na cadeira de balanço onde ela costumava sentar no pátio. Pouco depois ocorreu outra tentativa de arrombamento feita pelo misterioso assassino, mas dessa vez o ataque foi frustrado pelo dono da casa, William Carson que ouviu um som suspeito e foi averiguar. Carson disparou várias vezes na porta, mas o assassino conseguiu fugir, deixando para trás um formão e martelo, além do machado que pretendia usar. 

No mês seguinte, em 27 de outubro, o matador fez a suas últimas vítimas oficiais ao assassinar um imigrante chamado Mike Pepitone, sua esposa e filho. Uma vizinha de sobrenome Albano viu um homem fugindo da casa de Pepitone, saltando pela janela e ganhando a rua. Enquanto escalava a fachada ele deixou pegadas sangrentas no parapeito e um machado caído no quintal. O homem foi descrito como um sujeito muito grande, extremamente rápido e ágil, ainda que a aparência geral dele não tenha sido registrada pela testemunha.

Curiosamente, um ano depois dessa morte, a Sra. Albano disparou e matou um homem chamado Joseph Mumfre em Los Angeles, que ela acreditava ser o mesmo sujeito que atacou seus vizinhos em Nova Orleans. Embora não houvesse nenhuma prova conclusiva ou sólida que apoiasse a conclusão da mulher, haviam alguns detalhes curiosos que sugeriam que Mumfre poderia estar de alguma forma envolvido. Munfre era um ex-presidiário violento que começou a cumprir pena em 1911, pouco depois da primeira onda de crimes cometidos pelo assassino. Ele também foi liberado da cadeia em 1918, pouco antes dos crimes recomeçarem. Além disso, ele teria se mudado para a Costa Oeste no final de 1919, justo quando os crimes do Homem do Machado cessaram em Nova Orleans. Munfre era descrito como um sujeito alto, forte e estranho, com um ódio cego por imigrantes, em especial italianos. Ele havia sido preso por agressão e por participação em um esquema de extorsão contra Ítalo-Americanos. De fato, a maioria das vítimas do Homem do Machado eram justamente imigrantes, muitos dos quais vindos da Itália. Ainda assim, à despeito de todas as suspeitas e coincidências não havia uma prova concreta capaz de ligar Mumfre aos crimes.


É interessante perceber que a história a respeito de Mumfre e seu envolvimento foram muito questionados, sobretudo nos últimos anos. Pesquisadores apontam para o fato de não haver nenhum registro oficial que mencione a morte de Joseph Mumfre em Los Angeles. Também não há nenhuma informação sobre o que teria acontecido com a Sra. Albano após ela supostamente ter matado o sujeito. Com essa falta de provas, é até difícil dizer se realmente tal coisa aconteceu. Alguns historiadores que se debruçaram sobre esse tema afirmam que o homem em questão não se chamava "Mumfre", mas que ele seria Frank "Doc" Mumphrey, um criminoso que foi condenado por atirar em italianos em meados de 1900 e que de fato se mudou de Nova Orleans para Los Angeles em 1919. De qualquer maneira, não há nenhuma menção a respeito dele que possa colocá-lo na cena dos crimes.

Seja qual for a verdade sobre o mistério de Mumfre, o assassinato da Família Pepitone foi o último ataque do infame Homem do Machado de Nova Orleans que deixou a polícia perdida e a população aterrorizada. Nenhum suspeito foi julgado pelos crimes e o enigma permanece sem solução até os dias atuais.

Não se sabe quais podem ter sido os motivos para os brutais ataques e o que fez o homem entrar em um surto de violência sem sentido. Muito se comentou a respeito das vítimas serem comerciantes e imigrantes tentando abraçar o sonho americano de enriquecer, mas não parece haver nada que conecte diretamente as pessoas que sofreram nas mãos desse monstro. Ele tinha como alvo pessoas de todas as idades e classes sociais, homens, mulheres e crianças. O assassino jamais removeu algo de valor da cena dos crimes e deixava para trás seu cartão de visitas na forma de um machado sujo de sangue. A excitação e o prazer bestial de matar parecia ser seu objetivo.


Assassino demoníaco, fantasma ou espírito maligno, os boatos a respeito dos crimes continuaram frescos no inconsciente coletivo de Nova Orleans por décadas após os sinistros acontecimentos daqueles sangrentos dois anos. Por vezes, um crime era atribuído ao matador e as pessoas pareciam prender a respiração cada vez que um ato de violência acontecia, imaginando se este não estaria de alguma forma conectado ao caso. Muitos achavam que ele teria morrido ou deixado a cidade, mas ninguém podia ter certeza. Machados se tornaram armas muito temidas na cidade. Membros da perigosa Máfia local passaram a usar machados para intimidar a comunidade local de italianos, sobretudo quando estes se negavam a pagar proteção. Pelo menos um assassinato com o uso de machado ocorreu posteriormente em 1925, mas o responsável um texano que assumiu os crimes do Matador do Machado, descobriu-se posteriormente, sequer estava no país em 1919 e não podia ser o responsável pelos acontecimentos.

No campo do sobrenatural, alguns achavam que o demônio havia adormecido satisfeito depois de coletar um determinado número de almas para servi-lo no Inferno. Para apaziguar sua ira diabólica, as pessoas continuaram a tocar Jazz no volume máximo sempre na mesma noite em que ele demandou tal coisa. Até hoje, o dia é reservado em Nova Orleans como uma espécie de tributo pago ao assassino, para que ele deixe a cidade em paz. 

Tudo indica que o matador não passava de um maníaco sem nada a perder, um serial killer que entrou em uma incontrolável espiral de morte e depravação como tantos outros antes e depois dele. Apesar de toda especulação e debate sobre a identidade do matador, ninguém jamais chegou a uma conclusão sobre quem ele era ou o que pretendia. Ainda assim, o Homem do Machado de Nova Orleans permanece como o mais bárbaro, cruel e odioso assassino da história da cidade conhecida como "A Cidade do Pecado".

Para quem ficou curioso a respeito do Axman's Jazz, aqui vai ele:

3 comentários:

  1. Essa macabra história é uma das minhas favoritas dentre tantas outras da humanidade, agradeço por ter feito um trabalho tão bem feito.

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  2. Me parece que rolou um tipo de loucura coletiva em relação á aparência da figura. De tantos boatos de que se tratavam de uma "sombra sobrenatural", na hora do ataque, as pessoas passaram a ver só uma sombra também.

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  3. Essa história apareceu na serie American Horror story... Acho que na terceira temporada

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