terça-feira, 16 de abril de 2019

A Verdade sobre Valak - Lendas e histórias medievais sobre forças diabólicas


Dentre os filmes recentes de horror, um se destaca ao apresentar uma criatura especialmente assustadora e sinistra. A entidade conhecida como Valak aparece em Conjuração do Mal 2, Annabelle e mais recentemente A Freira, filmes de sucesso, com bilheterias consideráveis mundo à fora.  

Com sua aparência ameaçadora e aura absurdamente macabra, escondendo sua face atrás do hábito de freira, Valak imediatamente se tornou popular entre os fãs do gênero. É uma presença demoníaca a ser lembrada (e temida). Parece bem provável que ele apareça em outras produções, consolidando sua presença como um dos novos monstros do terror.

Mas, será que existe alguma base de verdade nesse personagem? Será que Valak é citado em algum tomo de conhecimento místico ou não passa de uma construção inteiramente Hollywoodiana? A resposta para essa pergunta, pode surpreender os leitores.

Por estranho que possa parecer, a força maligna dos filmes conhecida como "Valak" é de fato baseado na mitologia demoníaca, embora os produtores tenham tomado uma série de liberdades com a fonte que decidiram adaptar. O ser demoníaco Valak, chamado em algumas versões de Valac, Ualac, Valu, Volac, Volach, e Coolor ou ainda Doolas, foi descrito em vários Grimórios de Magia através dos séculos.

Pesquisadores acreditam que ele foi mencionado pela primeira vez em um famoso manuscrito de magia chamado "The Clavicule of Solomon" ou A Chave Menor de Salomão. Esse texto se dedica quase que inteiramente a arte de invocar e controlar espíritos, tanto os benignos quanto os maldosos. Dentre as páginas desse grimório estão listados os nomes de 72 entidades malignas, ou demônios, que foram derrotados pelo lendário Rei Salomão do Antigo Testamento, bem como os rituais e feitiços que descrevem como conjurá-los e bani-los. Na lista, o demônio de número 62 é nenhum outro senão, Valak. 


Ele é descrito como um dos grandes governantes do Inferno, líder de legiões e comandante de forças nefastas. Possuidor de enorme poder, astúcia e a capacidade de localizar tesouros ocultos. Em alguns textos mais contemporâneos, Valak possui a capacidade de controlar serpentes e animais peçonhentos de toda ordem, e segundo certos documentos, estende esse mesmo poder àqueles que invocam seu nome, fornecendo a eles imunidade a venenos mortais. A aparência física de Valak não é a de uma freira velha e aterrorizante, mas de um tipo de querubim - um anjo em forma de menino, com asinhas pequenas nas costas e uma aparência delicada, que é totalmente enganadora. Valak controla uma serpente ou dragão de duas cabeças que sempre surge ao seu lado, ou com ele a cavalgá-lo. Curiosamente, em nenhum livro ou manuscrito do mundo real, ele é descrito como uma freira vingativa. 

A Chave Menor de Salomão diz a respeito de Valak:

"O sexagésimo segundo espírito é Volac, ou Valak, ou Valu. Ele é o poderoso governante de uma parte do inferno e possui a aparência de uma criança com asas de anjo, cavalgando um dragão de duas cabeças. Ele concede respostas verdadeiras sobre tesouros ocultos e avisa da presença de serpentes que se submetem à sua vontade. Ele governa a 38a Legião de Espíritos profanos".

O sinistro e diabólico Valak também é mencionado em vários outros tratados de magia medievais tais como o Pseudomonarchia Daemonum de Johann Weyer, o Liber Officium Spirituum, o Manual de Magia Demoníaca de Munich e o Fasciculus Rerum Geomanticarum. Cada livro apresneta maneiras de negociar e barganhar com Valak, algo que francamente não parece uma boa ideia.

O já citado Chave de Salomão, contudo, sempre foi a fonte mais importante a respeito dele. O livro era considerado tão ofensivo e herético pela Igreja Medieval que até hoje figura no Índice dos títulos proibidos, desde 1599. 


Um elemento curioso é que o livro apesar de proibido, tornou-se extremamente popular justamente entre sacerdotes no período medieval. Várias bibliotecas no mundo cristão medieval mantinham cópias de livros proibidos, à despeito das ordens do Vaticano de destruir os volumes que constavam no Índice. Para burlar os agentes da Inquisição, responsáveis por incinerar os livros perigosos, os bibliotecários geralmente encadernavam os tomos com uma capa falsa. Também inseriam páginas no meio de outro trabalho ou simplesmente disfarçavam as páginas com iluminuras inofensivas. Assim, uma consulta casual não revelaria o teor diabólico dos textos e eles poderiam sobreviver. Na melhor tradição de segredos e mistérios monásticos, alguns livros traziam códigos secretos e legendas para localizar os livros proibidos convenientemente escondidos.

Estima-se que mais de uma dúzia de monastérios medievais franceses possuíssem em seus acervos uma cópia desse livro profano, o que é suficiente para apontá-lo como um livro muito popular em termos medievais. Estar de posse de um livro como esse podia ser perigoso, não apenas para o bibliotecário mas para a ordem inteira. Em 1546, agentes da inquisição descobriram em um Monastério nos arredores de Turim uma vasta coleção de livros proibidos, entre os quais a Chave Menor de Salomão. O bibliotecário e três de seus assistentes foram presos e julgados por heresia, os livros recolhidos e enviados para Roma.

Mas voltemos a Valak.

Na vida real, Ed e Lorraine Warren, o celebrado casal de os investigadores do paranormal retratados nos filmes da franquia Conjuração do Mal, jamais mencionaram o nome de Valak. Em momento algum de suas investigações transcorridas em Amityville e Enfield, eles apontam Valak como causador dos incidentes paranormais. Tudo isso é uma criação dos roteiristas.


Outro detalhe curioso abordado no filme "A Freira" diz respeito a sinistra abadia localizada na Romênia. Na produção, ela é assombrada por uma presença demoníaca que elimina os monges um a um e pretende escapar de seu confinamento. Por bizarro que possa parecer, essa história parece inspirada em um incidente real, embora Valak não seja citado em momento algum.  

A Abadia em questão chamava-se Cârța ou Monastério de Cârța, e se localiza no Sul da Romênia, na região mundialmente conhecida como Transylvania. O lugar era tão isolado, sombrio e assustador quanto o prédio em estilo gótico que aparece no filme. O monastério pertencia a Ordem Beneditina, mas ele foi originalmente construído por monges cistercienses por volta de 1200 como uma igreja. Em algum momento do século XIII, o prédio se incendiou misteriosamente, várias pessoas ficaram presas no seu interior e morreram queimadas. Isso é claro, contribuiu para que alguns passassem a considerar o lugar assombrado.

Os monges decidiram transferir o que havia restado e que foi reduzido a ruínas para os beneditinos. Estes reconstruíram a estrutura e erigiram ali o seu Monastério. Dizia-se que os monges viviam em total isolamento e jejuavam ao longo de todo ano. O abade era um homem severo que obrigava a todos seguirem suas ordens sob pena de serem duramente disciplinados. Havia rumores que os irmãos dormiam sobre palha seca, eram proibidos de falar e que tinham permissão de trocar seus hábitos apenas uma vez a cada 3 meses. Os dias transcorriam em orações e trabalho pesado, o único alimento vinha de uma pequena horta e não era suficiente para todos. A vida deles era de extrema austeridade, em completa observância às regras de São Benedito que previa uma existência frugal, trabalho constante e humildade. 

Segundo as lendas, em algum momento os monges se rebelaram contra a tirania do abade. O sujeito teria sido assassinado e seu corpo colocado nas fundações do prédio principal, escondido atrás de uma parede erguida rapidamente para sepultá-lo. Acontece que o abade era parente do Rei da Hungria Matthias Corvinus que não ficou nada satisfeito com o acontecido. Em 1474 Corvinus mandou prender e torturar os monges até que revelassem quem havia participado da conspiração. Doze monges foram julgados, oito acabaram condenados e executados. O complexo foi então abandonado, ainda mais depois que muitos acreditavam que o lugar era assombrado pelo espectro do abade. Apenas no século XVII, o lugar foi renovado e transformado em uma igreja pela paróquia local.     


Os monges enterravam seus mortos em um pátio na frente do monastério que recebeu o nome de Jardim dos Sepulcros, onde supostamente a vegetação não crescia uma vez que a única coisa plantada ali eram cadáveres. Posteriormente o lugar recebeu os cadáveres de soldados mortos na Grande Guerra. Estranhamente uma escavação realizada em 1920 para remover os restos de militares e transferi-los para Bucareste, revelou duas ossadas de homens medindo dois metros de altura, uma estatura incomum tanto para a época quanto para os habitantes da região. Alguns passaram a acreditar que os dois eram vampiros ou homens vindos de terras distantes, ninguém jamais soube.

O estilo gótico da construção e as muitas histórias contadas ajudaram a construir uma reputação sinistra do local. O que não faltava eram incidentes inexplicáveis reportados pelos religiosos que habitavam as instalações. Tremores misteriosos, sombras espectrais que atravessam paredes e vozes gritando eram os fenômenos mais frequentes. Contudo havia ainda lamentos, cheiro de queimado e uma estranha presença fantasmagórica; um homem de aspecto maligno que teria sufocado mais de um sacerdote que se aventurava sozinho pelos corredores à noite. O rumor mais persistente é que esse seria o fantasma do abade, mas ninguém sabe ao certo.

Em meados de 2000, parte do monastério foi desativado e acabou se deteriorando rapidamente. Já em 2008 um campanário ruiu e o sino colocado ali em 1495 veio ao chão. Posteriormente a igreja foi restaurada e se tornou um destino procurado por turistas. É claro, o demônio Valak não parece ter qualquer relação com a história local, mas isso não impediu os roteiristas de criar uma conexão para escrever um filme.


Embora filmes assumam uma espécie de licença poética e criativa para mudar certos elementos da história e mitologia, alguns deles ainda possuem raízes no mundo real, com lugares que de fato existem e que são tão assustadores no mundo real, quanto no mundo de faz de contas. É curioso como alguns elementos aterrorizantes acabam se tornado material para entretenimento, como é o caso de Valak e do monastério romeno.

Na próxima vez que você assistir um filme de horror, talvez caiba se perguntar o quanto de sua história é baseada em lendas e quanto é focado no mundo real.

Um comentário:

  1. Fale grande Yellow! Quando puder escreve mais sobre esses livros do Index e dos demonios é um assunto cabeluudo

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