quinta-feira, 19 de maio de 2022

Cinema Tentacular: O Homem do Norte - O Filme definitivo sobre Vikings


O diretor americano Robert Eggers estabeleceu-se como uma voz cinematográfica singular com o arrepiante filme "A Bruxa" (New England Folktale - The Witch) que se passava num sinistro século XVII, e seguiu com "O Farol" (The Lighthouse), um pesadelo imersivo com direito a sereias e assassinato. Ambos os filmes tinham uma atmosfera tão densa que você podia sentir os cheiros, gostos e texturas além de é claro ver e ouvir. Ambos fizeram sucesso, não apenas pelas suas virtudes, mas pelos seus orçamentos relativamente baixos, colecionando elogios mundo afora.

Havia muitos questionamentos sobre qual seria o próximo projeto de Eggers e do que ele seria capaz com um orçamento polpudo. Essas perguntas são respondidas nesse artigo à respeito de "O Homem do Norte" (The Northman) que estreou recentemente nos cinemas de todo país.

Indo direto ao ponto, O Homem do Norte é um ÉPICO, com letras maiúsculas. 

Não apenas isso, mas um épico Viking, com orçamento na casa dos 70 milhões de dólares e que surge como um mashup de Beowulf, Hamlet (o filme de Eggers e Shakespeare compartilham de lendas escandinavas) e a série Vikings, contado em crescente tons de realismo, crueza e por que não, poesia ultra violenta.


Co-escrito com o islandês Sjón, e descrito por Eggers como uma tentativa de fazer "o filme viking definitivo", Northman é tão ambicioso quanto exagerado, absurdo e visceral (tudo isso no bom sentido). Repleto de epítetos distorcidos sobre vingança e destino que são sussurrados, murmurados, ou berrados à plenos pulmões. Aliás, esse talvez seja um dos melhores filmes a tratar do tema vingança nos últimos tempos com um roteiro afiado e salpicado de sangue. 

Northman é uma história impiedosa sobre crianças nascidas e criadas em meio à selvageria de um mundo no qual homens estão habituados a tomar o que querem e matar quem se colocar em seu caminho. O filme não pede desculpas ao mostrar uma época de violência extrema e barbárie inenarrável, com demonstrações de que os povos nórdicos, que convencionamos chamar de vikings, não eram heróis românticos idealizados, e sim, saqueadores implacáveis. Durante o filme não faltam lutas selvagens, tripas sendo arrancadas, cabeças sendo decepadas e gente sofrendo as mais medonhas mortes. Mas tudo isso é amplamente apoiado pela história. Se você vivesse nessa era, a última coisa que iria querer seria topar com uma horda de saqueadores nórdicos. Provavelmente, a face barbada de um deles, babando e gritando, seria a última coisa que veria antes de um machado arrebentar o seu crânio.
   
Os vikings são retratados como homens duros, forjados no calor da batalha e habituados a ignorar o lamento dos feridos e as lamúrias de suas viúvas. Pilhagem na forma de prata e escravos é tudo o que almejam. Eles se lançam em águas geladas em busca de terras distantes, onde poderão lutar e saquear, enquanto suas mulheres uivam como demônios para os deuses, invocando seu favor. 



O filme é dividido em capítulos, cada qual com um título que nos insere numa cronologia linear, que se inicia em 895 e que se encerra anos mais tarde, literalmente nos "Portões do Inferno". A sensação de grandiosidade está em todo canto e o filme é um espetáculo maravilhosamente brutal. 

Imagens belíssimas das paisagens nórdicas, cenários que vão de simples vilarejos até requintados salões e a recriação fiel da época nos mínimos detalhes, fazem com que Northman seja uma aula de como construir um filme de época. Robert Eggers é conhecido pelo nível de detalhamento megalomaníaco em suas produções - em a Bruxa, os atores tiveram de aprender como falar à moda dos colonos puritanos, em o Farol, precisaram aprender como operar cada instrumento que estava em cena de forma correta, como fariam pessoas do século XIX. Em Northman o respeito e até rigidez com a história são notáveis. Pelas mais de duas horas de filme, você se sente como parte daquela sociedade escura, suja e agressiva, um observador privilegiado dos costumes e tradições. Somos convidados a acompanhar um ritual de passagem de um jovem, uma cerimônia de preparação para o ataque de Berserkers e um funeral que não apenas são muito bem conduzidos, mas que estão inseridos num perfeito contexto histórico. O mundo que envolve o espectador é rústico e pouco acolhedor, mas é impossível se esquivar da aspereza e fascínio proporcionado pelo ambiente.  

As atuações são nada menos que brilhantes. O elenco de Northman, conta com nomes consagrados e estes se entregam perfeitamente à proposta do diretor e devoram o roteiro, como se ele fosse um cálice de hidromel, bem ao gosto dos personagens. Alexander Skarsgard é o taciturno protagonista disposto a sacrificar sua felicidade no altar da vingança. Nós acompanhamos sua jornada frenética de órfão lamentando a perda do pai e o sequestro da mãe, até o golpe final de seu sangrento rastro de retribuição. O sujeito parece ter nascido para esse papel, ele tem o bio-tipo do que se imagina ser um guerreiro viking. Mas é o elenco de apoio que carrega a trama com maestria. Nicole Kidman e Ethan Hawke dão um show como Rei e Rainha, mas é o personagem de Willen Dafoe em um papel relativamente pequeno que chama mais a atenção, como um bobo da corte que conversa intimamente com os deuses. Anna Taylor-Joy, que foi a protagonista de A Bruxa, também se sai muito bem.


O filme tem início no reino fictício de Hrafnsey, localizado nas Ilhas Shetland/Orkney, no distante século IX. Aqui, o Rei Aurvandil (Ethan Hawke) é assassinado por seu traiçoeiro meio-irmão Fjölnir (Claes Bang) na frente do filho, Amleth (Oscar Novak). Ele em seguida testemunha sua mãe, a Rainha Gudrún (Nicole Kidman), sendo levada aos gritos pelo usurpador que sequer espera o sangue do antigo rei esfriar para ordenar que lhe tragam a cabeça do herdeiro.  

Amleth consegue escapar, e enquanto rema para uma enseada mais segura repete o mantra que irá guiar seus passos dali em diante: "Vou te vingar, pai; vou te salvar mãe; Eu vou matar você Fjölnir!”. Alguns anos mais tarde Amleth, já crescido se torna um berserker de coração de ferro na terra dos Rus (atual Ucrânia). Uma impressionante sequência de plano estendido acompanha um ataque furioso de seu bando a uma vila eslava, com direito a machadadas, sanguinolência e assassinato de camponeses inocentes. A cena é um prólogo para o que virá em seguida.

Após o ataque, Amleth tem um encontro com uma vidente (a cantora Björk) que coloca o berserker em uma rota direta para a Islândia onde ele planeja cumprir suas promessas. Marcando-se como escravo, ele se infiltra no círculo de seu tio para poder observá-lo e planejar o curso de suas ações. Uma vez instalado entre os inimigos, ele ganha a confiança deles disputando um esporte que parece um misto de Quadribol e Vale Tudo e se une a outra escrava, Olga, que lhe convence com a seguinte proposta: "Sua força quebra os ossos dos homens. Eu tenho a astúcia para quebrar suas mentes."  


Uma sacada interessante em O Homem do Norte é que a linha entre o real e o sobrenatural é difícil de ser percebida. Em determinados momentos, os personagens parecem estar diante de coisas inexplicáveis e grandes mistérios, mas que podem ser explicados pelo consumo de substâncias alucinógenas ou de suas crenças e superstições. A cena em que Amleth vai atrás de uma espada supostamente mágica que o ajudará a executar sua missão, e essa precisa ser tomada de um morto vivo é especialmente bem realizada.

Como não poderia deixar de ser, a trama sofre algumas reviravoltas, sobretudo quando Amleth consegue se aproximar de sua mãe e descobre verdades que ele desconhecia sobre seu pai. Além disso, o envolvimento de Olga, acena com uma outra vida, e isso faz com que ele questione se deve ou não prosseguir com o plano vingativo, já que este provavelmente irá consumir tudo e todos à sua volta.

Eggers deu entrevistas recentemente afirmando ter sofrido pressão para tornar O Homem do Norte um filme mais acessível e assim atrair mais público. Mas mesmo sem provocar debate ou criar dúvidas no espectador como aconteceu em seus dois filmes anteriores, The Northman é muito superior a qualquer filme de ação e aventura convencional que vemos por aí nos multiplex. Esse é um épico histórico de violência para ser desfrutado do início ao fim.

Se o objetivo era criar o filme definitivo sobre Vikings, parabéns, O Homem do Norte é esse filme. 

Trailer:


2 comentários:

  1. Gostei do filme, é uma boa aventura, mas os personagens não foram muito bem trabalhados, ficou meio superficial.

    ResponderExcluir