Quando eu era criança, estudei em um colégio de freiras e nada podia ser mais assustador do que topar com uma freira vestindo aquele hábito negro.
Não me entendam mal... as freiras jamais levantaram uma mão para mim ou qualquer pessoa que eu saiba. Sempre foram gentis e simpáticas, algumas eram bem modernas a ponto de jogar vôlei e andar de moto. Mas as mais tradicionais, em geral, as mais velhas insistiam em usar o hábito preto e pesado que criava uma indiscutível aura de autoridade. Além disso, havia a lenda de um fantasma vestindo hábito que assombrava a antiga clausura do colégio onde eu estudei (um dia conto a respeito disso). E nenhuma criança duvidava da existência de tal entidade vagando pelos corredores desertos à noite.
Talvez seja por isso que filmes que apresentam freiras diabólicas me afetam de maneira particular recorrendo à uma memória trancafiada em algum lugar da minha mente. Mas o que dizer de histórias reais a respeito de assombrações vestidas como freiras e que pertenceriam a espectros de religiosas mortas?
Uma narrativa especialmente apavorante, vem da Inglaterra e envolve uma aparição que ficou conhecida como "A Freira de Negro". A lenda é a seguinte:
No ano de 1811, uma das maiores e mais prestigiosas instituições financeiras do mundo era o Banco da Inglaterra. A Sede ficava na vizinhança de Threadneedle Street, e entre os seus muitos funcionários havia um homem chamado Philip Whitehead, algumas vezes também chamado de Paul Whitehead, que trabalhava como caixa. Embora ele fosse considerado um empregado gentil e correto, Phillip tinha um lado obscuro, e mesmo que ele estivesse sempre sorridente e fosse agradável com os clientes e colegas, ele praticava fraudes e desfalques. Ele provavelmente imaginou que pudesse se livrar para sempre, mas um dia sua sorte terminou, o banco descobriu seus esquemas e ele foi preso.
Naquela época, eram tempos diferentes, com punições severas para quem fosse apanhado cometendo um crime dessa natureza. Hoje pode parecer absurdo, mas a natureza dos desfalques cometidos pelo funcionário foram considerados tão graves que ele acabou sendo condenado à morte. No início de 1812, Phillip foi escoltado ao patíbulo da Prisão de St. Agnes e enforcado.
Phillip tinha uma única parente viva, uma irmã muito próxima chamada Sarah Whitehead que não foi informada da prisão e menos ainda da execução. Sem ouvir qualquer notícia de seu irmão por várias semanas, Sarah visitou o Banco onde ele trabalhava. Os funcionários sabiam o que havia ocorrido e tinham ciência da execução, mas ao invés de contar à Sarah, preferiram ocultar o fato. Disseram que ele havia sido enviado para um trabalho fora da cidade. Essa visita foi apenas a primeira e ela acabou retornando outras vezes, preocupada, desejando saber o paradeiro de seu querido irmão. Ela sempre questionava "Você viu o meu irmão"?
Finalmente, talvez por piedade, um funcionário a chamou em um canto e contou a respeito dos desfalques, da prisão e da execução. Ela não aceitou bem a notícia. Segundo consta, a chocante informação sobre a morte de Phillip a deixou primeiro confusa, e aos poucos se mostrou demais para sua mente frágil: Sarah perdeu a noção da realidade e aos poucos a razão. Ela continuou indo ao Banco, como se esperasse encontrar o irmão ali. Perguntava aos funcionários "Quando Phillip irá voltar"? e "Qual horário de saída dos empregados"?
A dor e desespero fizeram Sarah buscar refúgio em um convento. Ela se apresentou como candidata a se tornar irmã na ordem, mas dado seu estado psicológico, o pedido foi negado. Era claro que a mulher sofria de instabilidade mental e portanto não podia ser aceita. Ainda assim, de alguma maneira ela conseguiu obter um traje de freira e passou dali em diante a se vestir de preto dos pés a cabeça, com um hábito negro e um véu que cobria sua face. Ela passou a ser chamada de a "Freira de Negro" e sua presença se tornou um incômodo para todos que trabalhavam ou requentavam o prédio do Banco. Sarah fazia visitas regulares à instituição e parava na entrada perguntando a quem entrava e saia "Você viu o meu irmão"?
Essas aparições se tornaram regulares, com Sarah visitando o banco dia após dia. No início ela parecia apenas confusa, mas inofensiva, contudo isso começou a mudar e ela foi se tornando agressiva. A situação chegou ao ponto dela gritar e agarrar o braço de pessoas para que dissessem onde estava seu querido irmão.
Isso durou vários anos até que em 1818, o gerente do Banco decidiu pagar a mulher um valor para que ela parasse de importunar os clientes. O dinheiro seria uma compensação pela sua angústia e uma forma de afastá-la de uma vez por todas. De certa forma funcionou, mas não como esperado. Sarah nunca mais pôs os pés no Banco de Londres, ao menos não viva.
Sarah Whitehead morreu poucos dias depois de receber o valor pago pelo gerente. Houve boatos que especulavam que ela tivesse cometido suicídio. Para alguns, ela teria sido atropelada por uma carruagem que não a viu durante a noite. Outros sugerem que ela saltou diante dos cavalos, sendo esmagada pelas possantes patas dos animais e pelas pesadas rodas. Ninguém nunca soube ao certo se a morte dela foi resultado de acidente ou vontade própria. O que se sabe é que seu corpo foi enterrado em St. Christopher-le-Stocks, um cemitério atarracado que ironicamente ficava próximo da Sede do Banco da Inglaterra.
Pouco depois da última pá de terra ser lançada sobre seu túmulo, coisas estranhas começaram a acontecer dentro e fora do Banco. Funcionários mencionavam uma sombra escura que parecia vagar pelos corredores e arredores do prédio e que se escondia nos cantos, fora do arco de visão, mas era perceptível aos sentidos. Ela era descrita como uma silhueta de mulher vestida de negro, com a face oculta por um véu. A figura parecia flutuar no ar, sem os pés tocarem o chão. Esse fantasma assombrava o mesmo local em que "A Freira de Negro" se colocava para cobrar informações a respeito de seu falecido irmão.
A princípio as testemunhas a descreviam como uma forma inerte no ar, observando e seguindo funcionários e clientes, contudo ela se tornaria mais e mais insistente. A entidade passaria a assediar as pessoas, perguntando com uma voz soturna "Vocês viram o meu irmão"? enquanto as tocava com dedos tão gelados que queimavam a pele. Aqueles que ficaram frente a frente com a assombração percebiam olhos que transbordavam loucura e uma face distorcida pela dor e ressentimento. Lágrimas escorriam pela sua face e quando caíam no chão cristalizavam em gelo. Ao redor dela tudo era frio como se uma aura de inverno a acompanhasse. Os que conheceram Sarah Whitehead em vida não tinham dúvidas de que se tratava de seu fantasma.
Nos anos que se seguiram, pessoas andando pelas ruas próximas relatavam encontros inacreditáveis com o fantasma. Aqueles que tiveram a experiência falavam de uma sensação esmagadora de solidão que chegava a afetá-las fisicamente. Mais de um que cruzou o caminho da "Freira de Negro" afirmava ter sentido posteriormente uma profunda depressão e uma sensação arrebatadora de tristeza.
O cemitério em que o corpo de Sarah foi enterrado também era assolado ela sua incômoda presença. A forma era vista flutuando sobre as lápides, com os pés jamais tocando o solo e as vestes negras agitando-se. Ela costumava deixar em paz aqueles que respondiam não ter visto seu irmão, mas quando a resposta não vinha, ela tentava segurar seus interlocutores, como fazia quando estava no reino dos vivos. E quando tal coisa acontecia, era impossível conter o terror.
O Fantasma da Freira de Negro continuou sendo visto por muitas décadas e continua sendo uma das aparições mais famosas de Londres, sendo que o prédio do Banco da Inglaterra é tido como um dos lugares mais assombrados da cidade. Testemunhas afirmam ter avistado o espectro também em estações próximas de metrô e em prédios vizinhos. Apesar do cemitério ter sido mudado de lugar e os corpos exumados, ela continuou sendo vista no mesmo local. Funcionários do Banco relatam várias histórias a respeito de avistamentos, bem como transeuntes e turistas que passam pela Threadneedle Street sem suspeitar de sua macabra história.
A Freira de Negro do Banco da Inglaterra se converteu em uma lenda popular e muitas pessoas afirmam até hoje encontrar o espectro naquele mesmo lugar. Seria ela apenas uma estranha lenda urbana ou há algum resquício de verdade nessas narrativas? Seria uma assombração residual ou uma visão permanente criada pela dor e desespero? Será ela um fantasma gerado pela loucura e pela mágoa de uma mulher?
Seja lá o que for, esteja avisado quando visitar a capital da Inglaterra e circular próximo da Threadneedle Street. Algo lá pode se aproximar e com uma voz soturna perguntar: "Você viu meu irmão"?
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