sábado, 13 de abril de 2019

Resenha de "Imperiais de Gran Abuelo" de M.R. Terci - O Inferno na Maldita Guerra


Não é de hoje, o Mundo Tentacular fala da obra de M.R. Terci. No quesito horror gótico brasileiro, esse autor e poeta paulista se destaca como expoente máximo, criando um terror extraído e destilado, diretamente da nossa história.

Ok, eu sei o que alguns vão pensar... para muitos a história do Brasil soa um tanto monótona. Não tem o mesmo frescor e empolgação da história de outras nações, forjadas a ferro e fogo e com personagens famosos. Ledo engano! Talvez, a nossa insatisfação com a história nacional se deva a aulas sem graça e ao decoreba de datas e acontecimentos. Sem um contexto e sem emoção, história acaba sendo tão interessante quanto leitura de bula de remédio. Por isso, talvez as histórias narradas nos livros de Terci conseguem nos atingir em cheio! Ele pega aquilo que é monótono e imprime emoção, sentimento e angústia como poucos. Apelando para palavras rebuscadas e incomuns, termos do vernáculo dos séculos passados e descrições das mais elaboradas, temos um panorama empolgante e visceral da nossa história. 

Eu já havia acompanhado os trabalhos anteriores dele, a trilogia do Bairro da Cripta, na qual ele nos apresentou a cidadezinha de Tebraria, o mais assombrado dos lugarejos brasileiros, local onde, segundo dizem, sempre é treva. Seu livro seguinte, Caídos, transporta a ação para o período colonial, acompanhando as peregrinações de um jovem aprendiz de feitiçaria português, que faz uma jornada infernal até dar em nosso quintal sinistro.


Mas é o quinto livro do Terci, "Imperiais de Gran Abuelo" (lançado pela Pandorga) que mais despertou minha atenção. Sou um fã do tema abordado, e estava muito curioso para saber como o autor lidaria com um dos capítulos mais sangrentos e obscuros da nossa história, a Guerra do Paraguai.

É curioso (e ao mesmo tempo lamentável) que o mais dramático dos conflitos do qual o Brasil tomou parte, seja sumariamente ignorado pelo seu povo. A Guerra do Paraguai, no entender da maioria, parece ter acontecido há tanto tempo que não faz sentido saber quando, e tão longe, que não interessa saber onde. Chocaria a muitos saber que não faz tanto tempo assim, e que a Guerra, embora tenha sido travada majoritariamente além de nossas fronteiras, esteve mais próxima do que se pode imaginar. Mais importante que tudo isso: brasileiros comuns foram para a luta, pegaram em armas, derramaram seu sangue, mataram e morreram. É triste que esse conflito seja uma mera nota de rodapé na maioria dos livros de história.

A despeito da imagem que se tem, a Guerra do Paraguai, chamada assim por ter ocorrido dentro e nos arredores dessa nação, foi monumental. Foi o maior conflito do continente, com envolvimento de participantes e baixas. Também transformou a história dos envolvidos: teve alto custo, acarretou perdas monumentais e reduziu ao menos um dos países à ruínas fumegantes. Não por acaso, ela é chamada pelos demais participantes de "Guerra Grande" ou ainda, "Maldita Guerra".

Ao se debruçar sobre a Guerra do Paraguai, o autor, mergulha nas entranhas do confronto. Relata com a costumeira competência acontecimentos fictícios, costurando sua trama ao tecido histórico. Como não poderia deixar de ser, mantém os dois pés fincados no horror, contando as idas e vindas de uma tropa, os Imperiais; veteranos de combates, familiarizados com massacres e atrocidades da guerra encarniçada. Os Imperiais não são apenas um bando de soldados, são verdadeiros guerreiros que respiram fumaça, tomam banho de sangue e pedem mais. 

Na história, cuja cronologia salta de trás pra frente e de frente pra trás, vamos sendo apresentados aos integrantes dessa Legião de Malditos. O personagem do título, o Gran Abuelo (ou vovôzão) é ninguém menos que Manuel Luis Osório, patrono do Exército brasileiro, comandante responsável por treinar os homens e levá-los à vitória. Uma vez morto e (à muito custo) sepultado, assume o comando o narrador da história, apelidado de Papá. É ele quem faz a ligação do comando com a soldadesca, e vai contando as experiências macabras vividas durante o desenrolar do conflito. 

Além desses dois personagens centrais, aos quais vamos conhecendo mais a fundo através dos flashbacks, temos vários coadjuvantes interessantes, identificados através de apelidos - doido, medroso, covarde, cicatriz, maluco... Cada qual com suas particularidades e um colorido que os tornam bastante reais. Cabe contudo, um alerta, não se apegue em demasia a nenhum deles...  

Acreditem em mim, eu adoraria descrever as aventuras medonhas e os percalços sinistros pelos quais a tropa passa em maiores detalhes, mas receio estragar a diversão alheia. Entrar de olhos vendados nessa trama é essencial para desfrutar de suas muitas surpresas e de seu panorama devastador. Posso adiantar entretanto, que embora seja um livro curto, com pouco mais de 200 páginas, o conteúdo é explosivo. Não falta ação, tiroteios, descrições de batalha sendo travadas entre homens e coisas piores, bruxaria, superstição, sangue e pólvora. O terror está em todo canto e espreita os Imperiais em sua descida por um Hades Negro além da fronteira Guarani. Mas há espaço para acidez e humor. Em mais de um momento, me surpreendi rindo com alguma peripécia inusitada. A leitura corre fácil e virar as páginas é ato contínuo, coisa que sempre considerei virtude de bons romances. 

Para os conhecedores do Bairro da Cripta, existem menções diretas e indiretas a velhos conhecidos, e o leitor atento pescará referências a personagens e lugares. Mas aqueles que ainda não exploraram os mistérios de Tebraria (o que esperam?), não precisam se preocupar, trata-se de uma história à parte, a primeira de uma trilogia já planejada. 

Pouco antes do lançamento, o autor me convidou para escrever o Prefácio e ler em primeira mão o livro. Confesso que fiquei preocupado com a tarefa, sobre o que iria escrever e se estava à altura. Mas depois de concluir a última página, as palavras fluíram facilmente. Espero ter conseguido transmitir em alguns parágrafos a sensação que tive ao ler o livro, e seguindo a cartilha do que é escrever um Prefácio, ter convidado à contento o leitor a avançar nas páginas seguintes.

Com tudo isso, recomendo a leitura de "Imperiais de Gran Abuelo" a todos os amantes de horror e aos órfãos da nossa história nacional. Aqui temos a rara chance de, através de entretenimento de altíssimo nível, vislumbrar um momento delicado de nosso passado. 

Aproveitem a viagem, sintam o aroma da pólvora seca, pois ele tem cheiro de história.

Adendo:
E fiquei sabendo que O Bairro da Cripta em breve ganhará uma nova edição com alguns novos contos e roupagem. Para quem não conhece, prepare-se...


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