quarta-feira, 29 de maio de 2019

Os Salgueiros - O Mestre Algernon Blackwood nos leva às profundezas da Floresta


É difícil encontrar uma história de horror capaz de capturar nossa imaginação e criar uma sensação de terror, ao mesmo tempo sutil e descritivo, como "Os Salgueiros" de Algernon Blackwood (1907).

Lembro que li esse conto pela primeira vez em uma antologia chamada Depois, reunida por Heloísa Seixas nos anos 2000. Os Salgueiros era a história principal e a mais celebrada pela organizadora que rendia a ela elogios rasgados. Aquilo me convenceu e li, como dizem, de uma sentada só, engolindo vírgulas, devorando pontos, ansioso pelo parágrafo seguinte que trouxesse uma revelação ou um alívio da tensão brutal que aquelas linhas impunham.

Não é demais reputar a Algeorn Blackwood o título de Mestre do Horror. H.P. Lovecraft o considerava assim, como um dos grandes do gênero, um degrau pequeno abaixo de Poe. Além disso, chamava "Os Salgueiros" de "a maior história estranha (weird tale) jamais escrita". Não é pouca coisa! 

Os fãs mais dedicados ao gênero devem conhecer a obra de Blackwood, mas aqueles que não conhecem não precisam se envergonhar: publicado relativamente poucas vezes no Brasil, ele permanece oculto do grande público. O que não significa que seus contos estejam inacessíveis.


Recentemente, a Editora Empíreo lançou uma edição caprichada da mais conhecida história de Blackwood, "Os Salgueiros". O volume vem em uma edição de capa dura, com ilustrações e com um extra valioso, em versão traduzida em português e na versão original, conforme concebida pelo autor. O fato de poder apreciar o conto em uma edição bilíngue é algo sensacional!

O texto só ganha em poder e ambientação quando lido em inglês. A tradução é primorosa, mas as linhas lavradas por Blackwood vibram com as descrições exasperantes de um pesadelo do qual não há como escapar. Estejam avisados portanto, que Os Salgueiros é daquelas histórias para grudar em sua imaginação e ser lembrada quando, e sempre que, você se afastar suficientemente da civilização e entrar em uma mata silenciosa sozinho. É daqueles contos para ser recordado quando ouvir um ruído desconhecido num bosque ou quando escutar o som de algo caindo num até então plácido lago.

Não pretendo falar demais da trama para não estragar. Boas histórias, como essa devem ser descobertas lentamente. Apenas sugiro ao leitor que leia essa história sem interrupções, que comece, continue e só pare quando chegar à última linha. Não trapaceie lendo o final e não caia na armadilha de pular um parágrafo. Salgueiros não é longa, é possível ler em algumas horas, preferencialmente antes de dormir. Dormir depois, já é outro assunto.


Nessa história, dois amigos decidem partir em uma viagem de canoa através do Rio Danúbio, em uma das regiões mais isoladas da Europa Central. Após dias percorrendo rios margeando florestas ermas, os dois acabam indo parar em uma pequena ilha - quase um banco de areia no meio de um pântano, à caminho de Bucareste. Esta parte do rio é descrita como uma "região de singular isolamento e desolação… coberto por um vasto mar de salgueiros". 

Com base nesse ambiente insalubre de opressiva natureza, se desenrola a trama. Não existe escritor capaz de conjurar uma aura de horror perante o mundo natural como Blackwood. Outras histórias dele, como "O Wendigo," também captura um senso de ameaça presente na natureza selvagem, com um predador selvagem tão terrível quanto em "Os Salgueiros", mas aqui ele vai além.

A floresta em que os canoístas adentram é uma presença viva, praticamente um personagem que participa ativamente da trama. A mata é como uma entidade cheia de olhos e ouvidos, observando constantemente os dois pobres sujeitos perdidos em uma ilha que parece diminuir. As plantas e criaturas que habitam esse lugar afetam a percepção febril dos dois e faz com que eles se perguntem constantemente "se estamos sozinhos, então por que sentimos que alguém está observando"?

Essa sensação desagradável vai se tornando cada vez mais incômoda e logo a sanidade cede espaço para a paranoia e o medo. A construção da história é incrível, o leitor sente a tensão aumentando a cada página e lá pela metade, é impossível não ficar angustiado querendo saber como vai terminar a trama.


Os elementos do pântano, da floresta, da mata virgem parecem conspirar, criando um ambiente muito propício a loucura e desespero. Em um dos momentos mais memoráveis, alguma coisa, que parece ser um homem - mas que pode ser "qualquer outra coisa" aparece flutuando  na água - talvez o cadáver de um pescador que eles encontraram anteriormente, mas talvez outra coisa desconhecida.

A aventura romântica da exploração e da jornada através do rio, em uma das últimas regiões selvagens da Europa, é muito bem narrada. Passando-se no início do século XX, ela poderia ser retratada em qualquer época no passado, já que a floresta intocável que os cerca é idêntica a que existia ali ao longo dos séculos. Essa refúgio selvagem permaneceu fechado para o homem moderno que tolamente acredita explorá-lo. Na verdade ele é meramente atraído para uma armadilha em seu interior. 


A narrativa descreve um manto verde que impede os amigos de enxergar o horror que está bem diante de seus olhos, um horror profano, à princípio curioso com essa invasão de seus domínios, mas que pode se tornar furioso a qualquer momento.

Blackwood manipula as palavras, extraindo um senso de reverência e inquietude dos personagens. Um dos pontos principais da história é mostrar como a mente deles próprios acaba dando asas aos seus medos mais profundos. Mesmo sem ver nada, a mente conspira para criar um pavor do qual não há escapatória, não existe trégua, não cabe recurso...

Como dito, a edição bilíngue da Empíreo acerta em cheio, sendo imperdível para os entusiastas do medo e da tensão. 

Salgueiros está em meu top 5 de histórias de horror favoritas.  

Para saber mais sobre Algeorn Blackwood, leia aqui AQUI


5 comentários:

  1. Legal... vou procurar. Por curiosidade, quais são as TOP 5 histórias de horror favoritas ? Meu top 5: 1- The Shadow out of time. 2- The Dunwich Horror. 3- Pet Sematary. 4- Frankstein. 5. A Head Full of Ghost

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    1. Rapaz, eu adoro fazer listas, mas engraçado, não tenho uma das minhas histórias favoritas de horror. Acho que devo sanar esse problema e fazer uma quando sobrar um tempinho.

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  2. Essa obra é assustadoramente soberba.

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    1. Na minha opinião, uma das melhores coisas que já li nos domínios d Horror.

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  3. Alguém teria a história de Algernon Blackwood, The Wendigo em português? Quero ler mas não foi publicada no Brasil. Grato.

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