terça-feira, 18 de maio de 2021

Gigantes Impuros - Anatomia dos Selvagens Gug parte 1


Os exploradores dos míticos rincões oníricos conhecidos comumente como Terras do Sonho, comentam a respeito de muitos horrores e maravilhas habitando essa realidade. Os sonhadores experientes aos poucos se tornam familiarizados com todo tipo de ocorrência e encontros bizarros. Mencionam coisas fantásticas como terras exóticas cobertas por selvas perfumadas, mares bravios singrados por naus brancas, céus de cor turquesa despontando estrelas e luas estranhas, além de cidades dotadas de belezas indescritíveis. Também falam de povos com costumes e hábitos peculiares, nem todos inteiramente humanos, muitos deles existentes apenas nos limites da imaginação ou em nossos devaneios.

Em um universo no qual os sonhos são a realidade, o perigo ronda em cada canto. Perigo este que se materializa, não raramente, na forma de coisas aterrorizantes e difíceis de conceituar sob a ótica de um não-sonhador.

A maioria dos aventureiros da Terra dos Sonhos concordam que poucos lugares nesse mundo podem se comparar em matéria de risco aos extensos subterrâneos do mundo onírico. Estendendo-se por uma vastidão obscura que comporta cidades, reinos e até oceanos que jamais viram a luz do sol, esse submundo tartárico é um reino à parte. Ele oculta tantos segredos que nem mesmo um exército de sábios vivendo mil vidas seria capaz de discorrer sobre seus mistérios e encantos. Há incontáveis túneis e câmaras hospedando uma vastidão de caminhos impossíveis de mapear.

Os que exploram esse lugar escuro e claustrofóbico relatam encontros com os habitantes mais comuns. Os necrófagos carniçais das Terras dos Sonhos, vivem nos túneis próximos da superfície escavando caminhos que conduzem não apenas ao mundo exterior, mas ao reino desperto. Vivendo em tribos eles são muito comuns em cavernas e antigas criptas escavadas pelos homens do passado. Formam matilhas ferozes que por vezes atacam os vivos, mas preferem se alimentar de ossos e carne putrefata. Mais abaixo podem ser encontrados os medonhos ghasts, monstros desajeitados e cegos, que patrulham os túneis devorando tudo aquilo que conseguem agarrar. Um sem número de sonhadores terminaram suas aventuras como vítimas dessas criaturas abissais.


Entretanto, há níveis ainda mais profundos com corredores e câmaras imersas em trevas indevassáveis. As cavernas que se estendem além do Mar de Ossos, na fronteira com as Câmaras de Zin, são o habitat de alguns dos predadores mais temidos da Terra dos Sonhos. Mesmo os mais experientes sonhadores evitam essa região abissal, sabendo que ali a sobrevivência é incerta, pois este é o terreno de caça dos Gug.

Os Gugs são criaturas gigantescas que vagam sem destino pelos corredores e túneis. Esses seres não constituem uma nação ou um povo, organizando-se em pequenas tribos independentes que frequentemente guerreiam umas com as outras por comida e território. Eles fazem pouco uso de armas, preferindo usar de força bruta para resolver suas diferenças. De forma geral, os Gug não são muito inteligentes, dependem de seus instintos básicos para sobreviver num mundo onde aquilo que não podem devorar, quer lhes devorar. Nesse ambiente extremo, os Gug conquistaram um lugar no topo da cadeia alimentar, convertendo-se em caçadores implacáveis.

Praticamente tudo que entra em seu território é tratado como alimento, inclusive outros Gug. Não há espaço para barganha ou negociação, um Gug faminto não se detém diante de nenhum obstáculo, e mesmo feridos ou à beira da morte, continuam tentando capturar sua presa e comê-la. Esses gigantes são primordialmente carnívoros, ainda que em períodos de escassez de alimentos eles possam se alimentar dos fungos fosforescentes que crescem na parede das cavernas. Um Gug não vê diferença entre as suas presas: todas elas são meramente carne para aplacar sua fome, desse modo, humanos e ghasts são tratados da mesma maneira. Curiosamente, eles evitam consumir ghouls, possivelmente por sua carne purulenta ser portadora de doenças.


Nas suas caçadas, os Gugs costumam se reunir em um bando com pelo menos um caçador adulto e experiente, acompanhado de dois ou três outros adultos e alguns jovens. A presença destes vai além da função educacional. Por vezes, quando os caçadores não conseguem alimento suficiente para o resto da tribo, os jovens são simplesmente abatidos pelos próprios parentes. Um bando de caça pode levar consigo redes trançadas com cabelo e porretes toscos, mas apenas o chefe caçador carrega uma lança comprida usada para desalojar e espetar a caça. Por vezes ele também carrega uma bolsa de couro onde leva pedregulhos que são arremessados contra inimigos ou presas. O caçador é a autoridade máxima entre os Gugs e ele impõe sua vontade com mão de ferro. Se um dos seus assistentes o desagrada, o Caçador simplesmente o mata e este se torna alimento para a tribo. Quando o Chefe de Caça fica velho e incapaz de cumprir seu papel, os demais adultos o matam e começam a lutar entre si até que reste o mais forte ou os demais se submetam a ele.

Pouco se sabe a respeito das fêmeas da espécie, visto que elas não participam da caçada e raramente se afastam de seus acampamentos. O propósito das fêmeas parece ser exclusivamente o de procriar e cuidar dos jovens, mas há uma exceção. Cada tribo possui uma matrona responsável por cuidar das demais fêmeas e essa é tão temida e respeitada quanto o Líder da Caça. É função da matrona escolher com quem as fêmeas irão procriar e disciplinar aquelas que não cumprem o papel esperado - o que inclui não ter crias periodicamente. Como praticamente tudo mais em sua sociedade, a matrona usa a força para controlar as demais. Qualquer desvio ou falha é razão para morte e consequente canibalismo. A Matrona só é substituída quando uma fêmea a desafia, resultando em uma luta sangrenta. Os Gug vem isso como uma oportunidade para renovar suas forças e garantir um bom estoque de carne.

Quando necessário, uma ou mais tribos enfraquecidas podem se unir, sobretudo quando há poucas fêmeas. Contudo é mais comum que os machos de uma tribo aniquilem os de outra e tomem à força as fêmeas como espólio de guerra. As lutas internas e disputas sanguinárias entre os próprios Gug são a única coisa que impede sua superpopulação. Uma fêmea sempre dá à luz a dois ou três filhotes de cada vez, mas apenas o mais forte, escolhido pela matrona, sobrevive. Os outros se tornam alimento para o escolhido. Um Gug pode viver até 100 anos, mas em um ambiente tão hostil, isso é raro.

Os acampamentos dos Gug são meramente transitórios, erguidos com tendas improvisadas feitas de cabelo trançado, ossos e couro curtido. Sua existência é seminômade, quando a caça em um determinado território diminui eles simplesmente se movem para outro. Isso faz com que guerreiem entre si. Os limites de cada território são cuidadosamente demarcados com totens de excremento produzidos pelo Caçador Chefe. Também é função dele urinar nos seus comandados afim de que eles possam ser reconhecidos como parte da tribo. Os Gug utilizam o olfato na maioria de suas relações sociais. Odores fortes são uma demonstração de potência sexual, força e capacidade marcial. Não por acaso, o fedor dos Gug pode ser sentido de longe e constitui um aviso de sua aproximação. O fedor que emana de seus acampamentos é tão revoltante que os Gug são conhecidos como Gigantes Impuros.


No passado remoto da Terra dos Sonhos, os Gug viveram na superfície, onde seus grandes monólitos de pedra ainda podem ser encontrados. Os Deuses Antigos, no entanto, começaram a temer os Gug quando estes passaram a reverenciar Nyarlathotep e o Panteão dos Outros Deuses. Nessa época, os membros da raça eram menos obtusos ao ponto de terem uma língua própria, uma escrita rudimentar e até conhecimento moderado de arquitetura. Eles erguiam monumentais cidadelas de pedra negra onde viviam em uma sociedade consideravelmente menos selvagem. Nesse tempo, também usavam ferramentas e dominavam a técnica do fogo.

Segundo as lendas da Terra dos Sonhos, os Deuses certa noite desceram para ouvir as blasfêmias que eram proferidas pelos sacerdotes Gugs em seus rituais. Dizem que os deuses ficaram tão furiosos pelas profanidades que baniram os Gugs para o subterrâneo, aniquilando suas cidades, transformando-as em ruínas. Os próprios Gugs foram destituídos de sua capacidade de se comunicar, revertendo a um estado de barbarismo que os tornou aquilo que eles são hoje em dia.

Os Gugs exilados descobriam uma imensa cidade de pedra com muralhas em seu entorno onde se estabeleceram. Este se tornou seu santuário nos primeiros anos após o exílio no submundo. Até hoje, o lugar é chamado de Cidade dos Gugs, embora ninguém saiba quem foram os responsáveis pela sua construção. A Cidade surge como um colosso de pedra, com frontões formados por enormes blocos ciclópicos de ardósia negra e granito cinzento. O muro é praticamente intransponível, medindo mais de 50 metros de altura, tendo um único portão voltado para o Mar de Ossos. As construções no interior da Cidade, que mais parece uma fortaleza, incluem torreões e edificações sem janelas, além de estranhos pináculos de rocha vulcânica brilhante.


Os Gug usaram esse lugar por milênios, mas a deterioração gradual de sua espécie fez com que eles o abandonassem para viver nas câmaras que se tornaram seu território de caça. A Cidade dos Gugs é um dos únicos lugares em que estas criaturas tradicionalmente não se enfrentam, uma vez que é tabu para eles matar e se alimentar uns dos outros nos seus limites. É aqui também que eles devotam seus rituais blasfemos para a única entidade que decidiram reverenciar após seu expurgo - uma coisa conhecida apenas como Névoa sem Nome.

Ossadas de gerações de Gug, menores e menos selvagens, ainda podem ser encontradas ao longo das ruínas da cidade. Ghouls tendem a se aventurar pela porção norte da cidadela onde repousava uma planície usada originalmente como cemitério. Lá eles escavam a terra barrenta em busca dos ossos que ainda guardam o valioso tutano que os alimenta.

No centro da Cidade encontra-se um enorme espigão negro, a Torre de Koth que ascende até o teto da caverna. Por dentro da torre corre uma escadaria em caracol que leva até um imenso alçapão conectando o submundo a Floresta Encantada na superfície. Os Gug vagam livremente por esse interior e nas escadarias, mas não se aproximam do alçapão pois nele estão gravados os símbolos dos Deuses Antigos. Se uma fresta que seja estiver aberta, os Gug reagem com um terror supersticioso, temendo que através dessa passagem os Deuses possam puni-los.

Humanos que estiveram na Cidade dos Gug e sobreviveram relataram que uma das únicas maneiras de retornar à superfície é escalando a grande Torre de Koth para chegar ao alçapão. Obviamente é mais fácil falar do que fazê-lo. Os Gug sentem a presença de invasores e punem qualquer um que ameace abrir a passagem com uma violência desconcertante até mesmo para seus padrões. Mesmo os ghouls temem esse tipo de retaliação e raramente frequentam a escadaria central, ainda que sua presença seja tolerada ali. Os humanos que afirmam ter conseguido escapar usando essa rota se disfarçaram como ghouls para atingir a invejável façanha.

Continua na parte 2

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