O pior dessa maldita Pandemia passou e as coisas gradualmente estão voltando ao normal.
Finalmente, depois de um longo hiato, os encontros de RPG também estão de volta. Junto com eles, a chance de reencontrar os amigos, bater papo, conversar sobre nosso hobby, trocar ideias e é claro, rolar dados novamente.
A medida que os encontros de RPG começam a retornar e os grandes eventos vão sendo planejados, surge a ansiedade em voltar com as mesas presenciais.
Após uma conversa com alguns colegas que também tem o costume de narrar RPG em eventos, surgiu a ideia para esse artigo. O objetivo dele é dar algumas dicas e sugestões para os narradores que pretendem levar suas aventuras para esses eventos e formar novas mesas. Em geral, nós sabemos o que nossos amigos gostam e procuram em RPG, mas quando se trata de uma mesa com colegas de evento, pessoas que estamos conhecendo ali, certamente temos de nos adaptar.
Cada Narrador (seja ele DM, Mestre, Guardião, Storyteller) tem uma abordagem diferente para planejar seu cenário de convenção. Alguns criam cenários do nada, construindo uma ótima história, personagens interessantes e jogabilidade suave. Outros optam por usar um início rápido ou um cenário previamente utilizado para ter controle da duração estabelecida. Ainda outros preferem pegar cenários populares, clássicos esquecidos ou fragmentos de grandes aventuras e inserir tudo em uma versão mais rápida para dar aos jogadores um passeio fantástico e memorável.
Aqui estão algumas dicas que acumulei ao longo de vários encontros e eventos de RPG que participei. De modo algum esse artigo esgota o tema, mesmo porque ideias para aprimorar nosso jogo e torná-lo cada vez mais interessante são sempre bem vindas. Comentários, dúvidas e sugestões são portanto mais do que bem vindas.
Vamos começar?
Dica #1 - Quem antecipa vai mais longe
É interessante antecipar as coisas.
Uma boa aventura carece de preparativos e de certo grau de dedicação para se transformar em algo memorável. Uma das coisas mais interessantes em jogar num evento de RPG é que os jogadores podem escolher aquilo que querem jogar. Eles não ficam restritos ao que seus mestres regulares costumam oferecer e tem a chance de participar de uma mesa daquele sistema obscuro do qual ouviram falar uma vez ou ainda, que jogaram uma única vez e depois nunca mais.
Eu penso no Mestre de Evento como uma espécie de representante de determinado sistema e explicador de uma ambientação. Ele está ali para mostrar esse jogo, passar qual a ideia por trás dele e apresentar a novos e potenciais jogadores um jogo.
Para "vender seu peixe" e causar uma boa impressão, o ideal é ter as coisas prontas com antecedência. Em eventos, jogadores adoram coisas como recursos narrativos, props e auxílio narrativo. Nem todos os jogadores de primeira viagem tiveram a chance de ter em suas mãos esse tipo de material e pode ter certeza, eles vão causar uma bela impressão.
Mas é claro que isso não é tudo: estudar a aventura, repassar os principais pontos, deixar tudo preparado é algo vital para uma aventura rolar suave. Eu gosto muito de contar com um resumo da aventura que vou narrar sempre à mão, ter uma lista dos NPCs importantes e suas características marcantes, um apanhado das cenas essenciais e das pistas que não podem ser esquecidas.
Uma outra sugestão válida é dar preferência a aventuras que você já narrou, que está familiarizado ou que conhece mais detalhadamente. Isso não significa que você não possa rolar uma aventura que nunca narrou antes num evento, mas é inegável que prévia experiência ajudará bastante na sua confiança!
Dica #2 - Bons Personagens fazem boas mesas
Essa dica poderia estar contida no primeiro item, mas ela é tão importante que vale a pena salientar individualmente.
LEVE OS PERSONAGENS PRONTOS!
Prefira levar as fichas já preparadas, com as estatísticas, habilidades e detalhes previamente definidos. Montar a ficha dos personagens na hora do jogo por vezes é chato, cansativo e exige que os jogadores conheçam detalhes da ambientação e do sistema. Se eles estiverem jogando pela primeira vez, as chances de ficarem perdidos ou sem ideia do que fazer são enormes e mesmo que eles sejam veteranos, por vezes, mestres e jogadores possuem regras da casa ou interpretações diferentes. Para evitar desgaste, forneça os personagens prontos numa ficha oficial do sistema escolhido, com alguma imagem referencial e de preferência preenchida com letra legível.
Alguns podem argumentar que em certas ambientações, os jogadores ajudam a criar o ambiente em que se passa a aventura e participam ativamente da construção do elenco de personagens. Certo, isso até acontece, mas é algo bem mais raro. A maioria dos jogos funciona melhor se os personagens já estiverem previamente construídos. Criar os personagens vai consumir um bom tempo de seu jogo, e pode resultar em personagens bizarros que não se encaixam na sua aventura. Evite isso, deixe tudo pronto!
Outra sugestão é fornecer opções de personagens, levando dois ou três adicionais. Se a mesa foi planejada para quatro jogadores, tenha à disposição seis ou sete opções de personagens prontos. Isso permite que o grupo possa escolher aqueles que mais lhes agradam. Também é interessante contar com alguns personagens extras para o caso de um grupo de jogadores um pouco maior, querer jogar na sua mesa. Já tive casos de não ter vaga para todos e o grupo inteiro desistir para não deixar um colega de fora. Também já aconteceu de um jogador se inscrever e desistir por conta de não ter vaga para um amigo ou a namorada que está com ele. Se não for atrapalhar a dinâmica de sua mesa, às vezes não faz mal incluir um ou dois jogadores de última hora.
No que diz respeito aos personagens, minha sugestão é torná-los o mais atraente possível. Ainda que os jogadores usem esses personagens uma única vez, ninguém gosta de jogar com personagens genéricos, sem graça ou descartáveis. As pessoas se sentem mais atraídas quando tem em suas mãos algo diferente, colorido e tridimensional. Esses são personagens que oferecem melhores opções narrativas e que geralmente são mais interessantes de interpretar. Tente equilibrar as estatísticas, não deixe os personagens ficarem desbalanceados, pois com certeza os jogadores irão comparar suas habilidades uns com os outros e reclamar caso haja personagens claramente mais fracos.
Uma dica muito útil é escrever uma breve descrição de quem é o personagem, quais os seus objetivos e uma sugestão para interpretação. Alternativamente qual a ligação dos personagens também é algo que vem muito à calhar. Lembre-se, os personagens literalmente vão cair de paraquedas no colo dos jogadores, eles não sabem o que vão interpretar ou o que esperar deles. Quanto mais informações forem transmitidas para o jogador, melhor. Entretanto, evite aqueles backgrounds enormes e incrivelmente detalhados ou que envolvam muitos pormenores da ambientação. Algumas poucas linhas já são o suficiente para situar o jogador e permitir que ele assuma a partir daquele ponto.
Dica #3 - O bom e velho, Bom Senso
Ah, o bom senso... tão desejado, muitas vezes esquecido.
Bom senso deveria ser a regra dourada em qualquer mesa de RPG, ainda mais quando você vai narrar para um grupo de desconhecidos que conheceu poucos minutos antes.
Nos últimos tempos tem havido um grande debate nas redes sociais à respeito de como fazer os jogadores se sentirem "seguros" na mesa de jogo. Eu já ouvi alguns colegas defendendo a adoção de formulários a serem preenchidos antes de iniciar o jogo para alertar o mestre de possíveis "gatilhos" que podem se provar um incômodo para alguns jogadores. Francamente, eu sou da opinião que esse tipo de burocracia não é necessária se o mínimo de bom senso prevalecer na mesa.
Aqui vão algumas sugestões que podem ser úteis:
a) Antes de começar a aventura, se for o caso, explique aos jogadores que se trata de uma aventura para público adulto e maduro. Eu adoro Horror, e em geral, minhas aventuras possuem cenas sangrentas, medonhas e (se eu estiver num bom dia) assustadoras. Sem entregar o enredo ou o tema, é possível explicar antecipadamente que o cenário irá abordar um teor mais pesado. O melhor referencial é explicar que se a aventura fosse um filme, ele teria indicação para público acima de 18 anos.
b) Se possível evite temas controversos, polêmicos ou potencialmente incômodos. Me parece ser de bom tom evitar abordar em mesa (ainda amis com desconhecidos) assuntos que possam causar incômodo ou constrangimento nos jogadores. Me refiro especificamente a cenas envolvendo intimidade física, sexo ou agressão sexual.
c) Algumas pessoas podem se sentir incomodadas por algum elemento presente numa aventura. Nesse caso, a melhor opção é o jogador sair da mesa para não se incomodar e deixar o personagem como NPC enquanto durar a cena. Com isso a diversão dos demais é preservada e o jogo não fica cortado. Se o jogador em questão quiser retornar depois (e se isso for viável), o mestre pode explicar rapidamente o que se passou e editar as partes problemáticas.
d) Tenha em mente que a aventura é uma espécie de Contrato Social firmado entre o Mestre e os Jogadores. O primeiro se oferece para contar uma história divertida e os demais se dispõem a participar dela e contribuir para a diversão geral. Qualquer coisa que fuja desse princípio não cabe na mesa de jogo.
Dica #4 - Mantendo os Jogadores nos Trilhos
Eu já posso ouvir alguns de vocês jogadores, fãs de sandbox resmungando ao ler esse tópico: "o cara está sugerindo que as aventuras tem que ser railroad".
De fato, não me refiro a isso especificamente, embora eu defenda que para um evento/encontro de RPG, aventuras railroad (com encadeamento de cenas mais previsíveis) são mais indicadas.
Contudo, quando digo para manter as coisas no trilho, estou me referindo a seguir com o que é importante para o cenário e ser breve com o que não é. Sejamos francos: a maioria das pessoas não quer ir a um evento e ficar jogando uma aventura por oito horas sem parar. Muitos querem aproveitar para conhecer o lugar, passear, visitar stands e encontrar amigos... Mesmo o jogador mais "seco" por participar de uma mesa, não quer ficar horas e horas sentado ali quando há mais o que fazer numa convenção.
Assim sendo, anote aí essa dica: Vá direto ao ponto.
Em muitos cenários, sobretudo os investigativos, há espaço para pistas falsas que aprofundam o mistério, interrogatórios complicados a serem conduzidos, entrevistas com testemunhas reticentes e pistas não muito óbvias a serem colhidas, que carecem de certo grau de roleplay. Isso tudo é muito legal, mas em um evento, tal coisa pode consumir um tempo valioso da sessão.
O truque é não abrir mão inteiramente dessas coisas, mas não insistir tanto quanto você normalmente faria em um jogo na sua casa. Deixe o grupo ciente das opções, deixe-os persegui-las um pouco, mas mantenha-os na trilha correta. Você pode dar indiretas de que uma linha de raciocínio esta equivocada ou que um determinado caminho não parece ser promissor.
Mantenha as coisas sempre em movimento, mas seja ágil em dispensar aquilo que não vai acrescentar muito ao jogo. Em cenários que tem um determinado prazo para terminar, você pode dar uma ajudinha para o grupo encontrar o caminho certo, mas o segredo é fazer isso de uma forma discreta, sem parecer que está sinalizando. Se tudo mais falhar, testes de Inteligência ou raciocínio, podem auxiliar o grupo a adotar o melhor curso de ação.
Dica #5 - Juntos chegaremos lá
Algumas vezes é uma boa ideia fazer uma cena solo para introduzir cada um dos personagens ou criar uma cena em que os personagens se conhecem e formam o grupo. Da mesma maneira, por vezes é razoável que o grupo se divida para investigar diferentes lugares ou entrevistar diferentes NPCs. Também é perfeitamente razoável que um grupo explorando uma masmorra decida se dividir em grupos, cada um indo para um lado para cobrir uma área maior em menos tempo - à despeito dos riscos disso!
Eu já vi isso acontecer em várias mesas, tanto que até tínhamos um nome para isso: "síndrome do ladino curioso". O jogador, geralmente aquele que controla um ladino ou outro personagem com alguma habilidade para se manter oculto (como a magia invisibilidade ou Ofuscação, por exemplo) sai sozinho para investigar um lugar, confiando que não será detectado. E sozinho cobre uma área que idealmente deveria ser explorada pelo grupo inteiro.
A explicação pode ser razoável e até compreensível, sobretudo se o personagem for capaz de tal coisa, mas há apenas um pequeno detalhe: Poucas coisas são mais chatas do que dividir o grupo em uma mesa de convenção.
Pondere o seguinte: Em geral, a mesa num evento será formada por pessoas que não se conhecem e que não tem muito sobre o que conversar enquanto o mestre estiver ocupado resolvendo uma cena com outros jogadores. Por longos minutos, o restante do grupo ficará ali parado, sem ter nada para fazer a não ser olhar em volta ou para seus celulares enquanto esperam. Além do que, isso faz parecer que certos jogadores ou personagens são mais importantes que outros o que tende a desconcentrar e desestimular os demais.
Vai por mim, é frustrante para quem fica ali esperando.
Minha sugestão? Eu sei que em alguns momentos é esquisito, pode ser incomum ou até estranho, mas apele aos jogadores para que mantenham o grupo unido e evitem se separar. Dividir para conquistar não é um bom plano em mesas de encontros e se o custo para não perder o foco na aventura for uns pontos de verossimilhança, esse é um preço que estou disposto a pagar.
Dica #6 - Pegue leve nas regras e mantenha a fluidez
Outra coisa que incomoda os jogadores em encontros, eventos e convenções e que se possível deve ser vigiado de perto diz respeito a regras.
Eu sei, tem jogadores que amam regras e que adoram discutir pormenores do sistema e detalhes que tornam os combates intrincados e os rolamentos precisos. Há muitos jogadores que não dispensam a parte mecânica e que poderiam discutir por horas esses detalhes, mas não são todos.
De fato, quando você está narrando uma mesa para iniciantes, discutir regras ou pormenores do sistema tende a ser um tiro no pé, porque: a) Nem todos na mesa conhecem o sistema, b) Alguns só querem conhecer superficialmente o sistema nesse primeiro contato ou ainda, c) Tem jogadores que não dão a mínima para o sistema, só quer rolar os dados e fazer roleplay.
Nada contra os fãs de Crunch, mas na maioria das vezes, um jogo de evento precisa ser mais leve, uma vez que isso garante a fluidez da sessão. Lembre-se o tempo é escasso e você pode perder valiosos minutos de diversão se tiver que interromper o jogo repetidas vezes para consultar uma nota de rodapé no Livro do Mestre, página 172, apêndice B, subseção 21.
Minha primeira sugestão é dar preferência a jogos em que as regras sejam mais simples ou com uma assimilação intuitiva. Alguns jogos tem regras bem leves, sem comprometer a diversão e realismo. É impressionante como alguns jogadores conseguem entender os princípios rapidamente e assumir o controle de suas fichas em poucos instantes.
A segunda dica é tentar fazer o jogo fluir o mais rápido possível. Se aparecer uma dúvida e ela não for essencial para a continuidade do jogo, tome a via mais fácil de interpretar a ação, adaptar de acordo com a situação e julgar com o senso comum o desfecho. Se em algum momento, você precisar consultar alguma coisa, seja rápido e use como referencial a reação dos jogadores. Se algum deles pegar o celular ou parecer entediado, corte a pesquisa e tome uma decisão como mediador da coisa. Isso tende a ser satisfatório!
Por vezes, alguns sistemas trazem uma regrinha que é mais complicada ou que toma tempo explicar. Cabe ao narrador decidir se a explicação é realmente necessária ou se os jogadores ficarão satisfeitos em simplesmente rolar os dados conforme suas instruções. Mas, obviamente, isso não deve ser usado como uma licença para decidir arbitrariamente sob risco de tornar a aventura um amontoado de decisões por parte do Mestre. Equilíbrio, como sempre é o desejado.
Como regra geral, pondere que o sistema tem que estar lá para guiar o jogo, mas que ele não precisa ser onipresente na sua mesa, sobretudo na mesa de um evento.
Dica #7 - Prioridade Número Um: Diversão!
Agora, o mais importante! Jogue todo resto fora e se concentre nessa dica em especial.
Aqui vai o segredo dos grandes mestres e narradores que são lembrados por seus jogadores por muito, muito, muito tempo...
Esses mestres tem algo em comum: Eles se divertem tanto quanto os jogadores.
As mesas de jogo são uma parte central das convenções. Sem os mestres que se envolvem na potencial presepada de narrar em eventos, todos estariam perdendo um aspecto chave do nosso hobby - jogar! Conhecemos a pressão para "levar" a mesa para os frequentadores de convenções e apresentar o jogo para uma nova geração de jogadores iniciantes. Mas se você não conseguir se divertir tanto quanto eles, então você está perdendo alguma coisa.
Faça adereços malucos que as pessoas vão lembrar depois dos jogos, crie vozes engraçadas para seus NPCs, gesticule loucamente ao descrever locais, seja prolixo se achar que precisa, exiba sua melhor interpretação teatral e não tenha receio de passar um pouco de vergonha! Vai por mim, por mais estranho que você se comporte, sempre haverá alguém mais bizarro - estamos numa Convenção de RPG, pelo amor de Deus!
Lembre-se da máxima: BONS mestres são aqueles que conduzem a aventura do começo ao fim sem percalços, ÓTIMOS mestres são aqueles que entretém o grupo por horas e os deixam de joelhos pedindo por mais.
Evite ser aquela pessoa que apenas lê o texto e pede rolagens de dados. Não assuma a posição do mestre locutor que se limita a relatar "acertou" ou "errou" num combate, faça tudo ser caótico, sangrento, louco e imprevisível. Deixe o grupo empolgado, sobressaltado, assustado ou intrigado. Se um pouco de cada uma dessas sensações forem passadas para o grupo em um intervalo de 4 horas de jogo, parabéns...
Missão cumprida!
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Bom pessoal, é isso...
Lembrando a todos que o Maior Evento de RPG, Boardgames e afins do Brasil está de volta ao nosso Calendário oficial. O DIVERSÃO OFFLINE vai acontecer nos dias 18 e 19 de junho em São Paulo e o Mundo Tentacular estará presente com mestres oferecendo aventuras para quem quiser jogar.
Não deixem de comparecer! O retorno do DoffL é uma ótima notícia e vale a pena prestigiar esse evento tão importante.
Para quem quiser saber mais, é só entrar na página do DIVERSÃO OFFLINE e ver os detalhes.
Olá, boa noite, existe algum financiamento coletivo para o livro A casa do passado, Algernon Blackwood, coletânea de contos
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