terça-feira, 6 de abril de 2021

Cthulhu Wars - Resenha do Boardgame da Petersen Games


Os fãs de H.P. Lovecraft e sua maior criação, Cthulhu, não tem do que se queixar quando o assunto são jogos de tabuleiro.

De alguns anos para cá, não foram poucos os jogos que buscaram na temática do Horror Cósmico seu tema central. Jogos de todos os tipos, com diferentes níveis de complexidade e com nível de produção variada supriram o interesse dos entusiastas permitindo mergulhar no universo do Horror Cósmico. Temos Arkham Horror, Mansions of Madness, Eldritch Horror, Elder Sign, Pandemic Cthulhu e muitos outros.

Mas em meio a tantos lançamentos de jogos envolvendo os Mythos, Cthulhu Wars é sem dúvida o mais ambicioso e impressionante. Não apenas pelo seu preço ou pelo seu tamanho, mas pela proposta em si, que beira a megalomania.

Lançado em um Financiamento Coletivo em 2013, o jogo obteve status de super produção desde seu anúncio oficial. Produzido por ninguém menos que Sandy Petersen, o criador do RPG Call of Cthulhu, Cthulhu Wars deveria ser diferente de tudo que já foi lançado ate então em se tratando de boardgames e Lovecraft. 



A participação de Petersen, um nome popular entre os entusiastas do hobby, que já havia enveredado além do RPG pelos caminhos dos games (Quake e Doom são criações dele) concedia imensa credibilidade ao projeto. Somado a uma super produção extremamente luxuosa, Cthulhu Wars se tornou um retumbante sucesso atingindo a notável marca de US $ 1.4 milhões com incríveis 4,389 apoiadores. No cenário atual dos BG, um mercado que vem conquistando um público cada vez maior, essa cifra não parece tão impressionante, mas em 2013, quando Cthulhu Wars entrou em FC, o número era nada menos do que astronômico.

Com o dinheiro em mãos e um público cheio de expectativa a produção teve início quase que imediatamente. E dada a quantia arrecadada e as metas atingidas, seria necessário produzir uma quantidade assombrosa de expansões para quem participou do projeto.

Quem embarcou nessa loucura não teve do que reclamar. Cthulhu Wars entregou exatamente o que prometeu: um jogo de produção requintada, com componentes gigantescos, muitas variáveis e enorme potencial de rejogabilidade. Esse é daquele jogos que oferecem um leque de opções enorme e que não importa quantas vezes se jogue, sempre haverá um desafio diferente e um leque de opções para tornar a experiência única.

Para os fãs de Boardgames, entusiastas de Lovecraft e dos Mythos, esse jogo é o Santo Graal e quem tiver a chance de conhecê-lo não irá se desapontar.

Mas que tal falar do jogo em si?

Visão Geral



Diferente dos jogos lançados com a temática do Mythos, onde geralmente os participantes assumem o papel de Investigadores, em Cthulhu Wars os jogadores controlam uma facção dedicada aos horrores ancestrais. Nesse jogo, você não tenta deter uma conspiração que cultua os Horrores que acabarão destruindo o mundo. Pelo contrário, você é um dos horrores inomináveis e seu objetivo é coordenar cultistas, mobilizar monstros e usar seus poderes para reclamar o planeta. Seus oponentes serão outros cultos com seus próprios monstros e abominações dispostos a varrer os inimigos do mapa em nome de sua causa. Que vença o Grande Antigo mais poderoso!

A disputa, no entanto, será acirrada, com direito a conquistas territoriais e combates monumentais em que os monstros irão trocar porrada franca. A utilização correta dos recursos mais adequados, de poderes exclusivos para cada criatura e de uma boa dose de estratégia serão vitais para vencer.

No final, apenas uma facção irá conquistar a primazia sobre a superfície da Terra, espalhando seus tentáculos por mares e continentes. O mapa representa o globo dividido em várias áreas de interesse. No início da partida, cada facção conta apenas com cultistas e um portal dimensional sob seu comando, mas logo, mediante a captação de Pontos de Poder monstros serão convocados dos recessos do tempo e espaço para engrossar suas fileiras na Guerra. 




Em cada rodada as facções comandadas pelos jogadores irão receber uma determinada quantidade de Pontos de Poder. Estes pontos são uma espécie de moeda corrente do jogo que serão gastos para realizar as várias ações possíveis, desde mover as peças de uma área para outra e iniciar uma luta, até abrir portais, convocar monstros e obter Pontos de Destino que garantem uma vantagem interessante no final do jogo. Os jogadores vão se alternando em suas ações enquanto ainda tiverem Pontos para comprometer.
 
Além dos Pontos de Poder cada facção necessita cumprir algumas metas específicas diferentes para cada grupo e que estão descritas no tabuleiro de cada facção. Toda vez que uma dessas metas é cumprida, a facção obtém um Livro de Magia que é trazido para o jogo. Cada um desses Livros garante um poder único ou uma capacidade extraordinária que permitem fazer algo extraordinário. Saber usar esses poderes é essencial para vencer os oponentes, garantindo vantagens ou colocando os inimigos em xeque. 
 
A assimetria é um dos elementos chave do jogo. Cada facção possui seus próprios fundamentos que serão gradualmente descobertos. No início, entender quais as vantagens e desvantagens de cada facção pode parecer complexo, mas aos poucos vai ficando claro quais ações são mais interessantes e onde residem os pontos fortes e fracos de cada grupo. O interessante é que embora os poderes, monstros e livros de magia sejam diferentes para cada facção, existe um bom equilíbrio entre elas, o que evita que uma se sobreponha às demais. Claro, cada jogador irá se sentir mais à vontade com um determinado grupo e terá mais facilidade em cumprir as metas deste, mas um dos desafios é testar outras facções e saber como elas se saem. Eu joguei com todas as facções básicas e minhas impressões se diferem enormemente das opiniões dos outros jogadores no que tange qual a melhor. Isso demonstra perfeitamente que cada jogador encara o jogo a seu modo. 
 


Ao passo que algumas facções são mais poderosas no combate direto, outras são mais rápidas se espalhando pelo mapa, outras criam tropas com imensa velocidade ou ainda contaminam regiões com sua mácula. A forma como cada característica própria se encaixa na mitologia das entidades é outro ponto que merece destaque. Nada é por acaso, e para quem leu os contos do Cthulhu Mythos, os poderes fazem todo sentido.

A medida que o jogo vai se desenrolando, monstros começam a se espalhar e portais vão se abrindo em vários territórios. Embora o mapa pareça grande, logo fica claro que não há espaço suficiente para todos. O encontro entre as facções é inevitável e a certa altura, cultistas serão capturados, monstros serão conjurados e os Grandes Antigos se enfrentarão até sua destruição.
 
É aí que as coisas se tornam ainda mais interessantes, pois as "miniaturas" de Cthulhu Wars são qualquer coisa menos "minis". Elas são imensas, enormes pedaços de plástico moldado. Se tem algo pelo qual esse jogo é famoso, esse algo, são as peças que representam os monstros, em especial os Grandes Antigos. Ao movimentar uma dessas peças pelo tabuleiro e posicioná-la para o combate, você quase sente o poder da criatura que ela representa. 


As Facções que acompanham a caixa básica incluem Cthulhu (verde), Nyarlathotep (Azul), Hastur (Amarelo) e Shub-Niggurath (Vermelho), mas as várias expansões acrescentam outros Grandes Antigos obscuros e suas facções. O artista que deu forma aos monstros usou de grande liberdade para representá-los, sobretudo os Grandes Antigos (sim, eu sei, nem todos eles são Grandes Antigos, há vários Deuses Exteriores, mas o jogo coloca todas as entidades no mesmo nível de poder e usa a mesma terminologia). Cthulhu na minha opinião é a miniatura mais impressionante, mas as demais não ficam atrás. O grau de detalhe é enorme e cada peça é uma verdadeira obra de arte. 

Algumas pessoas criticam as cores berrantes das peças e alguns jogadores mais talentosos preferem pintar as miniaturas deixando apenas as bases com as cores de cada facção. Na internet é possível encontrar exemplos de miniaturas pintadas que ficaram simplesmente incríveis, mas na minha opinião, as cores não incomodam em nada. Os detalhes de cada peça, em suas poses dinâmicas, são incríveis e chamam muito mais a atenção. 

Cada Facção possui três monstros diferentes que compõem suas legiões: uma criatura tem nível de poder baixo, intermediário e outra um nível superior ficando pouco abaixo dos Grandes Antigos. Além dessas tropas, as facções possuem seis cultistas que são essenciais para obter os Pontos de Poder.
 
As Facções e os Monstros disponíveis em cada uma delas são as seguintes:
 
Facção do Grande Cthulhu - Liderado por Cthulhu, contando com Abissais, Shoggoths e Crias Estelares


Facção do Caos Rastejante - Liderado por Nyarlathotep, contando com Noitesguio, Pólipo Voador e Horror Caçador.


Facção do Símbolo Amarelo - Liderado por Hastur, contando com Mortos-Vivos, Byakhee e o Rei Amarelo  


Facção da Cabra Negra - Liderada por Shub-Niggurath, contando com Ghouls, Fungos de Yuggoth e Dark Young  


Além das miniaturas, o jogo tem outros componentes bastante adequados e que podem ser incrementados por peças especiais de acordo com grau do apoio concedido ao Financiamento. Grosso modo é como comprar um carro de luxo, no qual você pode escolher opcionais ou ficar com o pacote básico. As peças convencionais são de papelão resistente, mas para os apoiadores estas são substituídas por miniaturas plásticas.
 
Os portais,  por exemplo, dependendo do seu nível de apoio, podem ser um cartão feito de papel resistente ou uma peça de plástico moldado onde os cultistas se encaixam perfeitamente. O uso é exatamente o mesmo, o que varia é o formato. Outro exemplo são os dados de seis lados, usados nos combates. Enquanto o pacote mais modesto traz dados convencionais, os financiadores de nível mais alto receberam dados personalizados com cores e marcações especiais. Até mesmo as miniaturas dos cultistas são diferentes dependendo do nível de apoio escolhido. Para os níveis mais simples os cultistas são iguais, enquanto nos mais elevados, cada facção possui seus próprios cultistas com seus trajes é identidade visual exclusiva.

É interessante notar que nada disso é imprescindível, você pode jogar Cthulhu Wars na versão mais simples, mas é claro, a versão luxuosa é mais chamativa e com maior apelo. Mas você paga por isso.



Uma coisa comum a todas versões é o belíssimo livro de regras, com nada menos de que 145 páginas, colorido e capa dura. Repleto de ilustrações gloriosas e uma qualidade invejável o material é nada menos que sensacional. Mas não se assuste. Apesar de extenso, apenas uma pequena porção do livro se refere às instruções para o jogo, o restante dele cobre exemplos de partida, fornece dicas para cada Facção e apresenta alguns detalhes das expansões. 

O tabuleiro também é muito bem feito e ricamente ilustrado, com dois lados que se adaptam ao número de jogadores. O mapa básico é uma representação da Terra, com massas continentais e mares através dos quais a Guerra entre as facções dos Antigos será  travada.

As Regras do Jogo



Para um jogo assimétrico, onde cada Facção literalmente tem suas próprias  regras, Cthulhu Wars é relativamente fácil de aprender e ensinar - ainda que complexo de dominar. Pode levar algum tempo para compreender todas as nuances de cada facção e a melhor maneira de empregar suas vantagens.

À primeira vista, Cthulhu Wars pode parecer um tipo de "War" com monstros, onde o objetivo é controlar a maior área possível e eliminar os oponentes, mas há muito mais do que dominar territórios e expandir suas tropas. Cada uma das quatro fases de jogo são bastante intuitivas e irão soar familiares para jogadores experientes e não muito confusas para iniciantes.

Na fase principal, os jogadores utilizam seus Pontos de Poder, obtidos com Cultistas e portais sob seu controle, para realizar suas ações. O Jogador com maior reserva de pontos de Poder começa e decide para que direção segue. As ações, que incluem movimentação, invocação, criação de portais, ataque e expansão, vão se sucedendo, até que todos zerem suas reservas. 

Um dos principais objetivos é cumprir os objetivos e receber Livros de Magia que aumentam enormemente as opções das facções e expandem suas habilidades. 

Ao mesmo tempo, o sucesso de uma Facção depende do fracasso das outras. Capturar cultistas para fazer sacrifícios e conquistar portais alheios é uma tática muito acertada. O mapa vai se tornando cada vez mais apertado e os embates vão acontecer. Um ataque bem coordenado, no momento certo, pode colocar um oponente nas cordas e virar os rumos do jogo.

Os combates são rápidos e geralmente mortais, decididos com o rolamento de dados de seis lados. cada dado possui três resultados negativos, dois resultados de ferimento e um mortal. Os dados customizados nesse caso são bem mais interessantes pois possuem uma simbologia específica.


Resultados mortais irão remover uma unidade permanentemente, enquanto os ferimentos fazem a unidade se afastar da batalha. O jogador que sofreu o dano decide qual unidade será afetada e para onde ela irá recuar. Em geral, é isso, mas os poderes é habilidades irão afetar o combate tornando-o sempre uma incógnita. 

De modo geral, o combate é bastante simples em Cthulhu Wars. São as habilidades das facções é das criaturas envolvidas que irão aumentar a complexidade, uma vez que cada situação demanda uma tática diferente que ser a mais proveitosa. As vezes, derrotar um determinado inimigo, fazer com que ele se mova ou até perder uma batalha trará melhores resultados dependendo da sua facção.

Uma das ações importantes diz respeito ao Ritual de Aniquilação, um tipo de sacrifício de alto custo que pode ter um bom retorno se usado no momento correto. O Ritual gera pontos de Vitória (Doom Points) e concede Símbolos Ancestrais (Elder Signs) que também ajudam na pontuação final. Mais que isso, o Ritual cada vez que é invocado aproxima o jogo de seu final.


A partida prossegue até que alguém atinja uma determinada pontuação, mas para vencer, a facção tem que possuir os seis Livros de Magia. No final então se revelam os Símbolos Ancestrais que cada um tem em seu poder e se contabiliza a pontuação final. Aquele que tiver o maior número de pontos vence é se torna o Senhor do Planeta.

Obviamente as facções possuem vantagens e estratégias diferentes que podem (e devem) ser empregadas em seu benefício no momento de ganhar pontos. 

É interessante traçar uma estratégia logo nas primeiras rodadas, mas isso não significa que você não possa mudar suas táticas durante o jogo. De fato, leva algum tempo para entender como funcionam os Livros de Magia e como tirar de sua facção o máximo. Além disso, aos poucos nós vamos também entendendo os truques sujos dos oponentes e do que eles são capazes. Parece lugar comum dizer isso, mas as muitas possibilidades de Cthulhu Wars fazem com que um jogo nunca seja igual ao outro.


Demora uma ou duas partidas para que apreciar o quão diferentes são as facções e como elas se comportam ao longo do jogo. Algumas começam devagar, mas logo se transformam em verdadeiras potências. Algumas são verdadeiras máquinas de combate que irão flexionar os músculos do início ao fim, outras precisam evitar o conflito até atingir suas metas, mas quando chegar num determinado ponto eles se tornam muito poderosas.

Isso significa dizer que Cthulhu Wars é um jogo que leva algum tempo para se dominar, mas isso faz parte de seu apelo. Em cada sessão, você poderá optar por uma tática diferentes: em que ordem adquirir os Livros de Magia, quais monstros invocar, em que região concentrar seus esforços, agir de forma mais ou menos agressiva etc...

A duração do jogo varia de acordo com o número de participantes e conhecimento deles das regras. A curva de aprendizado, no entanto permite que os jogadores agilizem suas ações tornando o jogo bastante dinâmico. Comparado com outros clássicos, como Twilight Imperium, Cthulhu Wars é sensivelmente mais rápido, o que o torna uma boa opção para uma tarde de jogo.

O Veredito



Simples e direto: Cthulhu Wars é um jogo sensacional. 

Eu não declinaria de uma oportunidade de joga-lo sempre que possível pois é o tipo do jogo que raramente se repete. Tanto jogadores experientes quanto ocasionais acharão Cthulhu Wars um passatempo instigante. Assim que uma partida termina, você sente a necessidade de discutir o que poderia ter feito diferente e traça planos para uma próxima sessão.

As regras centrais são surpreendentemente leves para um jogo desse calibre. Os jogadores se sentirão compelidos a testar as várias facções até encontrar sua favorita. É um jogo que pede por rejogabilidade e que, sem dúvida, se tornará recorrente.

Há alguns pequenos problemas que envolvem o tamanho das peças com relação ao tabuleiro. No decorrer da partida, o mapa pode acabar ficando super lotado o que atrapalha um pouco a visualização. Talvez o mapa pudesse ser um pouco maior, mas não é nada que comprometa o jogo.

Possivelmente, o investimento é o principal obstáculo, já que este será considerável, ainda mais se você quiser desfrutar de todas as facções. Ademais, os opcionais e os componentes especiais são lindos, mas isso tem seu custo. As peças exclusivas  de portais, cultistas e Símbolos Ancestrais concedem um visual incrível. Até mesmo o token de primeiro jogador, com uma miniatura de Lovecraft segurando uma lanterna, e apontando para que lado seguirá a ordem de jogo, é um detalhe maravilhoso (ainda que desnecessário).


A grande verdade é que o cuidado de produção e dedicação em Cthulhu Wars é tão grande, que você fica querendo ter tudo. E acredite, são muitas peças e opcionais.

Um dos fatores mais importantes quando se trata de Jogos de Tabuleiros é saber se o número de vezes que você irá jogar compensará o investimento feito. No caso de Cthulhu Wars, essa é uma questão  especialmente delicada. Trata-se de um jogo de alto investimento, mas felizmente de alta rejogabilidade. Para os fãs de Lovecraft e entusiastas do Mythos, há um interesse adicional na maneira que o tema central é abordado. A maneira como as regras se encaixam na temática tornam o jogo ainda mais prazeroso de ser descoberto.

Cthulhu Wars é daqueles jogos cujas partidas serão lembradas muito depois dos dados pararem de rolar e da rodada final se encerrar. Ele vai gerar debate, discussão e boas risadas, alimentadas pela boa e velha competição.

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