quinta-feira, 9 de maio de 2019

Como proteger sua Biblioteca com Maldições Medievais

A 15th century portrait of a scribe.


Na Idade Média, criar um livro podia demorar anos. Um escriba se debruçava sobre uma escrivaninha, usando apenas a luz natural - já que velas eram um risco para os livros - e passava horas e horas dando formas a letras e colorindo desenhos intrincados. Cada traço no papel era feito com extremo cuidado para evitar erros que podiam destruir o trabalho de semanas. Para ser um copista ou escriba, era preciso ter paciência, cuidado e certo grau de perfeccionismo. Era um trabalho exasperante e por vezes deveras frustrante, no qual o progresso era dolorosamente lento. Segundo um copista o trabalho "extinguia a luz dos olhos, entortava a coluna, esmagava as vísceras e costelas, causava dor nos rins e doenças em todo corpo".

Dado o extremo esforço que envolvia criar livros, escribas e proprietários de bibliotecas naturalmente desejavam proteger seus tesouros. Eles eram, afinal de contas, o fruto de seu labor e dedicação. Para proteger tais livros eles usavam o único poder ao seu alcance: palavras!


No início e no fim de cada volume, escribas e copistas passaram a escrever dramáticas ameaças e maldições endereçadas aos ladrões que ameaçavam subtrair seus livros ou a qualquer pessoa que pudesse danificá-los. Essas ameaças tinham a força de verdadeiras maldições que prometiam fogo e enxofre contra todos aqueles que ameaçassem seus tesouros inestimáveis.

Seus autores não hesitavam em recorrer às piores e mais medonhas formas de sofrimento, que iam desde a excomunhão até torturas impiedosas. Roube um livro e você será empalado por espetos e cozido em brasas. Arranque uma página e suas mão serão arrancadas e enfiadas em seu traseiro. Pegue um livro emprestado, mas se falhar em devolver, seus olhos serão perfurados por lanças em brasas. Nada era ruim o bastante, ou medonho o suficiente para dissuadir possíveis criminosos".

"Estranhas e toscas como podem parecer aos nossos olhos, essas maldições eram uma das únicas coisas que protegiam os livros", diz Marc Drogin, autor de "Anátema! Escribas Medievais e a História das Maldições em livros". "Por sorte, aqueles eram tempos em que as pessoas acreditavam piamente em ameaças dessa natureza. A ameaça, feita por pessoas de respeito, além de tudo, soava especialmente real. Morrer em agonia por ter roubado um livro era um perigo considerável e as pessoas preferiam não correr o risco".


O livro de Drogin, publicado em 1983, é o manual mais completo a respeito de maldições em livros. Um cartunista e desenhista por profissão, Drogin sempre foi fascinado pelo estilo de caligrafia gótico medieval.  Enquanto realizava pesquisas para seu primeiro livro, ele encontrou um pequeno volume onde descobriu anotações sobre maldições escritas em grego clássico. Buscando outros registros, Drogin descobriu que as maldições estavam presentes em livros desde a antiga Babilônia até o Renascimento.

Para muitos historiadores, as maldições não passavam de mera curiosidade, mas para Drogin eles eram a evidência do valor destes livros. Bibliotecas e coleções medievais eram compostas por poucos volumes, talvez uma duzia, portanto, estes eram muito estimados.

A maldição da excomunhão- também conhecida como anátema, podia ser algo simples. Drogin encontrou muitos exemplos de maldições curtas a respeito dessa ameaça. Por exemplo:

Que a espada da anátema assassine
Aquele que carregar esse livro.

(May the sword of anathema slay
If anyone steals this book away).

Se um escriba realmente quisessem mostrar sua seriedade quanto a maldições, eles usariam o termo “anathema-maranatha”—maranatha indicando “Nosso Senhor retornará ” o que servia como um intensificador da ameaça básica da excomunhão. Se Cristo estava para retornar, melhor não correr o risco de ser afastado de seu meio, afinal de contas.

Mas as maldições podiam ser muito mais elaboradas e explicitas. "As melhores ameaças eram aquelas que descreviam claramente a angústia física e sofrimento em detalhes. Quanto mais criativa a ameaça melhor para seus propósitos. É curioso que acadêmicos, em geral as pessoas mais educadas do período recorreram a xingamentos por vezes repletos de palavras de baixo calão para proteger seus livros. 

"Se alguém remover este livro da biblioteca, que este sofra a mais dolorosa das mortes. Que ele seja frito em uma panela. Que mil aflições e doenças o consumam. Que seus ossos sejam moídos e que sua garganta seja cortada. Amém."

Mas haviam outras ainda mais profundas:

"Para aquele que roubar, ou tomar emprestado esse volume, sem devolve-lo ao dono original: que este livro se transforme em uma serpente venenosa em suas mãos. Que seja atingido pela peste e seus membros inutilizados. Que seja abandonado por todos enquanto lamenta e chora, implorando ajuda que nunca vem.  Que não haja pausa em seus tormentos, até que chegue a morte. E então que vermes o devorem por inteiro e que sua corrupção seja total. Que as chamas o consumam pela eternidade e que os demônios do inferno lhe deem atenção, atormentando seu corpo com todas as torturas existentes, para todo o sempre". 

Finalmente, além das palavras, alguns ilustradores usavam ameaças na forma de desenhos para representar as terríveis punições que criminosos receberiam por tratar livros da maneira incorreta. Na contracapa de alguns tomos importantes eram desenhadas cenas sangrentas e assustadoras, representando toda sorte de dor, punição e sofrimento.


O trabalho de Drogin apresenta centenas de maldições que ele localizou examinando livros medievais. Não faltam ameaças nada veladas aos que tratam os livros de maneira errada e uma das mais populares pode ser encontrada repetida em vários volumes pertencentes a uma biblioteca de Roma. A maldição diz o seguinte:

"Que qualquer um que roube ou aliene esse livro, ou o mutile, seja cortado do corpo da Santa Igreja e tratado por aqueles que lhe ofereceram a salvação, como alguém que não a merece".

*     *     *

Ok, talvez a maioria dessas maldições sejam pesadas demais e terríveis além da conta. 

O crime de roubar um livro, um dia já foi considerado como uma transgressão inenarrável, hoje... bem, hoje em dia, não parece algo tão sério.

Contudo, todos aqueles que já emprestaram um livro de estimação e o tiveram rasgado, amarrotado ou roubado, sabem a dor que se sente. Eu sei bem como é. Infelizmente!

Já perdi a conta de quantos livros perdi nas mãos de pessoas que não os trataram com cuidado, ou que simplesmente "esqueceram" de devolver. E cada livro perdido, é sempre lembrado por quem o perdeu...

Nesse caso, uma "pequena maldição" não soa tão fora de contexto.

3 comentários:

  1. É bem triste mesmo. Uma pequena maldição não seria injusta. Hehehe!

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  2. É um assunto bem interessante , queria ler o livro , você tem alguma versão em PDF ?

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  3. Adorei este blog pois estava pesquisando sobre maldições em bibliotecas e achei vcs. Sabem onde encontro o livro de Droguin para comprar? grata

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