Uma assustadora fotografia que emoldura esse artigo mostra um homem velho de aspecto severo e postura grave. Trata-se de uma das últimas imagens de Algernon Blackwood, o homem que ganhou o justo apelido de "Fantasmagórico".
Nascido em 1869 em um pequeno vilarejo próximo de Londres, Blackwood talvez seja um dos mais notáveis escritores de Horror de todos os tempos. Infelizmente, hoje ele não é tão lembrado quanto outros mestres de sua época. Uma grande injustiça que vem sendo corrigida nos últimos tempos graças a uma nova geração de leitores que reconheceram nele os méritos de um Mestre da Narrativa Assustadora.
Para se ter uma ideia apenas uma ou duas de suas mais conhecidas narrativas foram traduzidas para o português. Uma lástima, pois, Blackwood deixou mais de 100 contos e estórias curtas que são verdadeiros clássicos da literatura fantástica.
O semblante funereo e a expressão sisuda de poucos amigos engana. Ao longo da vida, ele teve diversas ocupações: aventureiro, empreendedor, viajante, místico, apresentador de rádio e televisão para citar apenas algumas. Mas foi como ensaísta e depois autor que ele encontrou fama e reconhecimento. Blackwod escreveu ao longo de sua carreira mais de 10 antologias de contos sobrenaturais, muitos dos quais encenados no palco ou transmitidos por rádio. Também escreveu diversos romances de sucesso e foi publicado em vários idiomas.
Quem o conheceu conta que em vida era um sujeito notável: educado, culto, sempre disposto a ouvir os fãs e trocar ideias com novos escritores em busca de conselhos sobre a carreira. Um indivíduo acessível e simpatico, muito bem quisto pelos colegas. Os personagens em seus contos eram um reflexo de si mesmo. Blackwood era um amante da vida selvagem, apreciava fazer trilhas, acampar e esquiar. Saia regularmente, vagando sem destino pelos recantos intocados em uma espécie de comunhão com o mundo natural de que era devoto. No isolamento da mata virgem, no silêncio da floresta e no coração do bosque encontrava a inspiração para seus contos mais sinistros.
Outro interesse de Blackwood eram os fantasmas e as assombrações de todo tipo. Vários de seus contos se dedicam a manifestações fantasmagóricas, tema que muito o fascinava. Amigos íntimos afirmam que ele acreditava no sobrenatural e frequentava círculos de discussão sobre o assunto como ouvinte e em algumas vezes como palestrante, disposto a compartilhar suas teorias sobre o "Mundo Espectral". Ele se associou a sociedades de estudo do sobrenatural como o Ghost Club e abordou o tema em seu romance "The Human Chord". Blackwood também fez parte da renomada Hermetic Order of the Golden Dawn, a mais famosa Sociedade Mística do século XIX, ao lado de grandes pensadores do oculto como Yeats, Mathers e é claro, Crowley. Alguns o acusaram de se aproximar desses círculos para extrair deles inspiração para seus contos e novelas. Ele jamais negou que usava o contato com ocultistas famosos para dar credibilidade aos seus contos.
Esse ano comemoramos 153 anos do nascimento de Algernon Blackwood e sua influência no gênero Horror Fantástico se mostra imensa. Ela pode ser medida pelos elogios rasgados de H.P. Lovecraft em seu ensaio "O Horror Sobrenatural na Literatura":
"Menos intenso do que Machen ao delinear os extremos do pavor, mas infinitamente mais ligado à ideia de um mundo irreal influindo no nosso, é o inspirado e prolífico Algernon Blackwood, em cuja obra volumosa e desigual, podem-se encontrar alguns dos melhores exemplos de Literatura Fantástica da época atual ou de qualquer outra. A qualidade do gênio de Blackwood não pode ser posta em dúvida, pois ninguém sequer chegou perto do talento, seriedade e minudente exatidão com que ele registra as sugestões de estranheza em objetos e experiências ordinárias, ou o discernimento preternatural com que ele constrói, detalhe por detalhe as sensações e percepções que levam da realidade à existência ou a visão supranatural. Sem domínio notável da magia poética das simples palavras, é ele o mestre absoluto e indisputado da atmosfera espectral; e de um simples fragmento de descrição psicológica é capaz de invocar oque quase chega às dimensões de uma história. Melhor que qualquer outro ele compreende quão inteiramente, certas mentes sensitivas habitam perpetuamente as fronteiras do sonho, e quão relativamente tênue é a distinção entre as imagens formada a partir de objetos concretos e as que são excitadas pelo mecanismo da imaginação".
O que chama a atenção na obra de Blackwood é a forma como ele trata os lugares onde se passam suas histórias. Ele privilegia as paisagens campestres e áreas rurais intocadas do mundo, lugares imersos em uma essência primordial que não foi corrompida pelo homem. Florestas densas, pântanos ermos, rios estagnados, montanhas rochosas que nunca foram exploradas e onde a humanidade não é bem vinda. A paisagem desenhada por Blackwood é quase um personagem atuante na trama, agindo como um organismo vivo que repudia a presença dos personagens e deles quer distância. Blackwood não apenas descreve o ambiente, mas evoca uma sensação de ameaça pois tudo é absolutamente escuro, lúgubre, assombroso.
A região pantanosa próxima do Rio Danúbio em "Os Salgueiros" - seu conto mais famoso - é descrita como um verdadeiro inferno, repleto de sons e sensações perturbadoras. Não há escapatória desses bancos de areia cercados por água barrenta. Não por acaso "Salgueiros" é considerada uma das 10 melhores historias de horror sobrenatural de todos os tempos, e um dos contos favoritos de Lovecraft.
Outra coisa interessante é que Blackwood lida com um tipo bem específico de Horror: o Pavor diante do desconhecido, daquilo que não pode ser compreendido, quantificado ou ponderado racionalmente. É sem dúvida um tema recorrente entre os autores do Mythos, mas Blackwood consegue se destacar ao tratar do assunto como um dos pioneiros no Horror Cósmico.
Os monstros que espreitam em suas estórias aparecem como vultos fantasmagóricos e presenças intangíveis que nunca são vistos inteiramente. Eles agem deixando apenas indícios de sua passagem e rastros de seu horror, nada mais. Ele se dá ao luxo de jamais explicar o que são os seus horrores, o que querem, de onde surgiram... são horrores, são abominações, e isso, basta.
O leitor nunca sabe exatamente o que são as criaturas que habitam o pântano em "Os Salgueiros". O leitor jamais sabe o que deseja o Wendigo no conto de mesmo nome (possivelmente seu segundo mais conhecido conto). Mesmo em narrativas com um suposto motivo ou explicação como "The Glamour of the Snows", "Ancient Sorceries" e "The Man Who Found Out" simplesmente contém lacunas deixadas incompletas, muitos mistérios em aberto.
Algo proposital como se não houvesse luz suficiente para iluminar as trevas do desconhecido.
O PROJETO
Uma ótima notícia para os Fãs do Horror é que as Editoras Clocktower e ex-Machina se unem para dar o pontapé inicial de um Financiamento Coletivo que trará as cinco narrativas longas mais importantes de Algernon Blackwood, sendo duas delas inéditas em português, num total de mais de 300 páginas. As histórias selecionadas para essa edição especial são:
Os Salgueiros (1907)
Antigas Feitiçarias (1908)
O Wendigo (1910)
O Homem que as Árvores Amavam (1912)
Descida ao Egito (1914)
O livro ainda contará com ilustrações de Alexandre Teles elaboradas especialmente para a essa edição. Nas metas estendidas, conteúdos extras inéditos tratarão da vida e da obra do autor, sua recepção crítica, memórias e relatos, além de curiosidades sobre a gênese das histórias.
Quem já conhece os envolvidos, pode atestar a seriedade deles e comprovar que já realizaram vários Financiamentos bem sucedidos, entregando material inédito, respeitando os prazos estipulados.
O Financiamento já teve início, então eu convido a todos a conhecer a Proposta, as Metas e as Recompensas oferecidas nesse novo Projeto.
Aqui, vocês podem acessar o link que leva ao Catarse:
Muito bom. Parabéns por esse trabalho de divulgação
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