sexta-feira, 21 de maio de 2021

O Gigante de Cardiff - Uma das maiores farsas da história da arqueologia


A semente do que se tornaria um dos casos de fraude mais elaborados do século XIX foi plantada na mente de George Hull em 1867. Um plantador de fumo por profissão, Hull era também um ateu e cético, que durante uma visita de trabalho a Iowa, entrou numa acalorada discussão com um pastor. Hull contou mais tarde que ficou estarrecido pela interpretação literal da Bíblia feita pelo religioso, em especial do Livro do Gênesis que definia: "haviam gigantes na Terra naqueles tempos". Deitado em sua cama naquela noite, Hull imaginou se as pessoas realmente acreditariam em tal coisa se os restos de um gigante fossem um dia encontrados. Mais interessante, ele imaginou se as pessoas estariam interessadas em pagar para ver tal coisa.

Nos dois anos que se seguiram Hull gastou cerca de 3 mil dólares para construir um gigante que deveria se passar por um corpo humano de proporções exageradas petrificado. Ele viajou para Fort Dodge, Iowa, onde adquiriu um bloco de granito de cinco toneladas. Para o vendedor, ele disse que o material seria usado para erigir uma estátua do Presidente Abraham Lincoln. Hull enviou o grande pedaço de pedra para Chicago para que um de seus comparsas que havia concordado em participar do esquema desse prosseguimento no plano. Uma dupla de escultores contratados passaram o verão de 1868 talhando o bloco até ele se tornar a maravilha antropológica que eles desejavam. 

A estátua tomou a forma de um homem nu deitado sobre as costas com o braço direito lançado sobre o estômago, uma perna cruzada sobre a outra e a face apresentando um meio-sorriso. Os escultores derramaram sobre ela ácido sulfúrico para dar um ar de antiguidade erodida e Hull providenciou os detalhes finais para que ela ficasse autêntica. Uma vez terminada, a obra media mais de 3 metros de comprimento e tinha quase 1,5 toneladas      

Os operários que desenterraram o gigante prestam a ele seus respeitos

Hull precisava apenas de um lugar para enterrar o seu gigante e eventualmente ele se decidiu pelos arredores da cidade de Cardiff, no interior de Nova York. O pequeno assentamento era o lar de um parente distante chamado William "Stub" Newell que concordou em ajudar o parente em troca de uma parte dos lucros. O gigante de pedra foi enviado para a fazenda de Newell em uma grande caixa selada para que ninguém soubesse o que estava ali dentro.

Numa noite fria de novembro, os homens enterraram a estátua nas terras de Newell tomando o cuidado de colocar raízes entrelaçadas nela para criar a ilusão de que a coisa estaria ali há séculos. Hull retornou então para sua casa e esperou. Cerca de um ano se passou até que Newell recebeu uma carta dizendo que havia chegado a hora de desenterrar o gigante. Em 16 de outubro de 1869, o plano foi colocado em ação com a contratação de uma equipe de escavadores que deveriam começar a obra de um poço nas fazenda. O lugar definido era justamente onde o gigante estava escondido. Os homens não tiveram de cavar muito até que suas pás bateram em algo escondido sobre a terra. Era um enorme pé feito de pedra. Em poucas horas, os surpresos operários escavaram o restante do enorme corpo. Um deles disse ao ver a coisa: "É o maior homem que já existiu, um verdadeiro gigante". 

Não demorou para que a notícia fosse levada até Cardiff. As pessoas deixaram o trabalho, correram de suas casas e uma verdadeira multidão convergiu para as terras de Newell para ver o que passou a ser chamado "Gigante de Cardiff". Uma vez que a cidadezinha já era conhecida como um enorme depósito de fósseis, muitos acreditavam que o gigante havia vivido milhares de anos atrás e que havia sido petrificado pela ação de águas salobras que formavam um pântano na área naqueles tempos ancestrais. Embora estudos do período confirmassem essa teoria, estudiosos logo foram categóricos ao dizer que a o corpo não pertencia a um homem de carne e osso, mas era provavelmente uma estátua esculpida por Jesuítas franceses e abandonada ali por razões desconhecidas. 

O Gigante sendo removido de sua sepultura

A medida que as especulações continuavam, Stub Newell desempenhava o papel de humilde fazendeiro com enorme habilidade. Ele até disse que iria enterrar uma vez mais o gigante e esquecer todo o assunto, uma vez que sua descoberta havia trazido apenas confusão para suas terras. Um coro de pessoas então se apressou em dissuadi-lo de fazê-lo pois o achado deveria certamente ter algum valor histórico. 

O achado do homem pré-histórico de Cardiff causou um estardalhaço como nunca antes visto na zona rural de Nova York: "Uma Nova Maravilha", estampavam as manchetes dos principais jornais da região. Outros jornais saudavam o achado como uma "descoberta singular". Enquanto isso, a multidão de curiosos apenas aumentava, e Newell tomou uma providência. Armou uma grande tenda sobre a estátua e passou a cobrar 50 centavos para aqueles que desejavam ver a figura. Cerca de 2500 pessoas estiveram presentes na tenda, apenas na primeira semana. 

Newell recusou ofertas de empresários que queriam comprar o colosso de pedra, até que George Hull chegou à Cardiff alguns dias mais tarde. Após algumas discussões sob como agir em seguida, os golpistas decidiram que estava na hora de lucrar pesado com sua fraude. Quando um empresário ofereceu 30 mil dólares por 3/4 dos lucros obtidos com apresentações da estátua, Newell aceitou.


Nas seis semanas que se seguiram, mais experts convergiram para Cardiff afim de inspecionar a "nova maravilha". O geólogo de Nova York James Hall e o Professor da Universidade de Rochester Henry Ward estavam entre as muitas pessoas que tiveram acesso à peça e puderam analisá-la. Surpreendentemente eles consideraram o item autêntico, com Hall afirmando ser ele "o mais incrível achado arqueológico da história do país". Entre seus defensores mais ferrenhos estavam vários religiosos que viam na estátua a comprovação das passagens bíblicas que menciona os lendários gigantes. A existência de um ser humano daquelas proporções era a comprovação do texto sagrado, cuja interpretação estrita vinha sendo duramente contestada nas últimas décadas.

Mais do que representar um achado significativo e uma descoberta bíblica importante, o Gigante de Cardiff mexia com a imaginação das pessoas. Alguns afirmavam que a peça exercia estranhos "poderes" sobre os que a observavam. Muitos afirmavam que tocá-la ou simplesmente observá-la por muito tempo conferia a certos indivíduos visões de um tempo antigo, possivelmente a época em que o gigante viveu. Outros afirmavam ter sonhos bastante claros desse período, simplesmente porque tiveram contato com o Gigante. Em determinado momento, celebrados médiuns e conhecidos charlatões que usavam a crença das pessoas para promover suas "habilidades psíquicas" visitaram a tenda erguida por Newell. Mais de um desses "especialistas" se disse surpreso pelas emanações psíquicas que ainda vinham da "criatura". Aventou-se a possibilidade de se realizar uma cerimônia de contato com o espírito do Gigante para compreender sua história.

Na mesma época, alguns mais supersticiosos (e criativos) passaram a acreditar que o Gigante ainda estaria vivo e que despertaria à qualquer momento de seu sono comatoso. Se livraria da camada rochosa que cobria sua carne e músculos para andar novamente pela Terra. O que ele faria em seguida dividia opiniões, com alguns acreditando piamente que seu despertar traia sérias repercussões para o mundo. Como acontece com alarmante frequente, as pessoas quando confrontadas com algo inexplicável, tendem a reagir de maneiras absurdas. Acreditando e estando dispostas a acreditar em qualquer coisa!


Mas ao menos algumas pessoas tentavam racionalizar a descoberta e começaram a suspeitar de sua autenticidade. Alguns habitantes locais lembravam de George Hull transportando um enorme caixote um ano antes para aquelas paragens. Repórteres também descobriram que Newell não apenas era parente de Hull, como este havia transferido a ele uma parte dos lucros obtidos com a venda do Gigante. Um engenheiro deu uma entrevista na qual afirmava que o tipo de granito que compunha o corpo do colosso jamais sobreviveria por séculos no solo da fazenda de Newell, quanto mais milhares de anos como sugeriam os crentes. Além disso, o paleontologista Othniel Charles Marsh, após examinar brevemente a peça declarou que "a origem dela era muito mais recente e que provavelmente não passava de uma fraude grosseira". 

Os questionamentos começaram a se empilhar até que em Novembro, os novos donos da estátua decidiram embarcá-la para uma exibição em outras paragens. Diante das suspeitas levantadas por estudiosos e testemunhas, ações na justiça alegando calúnia foram movidas pelos proprietários que pretendiam manter a aura de mistério sobre a atração.  

Ainda assim, onde alguns viam uma fraude, outros enxergavam oportunidade. Apenas alguns dias depois de uma lucrativa apresentação em Albany, o famoso empresário circense P.T. Barnum viu o Gigante e tentou comprá-lo. Quando os donos se negaram a fazer negócio, Barnun, mandou que um escultor esculpisse uma réplica perfeita dele e começou a apresentá-la em Manhattan como algo real encontrado no interior do estado. 

P.T. Barnum o Empresário Circense

"O que seria isso?" alardeavam as propagandas do show de Barnum. "Será uma estátua? Uma Petrificação? Uma Estupenda Fraude ou os resquícios de uma Civilização perdida?" O Gigante de Barnum atraiu verdadeira multidão de curiosos e quando a peça original chegou para sua turnê na capital de Nova York em dezembro, ninguém deu a ela muita atenção. Barnum, era um conhecido pilantra, usava desse tipo de deslealdade em seu ramo, mas ele não era o único. No ano seguinte, ao menos meia dúzia de Gigantes Petrificados surgiram em diferentes partes do país, todos eles "casualmente descobertos" na mesma época.

Por volta de 1870, o Gigante de Cardiff passou de objeto de fascínio para item de ridículo. Ninguém mais acreditava na sua origem e mesmo religiosos consagrados que defendiam sua linhagem bíblica deixaram de citá-lo em seus discursos. Alguns ainda mencionavam sua alegada antiguidade, mas com o tempo ele foi sendo esquecido. O próprio Hull se gabava para amigos de ter conduzido um golpe que lhe rendeu fama e riqueza. 

O esquema ruiu por completo em fevereiro quando um jornal imprimiu a história contada por um dos escultores de Chicago que haviam talhado o colosso de pedra. O homem não apenas produziu provas, como mostrou fotografias tiradas ao lado da estátua, datadas de um ano antes de sua descoberta. Com isso, tudo foi por água abaixo e as turnês foram canceladas. Por volta de 1880, a estátua já havia sido transferida para um depósito em Massachusetts. O gigante ainda foi negociado com várias pessoas e figurou no circuito de parques itinerantes antes de ser vendido para um Museu de Curiosidades em Cooperstown, Nova York.

Tendo lucrado pelo menos 20 mil dólares com o esquema do Gigante de Cardiff, George Hull tentaria o golpe mais uma vez em 1877. Dessa vez ele buscou enganar uma comunidade do Colorado afirmando ter encontrado um gigante de 4 metros enterrado no deserto. A farsa foi desmascarada e após um processo, ele perdeu um bom dinheiro. Hull faleceu na obscuridade em 1902, supostamente ainda orgulhoso de ter enganado à todos com seu incrível Gigante. Muitos creditavam a ele o ditado "todo dia, nasce um otário".

Ele sabia bem do que estava falando.

3 comentários:

  1. Respostas
    1. nem tanto vide a segunda tentativa e o processo que tomou.

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  2. Excelente texto. A história desse homem daria um excelente filme e poderia dar uma boa lição sobre crendices, obscurantismo e charlatões.

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